quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

COELHO ESCONDIDO COM TUDO DE FORA


A fome alastra na Grécia, onde já se registaram casos de crianças que desmaiam durante as aulas, em consequência de carências alimentares. Afecta ao poder, a maioria da comunicação social silenciou – ou desvalorizou – esta situação, porque o que interessa é que a austeridade não provoque mais indignação e leve o povo a levantar-se contra os governantes e o poder económico – os investidores, ou os mercados, ou os especuladores, ou os agiotas – pois são eles os pais da crise. Não importa o que as crianças sofrem, seja na Grécia, seja na Serra Leoa, seja em Portugal, desde que os senhores investidores possam ver bem remunerados os empréstimos que nos fazem com o dinheiro que acumularam à custa do nosso trabalho. Com o dinheiro que nos roubaram.

Por cá, entusiasmado com a mansidão do bom povo português, sempre à espera que a senhora de Fátima (ou D. Sebastião) faça o milagre de salvar o país, o garotelho que o PSD pôs à experiência em S. Bento já veio dizer que daqui a 20 anos as pensões de reforma estarão reduzidas a metade. Acrescenta o salafrário que o melhor é os portugueses começarem a poupar, constituindo reservas em instituições públicas ou privadas, de maneira a que as suas pensões sejam menos miseráveis do que ele, em tom de ameaça, já vaticina. Para além de confessar o fracasso do sistema económico e financeiro em que vivemos, o mariola – qual coelho escondido com tudo de fora – vai, sub-repticiamente, empurrando a maralha para subscrever produtos financeiros dos bancos e das seguradoras, que por acaso – e só por mero acaso – estão nas mãos dos senhores capitalistas, os tais que ajudaram à festa e que, assim, alargarão a sua manjedoura. E que, depois, darão emprego, com boas reformas no fim, aos tratantes dos governantes e deputados que lhes animarem o negócio.




Poupar? Mas poupar o quê? E como? Não saberá o biltre que ele tem, acolitado pelo carniceiro Gaspar, rapado os últimos cêntimos dos bolsos dos portugueses, e que todos os dias promete mais e melhor rapinanço?

Alguém disse, há dias, esta coisa muito certa: «Esta é uma crise do capitalismo e foi criada pela sobre-exploração da força de trabalho, com os imensos lucros do grande capital e a sua acumulação. O capitalismo é um sistema que está podre e obsoleto. Não pode ser corrigido. Enquanto o capitalismo existir, trará sempre consigo desemprego, fome, guerra, exploração brutal para as classes trabalhadoras e a população em geral».

Parece claro que – e as palavras do rapazola não deixam margem para dúvidas – com os facínoras que há trinta e cinco anos nos governam, só nos resta ver os nossos filhos a cair de fome.

Por muito menos a Maria da Fonte veio para a rua de pistolas nas mãos. E nós? Estamos à espera de quê?



(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 28/12/2011.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O ESCRITÓRIO DE BRUXELAS

A taxa de desemprego oficial (que é muito inferior à real) subiu para mais de 12%. Por dia, quase duas dezenas de empresas declaram falência, ou limitam-se a fechar as portas. Nos últimos meses, cerca de cinco mil casas foram entregues aos bancos, por incapacidade de cumprimento das famílias e construtores. O crédito malparado não pára de subir, atingindo níveis nunca antes registados. Só nos últimos três meses, subiu 14%. O investimento é inexistente. A escassos dias do Natal, as lojas estão às moscas e nem as grandes promoções salvam as vendas. Se há um ano havia mais de dois milhões de portugueses a passar mal, o número agrava-se todos os dias, com milhares de novos pobres a aumentar o cortejo de miséria que percorre o país de alto a baixo.

