quinta-feira, 4 de outubro de 2012

APRENDER COM AS ERVAS



Ao pé de mim construíram, há anos, um stand de venda de automóveis em segunda mão. Coisa simples. Um lote de terreno, uma vedação alta, o recinto pavimentado a lajeta, um contentor a servir de escritório, e já está.

Com a crise a espreitar, o negócio foi dando durante algum tempo. Com a crise já instalada, o negócio foi-se abaixo. Carros, nem velhos. Hoje, o local foi invadido por um matagal que despontou, imparável, por entre as lajetas que, agora, mal se vêem. Umas hastes frágeis, finíssimas, nascidas de minúsculas sementes asfixiadas e esmagadas, durante anos, pelas toneladas de um pavimento de cimento e areia compactados, sobre o qual, para cúmulo, estiveram outras toneladas de veículos, resistiram a essa força bruta, venceram-na e ali estão a provar a fragilidade da obra humana face à pujança da mãe Natureza.

Significa isto que os humanos – e tudo aquilo que fazem – ofendem as leis naturais? De modo algum. Significa, apenas, que muitas das realizações e condutas dos humanos, por mais gigantescas e impressionantes que sejam, vergar-se-ão sempre face às leis cósmicas que regem tudo o que existe. A explosão invisível e silenciosa da ínfima semente abre caminho aos débeis filamentos que, dela nascendo, vão, através do poderoso betão, procurar o sol, o ar e a água de que irão viver. A delicadeza da folha e da pétala reina, humilde, sobre o peso bruto e árido do cimento.

Também é da natureza humana respirar, buscar sustento, matar a sede, reproduzir-se, proteger-se do que possa pôr em perigo a sua existência – o chamado instinto de sobrevivência – e procurar o equilíbrio entre si e o meio ambiente, coisa a que se convencionou chamar, nos tempos modernos, a procura da felicidade. É ponto assente, por isso, que o Homem está condenado – tal como a planta – a procurar o caminho para a sua parcela de luz solar, para a sua gota de água, para o seu quinhão de ar.

Dos cerca de sete biliões de seres humanos que habitam o planeta, a maioria sufoca e perece sob a sapata em que um ínfimo grupo de outros seres humanos os subterrou. Em Portugal, por exemplo, mais de 9 milhões de pessoas são dominadas – na sua maioria mentalmente condicionadas de forma a considerar a situação como algo normal e, até, respeitável – por rudes lajetas feitas em série nos meandros partidários, a que se resolveu chamar governantes. Por ordem de quem, muito acima deles, se alimenta do sangue humano.

Há quem lhes chame, metaforicamente, vampiros.

Há quem lhes chame, cinicamente, investidores.

Há quem lhes chame, estupidamente, salvadores.

Eu digo que temos muito a aprender com as ervas.