quarta-feira, 27 de junho de 2012

LIGADO À MÁQUINA

Um banqueiro norte-americano, Allen Stanford, foi agora condenado a 110 anos de prisão pelo crime de fraude. O Ministério Público norte-americano tinha pedido a pena máxima de 230 anos por Stanford ter defraudado milhares de investidores em mais de sete mil milhões de dólares.

Este caso é posterior ao do banqueiro Madoff, que em 2008 foi condenado a 150 anos de prisão, por crimes semelhantes. Estas duas fraudes foram descobertas muito depois do caso BPN ter vindo lume – já em 2000 havia rumores do que se passaria no banco da rapaziada do PSD – e os dois banqueiros norte-americanos já foram julgados e condenados.

Em Portugal, ninguém acredita que coisa parecida possa acontecer. O gang de Oliveira e Costa, com ramificações que se estendem por um ilustre bando de beneficiários dos crimes praticados, vai sair de tudo isto como se nada se tivesse passado. E como se uma factura de muitos milhares de milhões de euros não estivesse a ser paga por todos os portugueses. Em Portugal, quanto maior o roubo, maior a impunidade. O povo continua sereno e servil. Carneiro até mais não!

Claro que as Troikas e os FMIs só exigem que os portugueses que não são banqueiros, nem vivem dos rendimentos da especulação financeira, nem têm milhões em off-shores, nem pertencem à SLN – que era a empresa que deveria ter sido nacionalizada juntamente com o BPN, pois se no banco só havia lixo, era na SLN que estava parte dos milhões desviados – paguem a crise com os seus miseráveis ordenados e pensões. Nada de mexer no património da gatunagem. Nem de penhorar os seus bens.

É evidente que, ao mesmo tempo, também não passa pela cabeça da Troika, nem do FMI, nem da União Europeia, como não passa pelas cabecinhas de Passos, Gaspar ou Pereira dos Santos, que se ponha Portugal a produzir aquilo que precisa. Numa altura em que nunca foi preciso produzir tanta coisa, e numa altura em que há tanta gente sem trabalho – e quando a solução só pode ser uma: criar riqueza – ninguém mexe uma palha para recuperarmos a nossa indústria, a nossa agricultura, as nossas pescas, a nossa pecuária e, simultaneamente, começarmos a recuperar a nossa independência.

Não, bom e pachorrento povo português. Isso é que seria um crime gravíssimo de lesa-majestade. Não se pode mexer no lucro aos senhores Investidores. Roubar bancos por dentro, sendo coisa desagradável, principalmente porque se deixou que a bronca estourasse, é, ainda assim, suportável. Na verdade, a populaça paga e nem refila. Alguns, coitados até julgam que não lhes sai do bolso. Mas pôr o país a produzir o que precisa, aí, meus amigos, alto e para o baile. Aí, já se estava a ir ao bolso dos grandes agiotas, o que é impensável. Sabiam que sempre foi por bulir com esses interesses que começaram todas as guerras?

Um ano depois das grandes medidas salvadores do país terem começado a ser aplicadas, alguém se enganou na receita. O doente está pior.

Incompetência? Nem pensar! O objectivo é ter o doente sempre ligado à máquina. Com medo de morrer, ele paga e não bufa.

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 27/06/2012.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

OS BUFÕES E O HOLOCAUSTO


Bufões, ou parlapatões, títeres, palhaços, impostores, charlatães, intrujões, pantomineiros, enfim, sinónimo de bufão é coisa que não falta no dicionário. Qualquer destes termos se aplica aos saltimbancos, truões, funâmbulos e malabaristas que, pelo voto, conseguiram alcançar as rédeas da governação. E tudo isto com o devido respeito pela rapaziada das actividades circenses e afins, trupes de qualquer espécie das artes do espectáculo cómico ou burlesco, que merecem todo o nosso respeito.

Há um ano que os bufões de serviço tomaram conta do palco, à custa de garantirem que nunca fariam o que estão a fazer, e jurando fazer o que ainda não fizeram. Resultado: o país está pior do que há um ano atrás, e todos os dias piora sem que se vejam sinais que apontem para o sentido inverso. Pelo contrário.