Contudo, em Bruxelas, a Comissão Europeia acha pouco e diz que o governo português deve ter «perseverança e determinação para superar os fortes interesses instalados que estão no caminho das reformas». Bruxelas exige ao País que avance «rapidamente» com reformas para reduzir os custos do trabalho e aumentar a flexibilidade laboral. Em linguagem de gente, dizem que é necessário ganhar menos e trabalhar mais, a qualquer dia, a qualquer hora. Sempre ao dispor do seu amo, tal como no tempo da escravatura.




Não saberá Bruxelas que, em Portugal, se praticam já os salários mais baixos da Europa ocidental? Sabe, mas acha pouco.

Não saberá Bruxelas que o que arruinou o país foram as políticas de destruição do aparelho produtivo português, por si impostas, as famigeradas parcerias público-privadas, com juros aterradores, ou os custos monumentais da energia, para que os contratos com as renováveis gerem milhões que vão direitinhos para bolsos privados, mas pagos pelos consumidores com língua de palmo? Sabe, mas é disso que ela gosta.

Não saberá Bruxelas que um banco onde o estado investiu milhares de milhões de euros, para tapar os roubos de banqueiros e dos seus homens de mão, foi vendido – melhor dizendo: foi oferecido – por 40 milhões de euros, não se sabendo quanto mais ainda o Estado – todos nós – vai ter que ali enterrar? Sabe, mas aplaude.

Não saberá Bruxelas o que se passa com os investimentos especulativos através do crédito bancário, a que as negociatas obscenas da Bolsa deram sumiço? Sabe, mas os Mercados são assim mesmo. Não saberá Bruxelas que o país está a saque há muitos anos, acumulando-se fortunas à custa da especulação e dos cofres do Estado, enquanto o aparelho produtivo definhava e a maioria da população era esvaída sem dó nem piedade? Sabe, mas a Europa rica tem excedentes que a Europa pobre deve comprar.

Bruxelas sabe isso tudo, porque Bruxelas é o grande escritório Europeu dos interesses do capital financeiro.

E a Europa dos Povos?

Ah, essa! Daqui a duzentos anos pensamos nisso.




(João Carlos Pereira)



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 21/12/2011.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

DÁ CÁ O MEU!

Segundo o semanário Expresso, foi proposto à Assembleia Municipal de Cascais, de maioria PSD, que o cabaz de Natal e o bolo-rei que a autarquia costuma oferecer, nesta altura, aos senhores e senhoras deputados municipais, fossem distribuídos por famílias carenciadas. Não estranho que os dinheiros públicos possam ser utilizados desta forma, como se eleitos municipais, para além dos seus ordenados e das roliças senhas de presença, ainda tivessem direito a miminhos pelo Natal, pagos pelo Zé, e logo num ano em que o Natal vai ser, para milhões de compatriotas nossos, um tempo frio e amargo. E não estranho, porque é sabido que neste miserável e pestilento país os detentores de cargos políticos têm por hábito encher a pança à conta do pagode, seja qual for o pretexto. O amanhanço faz parte do cargo, é o venha a nós enquanto há, nem que seja um mísero cabaz de Natal e um bolo-rei, ainda por cima sem fava e sem brinde, que a UE, sempre preocupada com a nossa saúde, não quer que morramos engasgados. À míngua, pode ser; asfixiados, jamais!

Pensava eu que a proposta seria aprovada por unanimidade e aclamação, nem que fosse para inglês ver. Julgava, mas enganei-me. A votação deu uns interessantes 16-16, competindo ao senhor presidente desempatar. E o senhor presidente, eleito pelo CDS/PP, dentro do espírito cristão que caracteriza os centristas, lá desempatou a coisa. Mantenha-se a esmola aos senhores deputados, que devido aos cortes no subsídio de Natal podem ter algumas dificuldades este mês. E depois, que diferença fariam trinta e tal cabazes de Natal no meio da tanta fome que por aí vai? Para além disso, essa gente, a que chamamos carenciada, não pode ser mal habituada. Na volta ainda vinham, daqui a um ano, exigir, como direito adquirido, um cabaz de Natal para toda a gente que passa mal – e para toda a vida. Então, mais de trinta cabazes de Natal e bolos-rei, pagos com o dinheiro dos munícipes, vão aconchegar a mesa dos senhores deputados municipais de Cascais, pelo menos daqueles que votaram a favor da manutenção de obscena regalia.

