quarta-feira, 31 de agosto de 2011

AS POTÊNCIAS OCIDENTAIS – E O NOJO DE UM OCIDENTAL

Ao fim de seis meses de bombardeamentos selvagens e de raids diários contra alvos civis, os bandos de imundos mercenários, armados e sustentados pelas potências ocidentais, sob a bandeira da NATO, tomaram Tripoli. Pagos – repito – pelas potências ocidentais (o que significa, note-se bem: por todos nós), esses bandos, apelidados de «rebeldes», cujo principal trabalho foi saltar e uivar, debitar alarvidades num inglês melhor que o de Sócrates e disparar a torto e a direito contra inimigos que jamais alguém viu, sempre que lhes aparecia pela frente uma câmara de televisão das – claro – potências ocidentais, podem agora dedicar-se ao saque e à pilhagem mais desenfreada, no intervalo das execuções de todos os que não se verguem à sua bestialidade. Não alinhar com o invasor – ou seja: as potências ocidentais que os bombardearam – é pena de morte garantida.
A Líbia está, então, reduzida a um monte de escombros, resultante de meio ano de bombardeamentos indiscriminados, levados a cabo através de mais de 8.000 raids de caças-bombardeiros e helicópteros artilhados, pertença das humaníssimas e democratíssimas potências ocidentais, enquanto, no terreno, infestado de agentes da CIA e do MI6 britânico, a jagunçada tinha nas mãos o mais inconcebível material bélico que alguma vez alguma organização rebelde, em qualquer época, e em qualquer parte do mundo, conseguiu deter.
No meio disto tudo, não sei o que me enoja mais. Se a brutalidade de uma guerra não declarada, de cariz colonial, mas de contornos, nos argumentos e na selvajaria, tipicamente nazis – outra vez o espaço vital, os interesses vitais, os poços de petróleo, as reservas monetárias e financeiras depositados em bancos das potências ocidentais, que, no meio da crise que as avassala, caem agora que nem ginjas, e os grandes negócios da reconstrução da Líbia –, se o cinismo dos argumentos utilizados para justificar uma guerra de pura e infame pilhagem: «Salvar vidas».
Não era tão feio assumir: Queremos a Líbia, como quisemos o Iraque, como havemos de querer o Irão. Como queremos o mundo inteiro sob a nossa pata!

Dêem-me um tiro. Prendam-me sob as acusações que quiserem – a de terrorista, se assim o entenderem. Mas deixem-me dizer-vos isto:

Vocês enojam-me!





(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 31/08/2011.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

MARIA ANTONIETA TAMBÉM ERA



Conta-se que alguém informou sua majestade, Maria Antonieta, rainha de França, que o povo já não tinha pão para comer, ao que ela respondeu: Não têm pão? Comam brioches.

Há muito que se diz que daqui a uns anos não há dinheiro para pagar reformas. Não percebo muito bem o que é que os democratas do PS, PSD e CDS andaram a fazer, pois antes de eles tomarem conta cá da lixeira, nunca a questão se tinha posto. Não só as reformas estavam mais do que garantidas, como eram aumentadas todos os anos. Há quem diga que o objectivo é obrigar os contribuintes a comprarem seguros a empresas privadas, o que não quer dizer que deixem de descontar. Claro que, depois, essas empresas – bancos, seguradoras e outras entidades financeiras – quando os senhores governantes acabaram o seu turno à sangria do Zé, têm lugar assegurado nas respectivas administrações ou a nível de direcção. E os seus familiares mais directos.

Quem parece que vai descontar menos, são os patrões. Fala-se na redução da sua contribuição para a segurança social, o que seria compensado com o aumento do IVA. Ou seja: eu continuo a descontar o que já desconto, o patrão passa a descontar menos, mas a coisa resolve-se, porque eu passo a pagar mais caro tudo aquilo que preciso de comprar. Belo negócio!

Quem já fez contas, diz que é o sector financeiro – bancos e naturalmente, as seguradoras – que mais vai beneficiar desta belíssima falcatrua legal. Pois quem havia de ser? O mais engraçado, é que eles dizem que isto é para aumentar a competitividade, o que levaria ao aumento das exportações. O que é que os bancos exportam? Notas? Talões de depósito? Falcatruas? E as seguradoras? Apólices? Participações de sinistro? Falcatruas? Ao que isto vai levar, sei eu bem: é ao aumento daquilo que o grande patronato mete ao bolso: lucros. E, também, ao aumento do desemprego, pois se o IVA aumenta, eu que já só gasto no essencial, depois ainda vou cortar mais nas despesas. Se eu compro menos, vende-se menos, produz-se menos, e lá volta a coisa a agravar-se, com mais falências, menos receita fiscal e mais encargos sociais com os desempregados. E mais criminalidade.