Um dos palhaços desta trupe nefanda, de seu nome Borges, veio agora desdizer o que antes disse. Garante que não disse que empobrecer o país é o remédio para o enriquecer. Não se sabe, nesse caso, o que é para ele ser uma emergência baixar os salários, a menos que um país de pobres – de mais pobres e cada vez mais pobres – seja a sua ideia de um país rico. Poderá ser, quando muito, um rico país, mas para ele e para os que, como ele, vivem principescamente à custa, precisamente, da miséria que os seus conceitos económicos, políticos e sociais vão espalhando.

As medidas salvadoras da trupe social-democrata – nome artístico que esconde uma ideologia que de social e de democrata nada tem – limitam-se a seguir um guião velho de séculos, que se destina a colocar milhões de seres humanos ao serviço das elites dominantes: Amos e Senhores lhes chamavam em tempos idos, sendo que hoje preferem ser designados por Investidores. E enquanto, no antanho, se exibiam e ostentavam a sua opulência, hoje preferem ser gente sem rosto, sem pátria e sem morada conhecida.

Assim, Portugal morre um pouco todos os dias. Só em 2011, a população portuguesa sofreu uma redução de 30.317 indivíduos, o que revela uma taxa de crescimento negativa de 0,29 %. A quebra resulta de terem morrido mais 5.986 pessoas do que as que nasceram, e de terem emigrado mais 24.331 pessoas do que as que entraram no país.

Agora – e como se nada disto viesse a provocar, directa ou indirectamente, o agravamento deste silencioso e tranquilo holocausto – voltam a subir a electricidade, o gás e, por arrastamento, todos os bens e serviços que destas energias dependem. Assim, simplesmente: aumenta-se tudo, como se da coisa mais simples e inofensiva se tratasse.

Passos, Gaspar, Borges e todos os bufões de serviço aos Investidores desempenham o seu sinistro papel. E enquanto as vítimas se calarem – e muitas delas até aplaudirem – o holocausto continua.

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 20/06/2012.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

GENTE RASCA

Quando, em 1994, o jornalista Vicente Jorge Silva chamou Geração Rasca aos estudantes que se manifestavam contra as políticas da ministra da Educação, dona Manuela Ferreira Leite, não podia imaginar que 18 anos depois os portugueses iriam pagar, com língua de palmo, o facto de se terem entregues a gente realmente rasca.
Gente que está – ou esteve – na Assembleia da República.
Gente que está – ou esteve – no governo.
Gente que está – ou esteve, ou ainda vai estar – na administração de grandes empresas.

Só a título de exemplo:

- José Sócrates, o Engenheiro (e está tudo dito);
- Armando Vara, o da Face Oculta e dos robalinhos na brasa;
- Jorge Coelho, o diligente camarada da Mota-Engil, também conhecido por Senhor Cinco por Centro, vá lá saber-se porquê;
- Ricardo Rodrigues, o especialista em gamanço de gravadores – e noutras aventuras açorianas;
- Paulo Campos, perito em contratos fantasmas com as PPP;
- Guterres, o que descobriu um pântano chamado Portugal e deu de frosques, refugiando-se na ONU, para resolver os problemas dos refugiados, ele incluído;
- Jorge Sampaio, que entre uma e outra lágrima, sempre compagináveis com os altos desígnios da realidade abrangente, lá foi também para a ONU resolver o problema da tuberculose no mundo, já que em Portugal ela galopou durante a sua presidência;
- Cavaco Silva, o Senhor do Betão, ou o alquimista que transformou milhões de fundos comunitários em legiões de novos-ricos – e, mais recentemente, conhecido pelo não dá uma para a caixa;
- Durão Barroso, o do país de tanga e do vou ali a Bruxelas e espera aí que eu já venho;
- Ferreira do Amaral, o companheiro da Lusoponte, especialista em assaltos nas portagens nas pontes que ligam a Margem Sul a Lisboa – das que há e das futuras, se as houver;
- Oliveira e Costa, superespecialista em bancos familiares, de traça siciliana (arrecada lá estas acções e não digas que vais daqui);
- Duarte Lima, mestre em manipular (e fazer sumir) milhões. Deu em chibo;
- Dias Loureiro, grão-mestre em offshores e empresas sem fundo;
- Vítor Gaspar, perito em défices, lapsos, contas furadas, austeridade e miséria, mas um prestidigitador emérito, que quanto mais aumenta os impostos, mais a receita fiscal desce;
- Álvaro Santos Pereira, doutorado no coiso e nos coisos de nata;
- Miguel Relvas, um caso de Alzheimer selectivo, dado que apenas se manifesta em relação a ex-espiões chamados Silva Carvalho, mas recuperável à medida que é confrontado com os factos;
- Passos Coelho, aquela criatura que não faz ideia do buraco onde o meteram, mas que já está a perceber que isto não é um tacho de luxo numa das empresas do seu criador, o indescritível Ângelo Correia. Ou seja: sendo rasca, está também bastante à rasca, a tal ponto que o amigo Relvas o fez engolir a sua célebre máxima, «quem mente, sai», que agora passou às calendas gregas. (Gregas, salvo seja, e que a Troika e o FMI da senhora Lagarde percebam que é apenas uma expressão idiomática, longe vá o agoiro, te arrenego, Satanás).
- E o pai e a mãe desta gente toda – e da respectiva democracia – agora um enxofrado anti-Troika, ele que foi o primeiro a mendigar ajuda externa e – benzam-no todos os santinhos – aquele que convenceu Sócrates e pedi-la. Um tal Soares, a grande maîtresse desta miserável rasquice.