Este episódio retrata bem o carácter de grande parte da nossa classe política. Para a maioria, os cargos são, antes de mais, um por aqui me sirvo despudorado. Deitam a mão a tudo o que podem, tudo serve de pretexto para regalar a pança e satisfazer a gula. E a sofreguidão é de tal ordem, que nem se dão ao trabalho de disfarçar. Ou de pensar duas vezes.

Boçais, tacanhos, ávidos e devassos, arregalam os olhos e salivam o verdume da ganância, mal lhes passa à frente a hipótese de um ganho. Se não são capazes de se conter com um cabaz de Natal e um bolo-rei, veja-se lá do que estas alimárias não são capazes.

O país a saque? Que ideia! É só assim uma espécie de Ó Abreu, dá cá o meu!

E o povo que se lixe!





(João Carlos Pereira)



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 14/12/2011.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A GREVE, OS CÍNICOS E OS ASNOS

Andam por aí alguns cavalheiros a carpir a sua indignação pelos prejuízos que a Greve Geral terá causado ao país. Não os ouvi carpir quando um binómio tenebroso, constituído pela alta finança e o poder político, vendeu ao desbarato a nossa capacidade produtiva e endividou o país até aos cabelos. Caladinhos que nem ratos, viram as empresas estratégicas nacionais e os sectores básicos da nossa economia serem – e, se deixarmos, o que resta também será – saborosas pechinchas para a voracidade do capital financeiro. Mas da greve argumentaram que é apenas uma face da luta partidária, não passando, em suma, de atentado ilegítimo ao interesse nacional.

Por mero acaso – e só por mero acaso – são os mesmos cavalheiros que achavam que as greves promovidas pelo senhor Walesa, na Polónia, eram o último grito do poder sindical. Por mero acaso – e só por mero acaso – são os mesmos cavalheiros que acham que todo o património é intocável – sagrado, até – com uma só excepção: o património que resulta da venda do trabalho, ou seja, os ordenados e as pensões. Por mero acaso – e só por mero acaso – são os mesmos cavalheiros que acham legítimo um empresário fechar a sua empresa e ir reabri-la no estrangeiro, ou fazer dos offshores um delicioso refúgio da riqueza conseguida à custa de quem trabalha ou da mais nauseabunda especulação. Não, nada disso incomoda os grandes patriotas. Só as greves.

Não os incomoda que as políticas de austeridade, impostas por estrangeiros, provoquem um estado de recessão crónica, com a economia a contrair, segundo a OCDE, 3,2% em 2012, ano em que o desemprego atingirá novos máximos, acrescentando aos actuais mais 75 mil novos desempregados.

Não incomoda estes cínicos – ou asnos chapados – que a par da perda do poder de compra, seja pelo aumentos dos preços, seja pelo roubo de parte das remunerações e da quebra dos direitos básicos dos portugueses – como o acesso à Saúde, à Educação, ao Trabalho e à Cultura – se pretenda transformar cada trabalhador num mero instrumento do interesse empresarial, aumentando-lhe a carga horária e colocando-o numa quase permanente disponibilidade face ao seu empregador, como se em vez de um ser humano não passasse de um escravo «democrático», algo que nem um tipo nascido em Santa Comba Dão, e que aperreou o país por mais de quatro décadas, foi capaz sequer de imaginar.

Um por cento da população portuguesa dá-se bem com este estado de coisas – e até acha pouco. Compreende-se. São os eternos vampiros insaciáveis, cínicos que gostariam que as vítimas se deixassem sangrar sem um queixume.

O que não se compreende é que entre os 99% de vítimas existam tantos asnos.



(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 07/12/2011.