Portugal não é
um país corrupto, descobriu Dona Cândida de Almeida, alta figura do PS e da
Justiça portuguesa. Convidada a perorar numa iniciativa do PSD, chamada
Universidade de Verão (conclave dos jovenzinhos que medram na juventude
partidária dos laranjas enquanto não arranjam tachos nas empresas dos amigos, ou jobs na administração pública, incluindo
cargos de assessores de ministros e secretários de estado, como tirocínio para
futuros governantes), Dona Cândida, candidamente, disse que «Portugal não é um
país corrupto» e que existe uma «percepção» exagerada da dimensão deste crime,
sublinhando que é dos poucos Estados europeus onde se investigam «grandes
negócios do Estado».
Digo eu: esta
senhora parece confundir investigar com acusar, julgar e – se for caso disso –
condenar. Investigar, lá isso investigam. Mas depois… ignoram factos, destroem
provas e face a isso, arquiva-se.
Continua a
dizer a senhora dona: «O nosso país não é um país corrupto, os nossos políticos
não são políticos corruptos, os nossos dirigentes não são dirigentes corruptos.
Portugal não é um país corrupto. Existe corrupção, obviamente, mas rejeito
qualquer afirmação simplista e generalizada de que o país está completamente
alheado dos direitos, de um comportamento ético (...) de que é um país de
corruptos», disse a ilustre directora do Departamento Central de Investigação e
Acção Penal na tal Universidade de Verão do PSD, em Castelo de Vide.
Sem se rir, mas
abanando muito a sua augusta cabeça, acrescentou que «as pessoas, de uma
maneira geral, sem saber exactamente o que estão a dizer, falam de corrupção
num conceito sociológico, ético-político eventualmente, mas falam de coisas que
não são corrupção, falam de coisas afins», disse, acrescentando que «a corrupção
tem a ver com cidadãos ou funcionários que se vendem ou querem vender-se».
Digo eu que a madame chegou à Terra há oito dias,
mais dia, menos dia, razão pela qual desconhece os casos Freeport, Portucale, Submarinos e
Face Oculta, já para não
falar da Fundação para a Prevenção e Segurança, também conhecida por Fundos para o PS. Também nunca ouviu falar de
Melancia, Abílio Curto, Felgueiras, Isaltino, Vara, Penedos, Godinhos e outros
tantos. E que tais.
Mas continua
sua excelência: A nível do combate a este crime, «Portugal está na média
europeia» e é até um dos países que vai mais longe na investigação deste tipo
de ilícito, dando como exemplo o processo judicial relacionado com a compra de
submarinos pelo Estado português.
Digo eu: a
eminente criatura desconhece que o caso dos Submarinos já provocou condenações na Alemanha,
onde se provou que houve corruptores, faltando apurar, em Portugal, quem foram
os corrompidos. Talvez nunca se apure, a julgar pelo que pensam – e dizem e
fazem – certos altos magistrados. Vejam lá que até documentos essenciais do
contrato de compra dos submarinos desapareceram, tendo outros sido encontrados
no gabinete de uma importante firma de advogados!
Mas Dona
Cândida continuou, imparável: «Temos feito efectivamente o nosso trabalho (...)
Ninguém nos impediu e, portanto, se vocês virem a nível europeu (...) não vêem
ninguém a ser investigado. Não há investigação de grandes negócios do Estado e
que interessam ao Estado. E nós têmo-lo», afirmou.
Digo eu: Não há
dúvida. Esta senhora chegou há pouco de Marte. Por um lado, Freeportes, Submarinos, Portucales,
Aeroporto de Macau, etc, etc, não consta que proliferem na Europa
civilizada. Por outro lado, ela nem sabe que, na
Suécia, uma vice-primeira-ministra foi demitida por comprar um chocolate com o
cartão do governo. Está bem. Isso é que é grave. Se fosse corrupção a sério,
não acontecia nada. Cá, investiga-se, ignoram-se factos, destroem-se provas… e,
na maior das calmas, arquiva-se.
E continuou ela, parecendo cada vez mais destrambelhada: um dos aspectos a melhorar, disse, é a questão do lobby, cujas fronteiras com os crimes de tráfico de influências e de corrupção são pouco claras. «Enquanto lá fora isto está regulamentado, em Portugal não está. E isto tem servido de panaceia para estas situações. E portanto quando há qualquer coisa, é lobby», explicou.
Digo eu:
afinal, sempre há corrupção por cá. Pode é andar disfarçada de lobby, porque o lobby, cá, não está
regulamentado. Que chatice, não é, Dona Cândida? Só uma pergunta: a que horas é
que V. Exa. usou da preciosa palavra? Foi de manhã, ou da parte da tarde?
Depois, Dona Cândida em defesa da sua dama, não podia ser mais explícita: quando o «engenheiro» veio à baila, aí mostrou o que vale. Uma jovenzinha do PSD disse não entender como é que pessoas sobre as quais existem «fortes suspeitas» são investigadas e detidas, ainda que preventivamente, e isso não acontece com o anterior primeiro-ministro, José Sócrates, referindo que Sócrates vive e estuda em Paris, levando «uma vida de grande luxo com o dinheiro dos salários que ganhou em Portugal», e questionou se o ex-primeiro-ministro terá alguma protecção diferente.
Na resposta, Cândida Almeida referiu a incapacidade do Ministério Público para comparar declarações de património e património real. «Vamos instaurar o inquérito por suspeitas de quê?», questionou. «Hoje é este, amanhã é aquele e então é uma caça às bruxas e nós não queremos nenhuma república de juízes. Somos magistrados, devemos cumprimento à lei, as investigações seguem os termos da lei, os termos do processo penal, não há nem pode haver nenhuma república de juízes», afirmou. «Imaginem o que era os magistrados agora dizerem: vou ver a conta daquele e agora vou ver a conta deste. Isso acaba por ser também um perigo maior para a democracia», reforçou.
Digo eu:
pronto! Finalmente. V. Exa., Dona Cândida, explicou-se! Disse, abertamente,
isto: Claro que não podemos investigar o Sócrates, porque depois havia quem
quisesse investigar o Cavaco, e logo outro a querer investigar o Soares, e
outro a querer investigar o Relvas, ou o Jorge Coelho, e ainda outro a
determinar que o Portas também fosse investigado. Bom… era o fim da República.
Caíam todos! Ao dizer isto, V. Exa estava a dizer claramente à rapaziada do PSD
que o melhor é não levantar muitas ondas, porque todos têm telhados de vidro, e
ela, melhor do que ninguém, sabe disso. Assim como quem diz: Vejam lá se não vão à lã… e vêm de
lá todos tosquiados.
Peço desculpa,
Dona Cândida. Vossa Excelência é mesmo deste planeta e deste país. E sabe bem o
que é a corrupção e quem são os grandes corruptos. Nisso, devido ao cargo que
ocupa, V. Exa é mesmo uma especialista na matéria. Eu é que não sou de cá, nem
do seu planeta, nem do seu país.
E deixe-me que lhe diga: Felizmente, porra!
(João Carlos Pereira)
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