Mas o que será um povo que se deixa governar por gente desta?

Obviamente que será um povo muito – mas mesmo muito – RASCA!


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 13/06/2012.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

FOLHAS SOLTAS


Tema para as minhas crónicas é coisa que não falta. A dificuldade é escolher um. Outra dificuldade é, estando as coisas como estão, é missão impossível falar de algo mais que não seja das maldades que os governos do mundo – com o nosso em destaque – fazem aos povos a mando dos grandes banqueiros (que são quem manda nisto, e o resto é conversa).

Por isso, enquanto nos tirarem o sangue a esta velocidade, é disso que eu falarei. Porém desta vez, vou fazer desta crónica uma espécie de salada russa – ou caldeirada, se quiserem – aproveitando aquilo que li e ouvi por aí. Vamos a isso:

Christine Lagarde, que é a patroa do FMI, descobriu só agora que há crianças esfomeadas em África e que, portanto, os gregos que estejam caladinhos e tratem mais é de pagar os seus impostos. Mas acontece que esta madame recebe cerca de 440 mil euros por ano… limpinhos de impostos. E acontece, também que quem foge aos impostos na Grécia, como cá, não são os desgraçados dos trabalhadores por conta de outrem, que os pagam à cabeça, mas os bandos ligada à especulação e aos jogos financeiros, especialmente a matulagem que tem o PASOK e a Nova Democracia nas mãos – ou seja, o PS e o PSD lá do sítio – os verdadeiros responsáveis pela crise grega. Madame Lagarde revelou não passar de uma pessoa sem ética e notoriamente pouco inteligente. Ou – por qualquer razão que só ela saberá – um pouco descontrolada.

Na mesma linha desta madame, está o grande social-democrata António Borges, que já serviu no FMI e numa organização igualmente sinistra, o banco Goldman Sachs, cujos tentáculos se estendem por todo o mundo, garroteando as dívidas soberanas da Europa e dos EUA, alimentando-se da crise do subprime, enfim sugando tudo o que pode da riqueza produzida no planeta. Ora, António Borges foi, até 2008, dirigente deste banco, em Londres, e agora dá conselhos ao senhor Passos Coelho, ao que consta, na área das privatizações. E começou logo por achar que os salários dos portugueses devem ser reduzidos «urgentemente». Ele, que ganhou, em 2011, 225 mil euros – ora adivinhem – igualmente livres de impostos.

Curiosamente, o governo do PSD recusa-se a informar quanto está a pagar ao senhor Borges, apesar de ser o povo português a suportar a despesa. E mais: é que a antiga entidade patronal deste cavalheiro – o tal banco Goldman Sachs, como já vimos – é especialista em negócios como aqueles que as privatizações permitem. Ninguém melhor que António Borges para tratar do assunto. Tudo de uma transparência assustadora.