Até que a malta, desvairada, venha para a rua partir montras e pilhar estabelecimentos. Mas aí já serão os criminosos a fazer das suas. Os madraços, os parasitas sociais e gente dessa.

As políticas – e os políticos –, por muito que matem e triturem aqueles que não têm culpa alguma nas crises, esses, nunca são criminosas.

Os senhores políticos, os senhores banqueiros, os senhores administradores, enfim, os senhores alcaides, barões, condes, marqueses, duques e reizinhos dos tempos que correm, são sempre pessoas de bem.

Maria Antonieta também era.




(João Carlos Pereira)



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 24/08/2011.


quarta-feira, 17 de agosto de 2011

NÃO SE PODE NACIONALIZAR OS “INVESTIDORES”?



Esta crónica é da responsabilidade de todos os meus contactos – e são mais de cem. Enviei o seu esboço para todos eles e pedi-lhes que a corrigissem no que entendessem. Só recebi aplausos. Nenhuma crítica contrária, nenhuma correcção, nenhuma dúvida, sequer. Ela é, por isso, uma homenagem a todos os meus amigos.

O planeta onde vivemos está dividido em países. Que eu saiba, não há nenhuma parte do mundo – isto é; não há nenhum território – que não pertença a um estado (deixemos o Vaticano em paz, apesar de também ser um estado). Também que eu saiba, todos os estados têm um governo. É igualmente verdade que o trabalho realizado em cada país produz riqueza. Sem querer imitar o senhor Jacques de la Palisse, sou forçado a dizer que, se tudo o que disse antes é verdade, toda a riqueza produzida no planeta resulta do trabalho (manual e intelectual) realizado em cada um desses estados, contando com as riquezas naturais, como a água (atenção aos sedentos, que querem a água toda para eles, para depois a venderem ao preço que quiserem).

Também me parece óbvio que cada governo deve gerir a riqueza produzida – principalmente as riquezas naturais – no seu país e promover as condições necessárias a que o trabalho seja orientado para a criação de cada vez mais riqueza. Outra verdade indiscutível, diz-nos que todos os governos cobram impostos. Ora, se os governos tiverem uma política fiscal justa e equilibrada, conseguem receitas suficientes para gastar na resolução de problemas existentes nos seus países e na promoção do respectivo desenvolvimento.

Se até aqui tudo está certo, TODA a riqueza do mundo (traduzida em bens ou moeda) estaria, obviamente, nas mãos dos estados, para investimento, ou aplicada em cada país, através de equipamentos e serviços e, logo que os mesmos sejam suficientes, divididos pela população, também segundo critérios de equidade.

Então, porque é que os estados estão a ficar tesos (e até a maior economia do mundo, como eles dizem, não consegue pagar o que deve) e têm que pedir dinheiro emprestado a…

Esta agora! A quem?

Das duas, uma:

1 – ou a extraterrestres;

2 – ou a pessoas que, dentro dos estados, andam a arrebanhar a riqueza produzida por quem trabalha – porque sem trabalho não há riqueza -, levando os países à penúria e, consequentemente, à necessidade de lhes ir pedir dinheiro emprestado;

3 - então, se assim é, em que país – ou países – vivem? Que impostos pagam? Qual a actividade que desenvolvem (que riqueza criam), para terem acumulado assim tanto dinheiro? Para terem tanto sucesso, devem ser pessoas conhecidas, tal como as suas firmas e os seus negócios. Ou não?

Como eu não acredito em extraterrestres, nem essas pessoas vivem num país só delas, há alguns governos que andam, há muito tempo, a desviar dinheiro – que é nosso – para o bolso de quem não mexe uma palha. Ou seja. A entregar o ouro ao bandido – aos senhores investidores.

Resumindo:

1 – As classes laboriosas, que são quem produz a riqueza, vivem à míngua – e grande parte nem isso;

2 – Os governos, que cobram os impostos que querem e determinam as políticas produtivas e o investimento, estão todos tesos, derreteram o dinheiro, criaram défices monstruosos e andam por aí de mão estendida;

3 – Mas umas pessoas, que jamais alguém as viu trabalhar, têm tanta riqueza acumulada que podem emprestar dinheiro aos estados, determinar as taxas de juros e ditar leis, apesar de não serem eleitos para isso.