Quem também não está mal na vida, é outro banqueiro, o senhor Jardim Gonçalves, cuja excelente e honorabilíssima gestão ia dando com o BCP de pantanas. Como prémio, o ilustre, competente e honrado gentil-homem recebe uma reforma de 175 mil euros mensais, o que lhe dá para as despesas, coisa que Cavaco Silva, por exemplo, não consegue. Ora, o arcebispo de Braga, Jorge Ortiga, confessou que quase se engasgou quando tomava o pequeno-almoço e leu que o antigo presidente do BCP recebia tal reforma. Jorge Ortiga deve deixar de ler jornais, se quiser viver mais uns anos. Pelo menos, enquanto estiver a comer…

O Tribunal de Contas descobriu que um boy socialista meteu mais de 700 milhões de euros nos bolsos de empresas privadas, no âmbito das famigeradas Parcerias Público Privadas, tendo-o feito através de contratos fantasmas, para fugir ao visto do TC. Como de costume, ninguém vai ser preso. E logo veio o espantoso ministro da Economia dizer que a redução das rendas pagas às PPP deve ser tratada com «muito cuidado».

- Olha, lá, ó Coiso: nunca pensaste em resolver esse assunto com o mesmo cuidado com que o corte nos nossos subsídios e pensões foi tratado? Do género tiro e queda?

Se calhar, não. Deixavas logo de ser ministro, não era?


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 06/06/2012.

segunda-feira, 4 de junho de 2012

A CULPA É DO COISO


O desemprego está a provocar uma "incerteza considerável" sobre a execução da Segurança Social, explicou o ministro Gaspar. Em linguagem de gente, quis ele dizer que se amanhã não houver dinheiro para pagar pensões e outras prestações sociais, a culpa é só do coiso. De mais ninguém – e muito menos dele e das suas medidas de austeridade.

Como sabem, o coiso é o desemprego, isto no linguajar do ministro Álvaro, o dos pastéis. Ora, sendo assim, de quem será a culpa do desemprego? Ah! A culpa do desemprego é do arrefecimento da economia, explica o rapaz que faz as vezes de primeiro-ministro, que também descobriu que o coiso – o desemprego – é mesmo um mundo de grandes oportunidades.

Bom, já estamos a aprender qualquer coisa. Mas de quem é a culpa do arrefecimento da economia? – perguntam os chatos imbecis como eu. A culpa do arrefecimento da economia é da instabilidade política, associada a conjunturas económicas e financeiras desfavoráveis (ou vice-versa, tanto faz, já que uma e outra se revezam no papel de causas e consequências), o que faz os mercados retraírem-se face aos riscos decorrentes dessas mesmas conjunturas, explicam, por sua vez os senhores Camilos Lourenços, aduzindo que é necessário fazer alguns sacrifícios para as coisas se recomporem.

Estou a ver, sim senhor. Mas de quem é a culpa das conjunturas económicas e financeiras desfavoráveis, que derivam – ou que provocam – a instabilidade política (ou vice-versa, obviamente), da quais resulta o arrefecimento da economia, que vai dar no desemprego, que por sua vez provoca o estrangulamento da Segurança Social?

Boa pergunta, sim senhor, dizem os sábios destes assuntos. As conjunturas económicas e financeiras desfavoráveis – a que podemos, daqui para a frente, designar por Crise – resultam de vários factores, sendo o mais determinante, na actual situação, o endividamento excessivo, que desaguou na crise do subprime, nos activos tóxicos e nas chamadas bolhas, a começar pela do imobiliário. Fácil, não é?

Facílimo! Mas de quem é a culpa do endividamento excessivo, da crise do subprime e das tais bolhas? Bem, a culpa disso nasceu da necessidade de endividar as pessoas, para que elas possam comprar o que as fábricas produzem (no, fundo, o que elas, as pessoas, produzem) já que lhes tinham reduzido ao máximo o poder de compra, é, ao mesmo tempo, garantir que os bancos aumentem, através dos juros do crédito, os seus lucros. Ou seja: O endividamento é uma forma do capital financeiro pagar ordenados mais baixos e ainda ganhar dinheiro com os empréstimos que faz para compensar a perda de poder de compra. Mas não convém dizer isto muito alto, está a perceber?

Oh, se estou! Mas isso deu para o torto, não deu? Pois deu. A sangria foi tão grande que as pessoas deixaram de poder pagar os seus empréstimos, reduziram o consumo ao mínimo, as fábricas e as lojas fecharam, começou a engrossar o coiso (perdão: o desemprego), e a economia a arrefecer.

Mau! Está a dizer-me que a culpa do desemprego é do próprio desemprego?

Sim, é isso mesmo. A culpa é sempre do coiso. De mais ninguém.

Fácil, não é? De facto, só um grande imbecil é que não percebe uma coisa tão simples…



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 30/05/2012.

ANEDOTAS E TRAGÉDIAS


Uma anedota: os reformados por invalidez que ainda não tenham atingido o limite de idade para a reforma, podem ser sujeitos a nova junta médica para se avaliar se a incapacidade que determinou a atribuição da pensão ainda se mantém. Excelente ideia! Permita-me o governo que indique já alguns nomes de reformados que me parecem aptos a deixarem de ser pensionistas, dado que aparentam excelentes condições de saúde: Assunção Esteves, presidente da Assembleia da República; Marques Mendes; Campos e Cunha; Santana Lopes. Chega, como amostra? É que a lista é enorme.

Uma tragédia: é uma vergonha nacional – e das grandes – que humilhará qualquer cidadão com dois dedos de testa e uns pozinhos de decência: segundo um relatório da Unicef, Portugal é o quinto país europeu que pior trata as suas crianças. Milhares delas – diz o relatório – vivem em condições precárias e passam fome. Não ouvi o governo tugir ou mugir a propósito disto. Este facto, que deveria ser a primeira das grandes preocupações do governo, foi rapidamente abafado. Não há uma palavra, uma medida, uma lágrima, mesmo que fosse de crocodilo.

Uma anedota: o coiso disse que é preciso ultrapassar o coiso. O coiso é aquele coiso que acha que está nos pastéis de nata a salvação da pátria e coisa e tal. O coiso que é preciso ultrapassar é o coiso… ai, como é que é? Isso! O desemprego. Faz-se assim: o coiso vai atrás do coiso, faz sinal sonoro com a coisa (a buzina), do tipo popó, popó, ou pipi, pipi, acende o pisca para esquerda, olha para o retrovisor, não vem ninguém, guina o volante, acelera o coiso e prontos, já está. Ultrapassado o coiso, fica tudo coisado. Ou seja, acaba-se com o coiso. Cosa-se lá o coiso!
Uma tragédia: se as crianças portuguesas passam mal, os jovens não estão melhor. Cerca de meio milhão à procura de emprego, perdidos num país cujo governo se limita a sugerir-lhes que se vão daqui embora. E eles vão, aos milhares, tornando o país mais velho e sem esperança. Se o desemprego corrói a situação financeira da Segurança Social, os jovens que vão trabalhar para o estrangeiro contribuem, involuntariamente, para o agravar dessa situação. E o governo mudo e quedo, sem ideias, sem medidas. E sem vergonha.
Uma anedota: o Relvas gosta tanto de notícias chatas como o Sócrates. A imprensa livre é uma coisa linda, desde que não se meta connosco. A senhora jornalista quer moer-me o juízo, quer? Olhe que eu boicoto o seu jornal e publico na internet dados da sua vida privada. Mas como é que o Relvas sabe coisas da vida privada da jornalista? Que raio de ministro tão bem informado! Ah, espera aí. Ele não é o fulano a quem o superespião enviava mensagens e e-mails?
Uma tragédia: há alunos do ensino superior que já não conseguem alimentar-se decentemente. «Recordo-me de um caso que me deixou bastante chocado. Uma aluna pediu ajuda e dizia “por favor, ajudem-me, nem que seja com senhas de almoço, porque com tanta coisa para pagar, por vezes a alimentação não fica como uma prioridade”», contou à Renascença Paulo Figueira, presidente da associação académica de Évora.

Disse Dimitris Christoulas, o reformado grego que se suicidou à frente do parlamento do seu país:

«Eu acredito que a juventude sem futuro, brevemente se erguerá, empunhará armas e enforcará todos os traidores nacionais de cabeça para baixo, como os italianos fizeram a Mussolini, em 1945.»

E disse muito bem.


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/05/2012.

SE...


Se os baixos salários, os impostos altos, o trabalho precário e a economia controlada por interesses privados fossem a solução para a crise, a crise nunca teria chegado a Portugal. Mais: Portugal seria o país mais desenvolvido e próspero da Europa.