De onde lhes veio a riqueza? Alguém sabe?

A propósito: se foi possível nacionalizar o BPN, não se pode nacionalizar os «investidores»? Ou, se não for possível, encostá-los à parede?



(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 17/08/2011.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

SIGA O BAILE

Tenho notado que, para algumas pessoas que eu conheço, aquilo que era péssimo no tempo de Sócrates, agora passou a ser bom. Ou tolerável. E nem estou a falar das políticas, porque aí já não espero outra coisa. Sempre que se trate de tirar ao pobre para dar ao rico – ou, na melhor das hipóteses, de tirar ao pobre para não tirar ao rico – «socialistas» e «social-democratas» estão sempre de acordo, como se vê. A política, em Portugal, é mesmo assim: os actos não são avaliados por aquilo que são, mas por quem os pratica. Faz-me lembrar aquela piada, que fala do pai que está no baile a tomar conta da filha e, no meio da dança, ela grita: ai, paizinho, que me apalparam o rabo! E ele berra: Alto e pára o baile. Quem foi o f.d.p. que apalpou o rabo à minha filha? E diz um primo da moça: fui eu, meu tio. E volta a gritar o pai: então que siga o baile, que o moço é da família!

Das políticas, portanto, não falarei hoje. Vou antes falar dos comilões moralistas. Há dias, soube-se que a presidente da Assembleia da República atribuiu a Mota Amaral, na qualidade de ex-presidente do Parlamento, um gabinete, uma secretária, um BMW 320 e um motorista.

Denunciei isto, dizendo que não há nada como ser ex, desde que não seja ex-trabalhador, isto é: reformado. Salvo, é claro, se for reformado da administração da Caixa Geral de Depósitos, com 18 mil euros mensais, ao fim de 18 meses de grande labor, como o subtil Mira Amaral, que manda os outros apertar o cinto. E outros reformados do mesmo género.

Assim é que é. A aristocracia política deste país, seja ela cor-de-rosa ou laranja, cuida dos seus. É bonito, é comovente. Tá bem, a gente paga. Já estamos habituados, não é? Um amigo meu, que se não é da área do PSD, parece, respondeu-me que seria grave se a mordomia tivesse sido recusada a outros ex-presidentes do Parlamento, que não vê na coisa um aumento de despesismo e que não sabe se a medida foi aprovada por todos os partidos. Isto é: um homem que se dispôs, voluntariamente, a ser deputado, e que chega a presidente do Parlamento, quando acaba as suas funções precisa de carro, motorista, gabinete e secretária, para quê? Cumprida a sua missão, volta para a sua vidinha, e já vai bem aviado com a sua bela reforma e outras alcavalas. Ou não? E a coisa é boa, ou má, consoante tenha sido aprovada por um, por alguns ou por todos? Para mim, é sempre má. Mordomia, cheira-me sempre mal. E afirmar que estas mordomias não têm custos? Só se é agora, por via de algum milagre à espera de confirmação pontifícia.

Entretanto, ficámos a saber que há pessoas que são autênticos génios. Pelas suas capacidades e competências, e pela sua aptidão para dilatar o tempo. Repare-se no super-homem António Nogueira Leite, que vai ser vice-presidente executivo da Caixa Geral de Depósitos e ganhar mais de 20 mil euros por mês.

Este senhor, que foi conselheiro de Pedro Passos Coelho (quem diria?), vai assumir funções executivas, ocupando o lugar de número dois do próximo presidente executivo do banco público, já é:

Administrador executivo da SEC, administrador executivo da José de Mello Saúde, administrador executivo da EFACEC Capital, administrador executivo da Comitur Imobiliária, administrador (não executivo) da Reditus, administrador (não executivo) da Brisa, administrador (não executivo) da EDP Renováveis, administrador (não executivo) da Quimigal, presidente do Conselho Geral da OPEX, membro do Conselho Nacional da CMVM, vice-presidente do Conselho Consultivo do Banif Investment Bank, membro do Conselho Consultivo da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento das Comunicações e vogal da Direcção do IPRI. É membro do Conselho Nacional do PSD desde 2010.