Se fosse na inovação tecnológica que estivesse o futuro – e a salvação – de Portugal, e estando o país atascado em telemóveis, computadores (sem esquecer os Magalhães), IPODs, IPADs, internet e cliques a torto-e-a-direito, certamente que teria aumentado a produção de carne, cereais, fruta, legumes, aço, leite, sapatos, camisolas, componentes electrónicos, agulhas e alfinetes. E o peixe pescado por nós seria a nossa principal fonte de proteínas. Um enter e nasce a bezerra; dois cliques e cresce o trigo; um copy and paste e apanha-se um cardume.

E seria sempre a aviar.

Se aumentar os impostos correspondesse a arrecadar mais receita fiscal, o Estado estaria rico. Ora, se o Estado, depois de ter aumentado brutalmente os impostos, está a arrecadar menos 5,8% em relação ao que se verificava há um ano, é porque alguém chamado Vítor não percebe nada disto. Ou finge que não percebe.

Se os bancos, que são os principais responsáveis pela dívida externa portuguesa – e não o Estado, como gostam de fazer crer –, já que se financiaram no estrangeiro para, por sua vez, financiarem a compra de casa própria pelos portugueses, se alambazaram ao avaliar as casas e a aplicar os seus vorazes spreads, que resolvam, então, a bolha imobiliária que está a rebentar-lhe nas mãos. Para não sermos todos nós, outra vez, a cobrir os riscos do negócio bancário. Que é privado, como sabemos. Ou privados serão, apenas, os lucros?

Se, após cinco anos numa empresa, um trabalhador português apenas recebe 34% (cerca de um terço) do que um alemão recebe quando perde o emprego, e 46,9% (menos de metade) do que recebe um espanhol, está mesmo a ver-se que só quando a indemnização for zero é que Portugal passará a ser um país desenvolvido e próspero. Calma, que está quase.

Posto isto, recordemos Miguel Torga. Há cinquenta e um anos, afirmou:

É um fenómeno curioso: o país ergue-se indignado, moureja o dia inteiro indignado, come, bebe e diverte-se indignado, mas não passa disto. Falta-lhe o romantismo cívico da agressão. Somos, socialmente, uma sociedade pacífica de revoltados.

Se isto foi dito há mais de 50 anos, em plena ditadura (a tal longa noite fascista, que durou 48 anos), e serve que nem luva nos dias que correm, será que vivemos, há 38 anos, uma longa noite… democrática? E que ainda seremos capazes de aguentar mais dez?

Se não fôssemos tão mansos, o que é que gostaríamos de ser? 


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 16/05/2012.

PATATI, PATATÁ

Nos últimos dias, o rapazito tem-se desunhado a mandar vir. Não se calou. Ou melhor: falou o triplo do que é costume falar, com a atenção reverencial da comunicação social. Aliás, o rapazito só foi esquecido quando os nossos compatriotas Mourinho, Ronaldo, Coentrão e Ricardo Carvalho venceram a liga de futebol da outra parte da Península Ibérica, feito glorioso que a história pátria registará ao lado da descoberta do caminho marítimo para a Índia e da batalha de Aljubarrota. Quatro portugueses, coadjuvados por alguns espanhóis, brasileiros, argentinos, franceses e sei lá que mais, cometeram a notável proeza de se sagrarem campeões, amouxando o Barcelona de Messi e Guardiola, toma lá que é para saberes quanto custa não teres portugueses no elenco. A façanha teve honras de abertura de telejornais, primeiras páginas da imprensa escrita e falada, entradas em directo da Praça de Cibeles, onde os referidos portugueses pareciam césares a entrar em Roma após mais uma vitória sobre os bárbaros. A pátria honraram? Pois a pátria, embevecida, nestes directos de Madrid, vos contempla! O resto, é nada, como diria o poeta!

Perante tamanho feito – que leva a sermos, obrigatoriamente, todos nós adeptos do Real e, consequentemente, campeões de Espanha (para além da perna do Ronaldo ser mais bela que a do Messi, um enfezadito que não tem fama de papar gajas às paletes, ou de estoirar Ferraris sempre que lhe apetece) – ficaram para segundo lugar um milhão e tal de desempregados, dois milhões de portugueses com larica, o aumento das listas de espera para operações, as rendas das Parcerias Público-Privadas, a corrupção...

Corrupção!? Qual corrupção!?

A propósito de PPP: só a Brisa, dos Mellos, pede ao Estado 1,1 mil milhões de indemnização por atraso da entrada em serviço do lote 4 da concessão da Costa da Prata, introdução de portagens nessa via rápida e coisas relacionadas com a construção.

Está bem, pronto, os Mellos eram, nos tempos do Salazar e do Tomás, donos da CUF, de um banco e mais umas coisitas, como a Tabaqueira, companhias de navegação e tal e coiso, mas as estradas ainda eram nossas, do Estado. Agora são donos de muito mais, os tempos são outros, é a modernidade, a globalização, a inovação, sabem como é, o Estado patati-patatá, quando tivermos tempo vamos ver isso das rendas das PPP.

Pois. Mas até na Saúde os Mellos nos levam os olhos da cara, disto não fala o zapazito, que já mandou na JSD, manda agora no país inteiro (manda, é como quem diz: alguém o manda mandar assim), então, lá vai patati, patatá, o desemprego tira-me o sono, não durmo desde que tomei posse, por isso preparem-se para mais desemprego, porque para acabar com o desemprego vai ser preciso desempregar ainda muito mais. Patati, patatá.

Ah, pois, isto com salários baixos também é uma chatice, é preciso aumentá-los, mas para que se possa aumentar os salários é preciso baixá-los primeiro, não sei se estão a seguir o raciocínio do rapazito que não dorme há uma data de tempo.

Patati, patatá. 


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 09/05/2012.

UM ENORME ZERO


Diga o Gaspar o que disser, a despesa do Estado está a subir e a receita a diminuir a olhos vistos. Como se vê, as grandes medidas de salvação nacional estão a dar os resultados pretendidos. Todos os dias pioramos, daí que, todos os dias, o governo tenha argumentos para impor mais sacrifícios. Digam-me lá se estas cabecinhas pensadoras não percebem da poda. Claro que nem tudo é cientificamente programado e executado, daí que escapem certas coisas a alguns aprendizes de feiticeiros, como ao superdotado e infalível Gaspar e ao seu comparsa, Passos, que, por serem mais papistas que a Troika, acabam por turrar na própria sofreguidão.

De facto, a queda do PIB previsto para este ano é já o dobro da anunciada aquando da assinatura do pacto – e as projecções dizem que a coisa vai piorar.  Tal como o impagável ministro Pinho tinha decretado, aqui há anos, o fim da crise, ainda antes de ela ter chegado, também Gaspar e Passos falam de uma retoma que, para mal dos nossos pecados, é desmentida, mês após mês, pela situação do país e por uma economia em queda livre.

Assim, três meses após a aprovação do OGE, já foi apresentado na AR um orçamento rectificativo, o qual, por sua vez, assenta em pressupostos já totalmente ultrapassados, o que o Boletim da Primavera emitido pelo Banco de Portugal claramente confirma. O rapaz das finanças, com o seu discurso lúgubre, e o rapaz de Massamá, com o seu discurso completamente desfocado da vida – cujas agruras ele só sabe de ouvir contar – lá vão encabeçando, entre mentiras e fantasias, o cortejo fúnebre que nos levará do caixão à cova.

O que está em grande, próspero, robusto e à prova de bala, é o processo de transferência do nosso dinheiro para os bolsos dos grandes empresários. Quase 14 mil milhões de euros foram adjudicados por entidades públicas, por ajuste directo, nos últimos 4 anos. É um valor impressionante, que ultrapassa em muito os valores das obras ou fornecimentos adjudicados através de concurso.

As empresas públicas, geridas por boys do PS e do PSD (Refer, Estradas de Portugal e EDP-Distribuição, tendo à cabeça a Parque Escolar) realizaram mais de 1.200 adjudicações, num total de 1.800 milhões de euros, através deste método expedito de delapidação das finanças públicas. O que fez o governo para estancar esta hemorragia? Zero! O que fez o governo para eliminar as centenas e centenas de Institutos e Fundações onde parasitam milhares de amigos, parentes e produtos derivados? Zero! O que fez o governo para acabar com as famigeradas Parcerias Público-Privadas? Zero!

Ou melhor: o que fez o governo para salvar o país, para além de o estar a transformar num campo de esfomeados?

ZERO!  


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 02/05/2012.