Gente desta é que o país precisa. Capaz de desempenhar tantos cargos, sendo que só um deles lhe ocupará mais de oito horas diárias. Para além disto, este senhor é um dos que vai rotineiramente à televisão explicar aos portugueses a necessidade de sacrifícios e de redução de salários.

Mas há mais: O ex-vice presidente do PSD José Pedro Aguiar-Branco é outro dos "campeões" dos cargos nas cotadas nacionais. O advogado é presidente da mesa da Semapa (que não divulga o salário do advogado), da Portucel e da Impresa, entre vários outros cargos. Por duas AG em 2009, Aguiar-Branco recebeu 8.080 euros, ou seja, 4.040 por reunião. E, claro, também vai frequentemente à televisão explicar aos portugueses a necessidade de sacrifícios e de redução de salários. E agora é Ministro da Defesa.

Mas para muita gente que eu conheço, denúncias destas só eram excelentes quando era o bando cor-de-rosa o alvejado. Para eles, o que é censurável é o Zé, que ganha o salário mínimo, meter baixa para ir desenrascar umas massas extras num biscate. Ou um reformado de quase setenta anos, ser obrigado, devido à erosão da sua reforma, a procurar trabalho. Isso, é imoral.

Quantos aos Miras, aos Nogueiras Leites e aos Aguiares-Brancos, esses, meus amigos, claro que não precisam de meter baixa.

Haja vergonha, tá?





(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/08/2011.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

MAS QUE CHATICE!

Nem pensaram duas vezes. Uma bomba, duas bombas, mesmo no coração da capital da Noruega. Mais uma acção terrorista da Al Qaeda! Algum tempo depois, a acção terrorista estende-se a uma ilha onde estavam centenas de jovens. Várias dezenas morrem, vítimas dos terroristas. Mas onde é que estão os terroristas? Alguém viu por aí alguém de pele escura, bigode negro e ar de fanático? Nem um!

Afinal, o «terrorista» é branco, louro e de olhos claros. E não é da Al Qaeda. É cristão, civilizado e andou por partidos da extrema-direita. É xenófobo confesso e outras coisas igualmente civilizadas. Mas que grande chatice!




E, de repente, os atentados na Noruega deixaram de ser acções terroristas, e passaram a ser atentados da extrema-direita. Um dia depois, embora envergonhadamente – e muito de raspão – os atentados voltaram e merecer o epíteto de terroristas. Mas não é bem aquele terrorismo verdadeiramente terrorista, não sei se me estão a perceber.

Então, está bem. Quando as mortes são provocadas por gente de pele clara e de olhos azuis, a coisa já não é assim tão grave. Pelo menos, de terror tem apenas uns pós. Os árabes, a quem os brancos civilizados e judaico-cristãos se fartam de roubar – água, terra, casas, petróleo, vida, liberdade, direitos humanos, futuro e Vida – é que são terroristas se responderem com as armas que têm, que muitas vezes são constituídas pelo próprio corpo.

Uma horas antes dos atentados de Oslo, na Líbia, terra de gente escura, sete explosões fizeram-se ouvir durante a noite (que linda maneira de dizer bombardeamentos!), em zona residencial onde era suposto estar Kadaffi. Aqui, não há terror nenhum. Quando as explosões não são provocadas por um carro armadilhado, ou por explosivos amarrados à cintura, mas por sofisticados aviões da NATO, tudo é perfeitamente legítimo e, principalmente, democrático. E o sangue, ossos e carne espalhados em virtude das explosões, são, apenas «efeitos especiais» - perdão: efeitos colaterais. Aconteceu, paciência. Vítimas? Se houve, eram todas escuras…

Por outras palavras: As bombas brancas, são coisas boas e necessárias; as bombas escuras, são coisas terríveis. O sangue dos brancos, é mesmo sangue; o sangue dos escuros, é um líquido avermelhado e viscoso. Os brancos, podem sempre bombardear os escuros; os escuros são terroristas, se bombardearem os brancos E, principalmente: os brancos podem sempre ir à terra dos escuros buscar as coisas engraçadas que eles têm lá. Chama-se a isso desenvolvimento, progresso e, muitas vezes, ajuda humanitária.

Eu gosto muito de ser branquinho. Isto é: de pertencer a uma sociedade civilizada, cristã, democrática, honradíssima e respeitadora dos direitos humanos.

Não temos culpa é de sermos humanos de primeira qualidade, não é verdade?




(João Carlos Pereira)



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 03/08/2011.