quarta-feira, 28 de março de 2012

OS SENHORES MORGADOS


Em 2011, mais de 150 mil portugueses foram obrigados a mandar o país às malvas e abalaram para o estrangeiro a tratar da vida. Desde 2007, meio milhão já fugiu daqui, números que só têm paralelo na pior época do salazarismo. Este país não está para quem trabalha. Só para quem dirige: os senhores morgados.

Este fim-de-semana, por exemplo, os senhores morgados do PSD reuniram-se em congresso (o congresso é uma coisa que serve para ser transmitida pela televisão e ter-se, assim, publicidade gratuita) e um deles – o morgado-mor – garantiu que os sacrifícios vão continuar a «sair-nos do lombo». Depois disto, o congresso podia encerrar, estava tudo dito, mas era preciso salvar as aparências e a coisa lá seguiu os seus trâmites, ou seja, a liturgia que dá àquilo tudo o ar de coisa importante e imprescindível.

Sair-nos do lombo, salvo seja, que (aos morgados) do lombo não lhes sai nada, por isso – e para isso – é que eles são morgados. Sai do meu, por exemplo, que trabalho desde os 19 anos, nunca andei a mamar à conta de nenhum aparelho partidário, não me formei à pressão aos 40 anos, nem ganhei a vida a dar lustro a cadeirões dos conselhos de administração das várias empresas de um correligionário riquinho – e também ele um senhor morgado. Nem fui comprar um curso ao Brasil. Nem à UNI, apesar de, para tanto, ter sido aliciado.
Mas a plebe gosta de ver os senhores morgados, eventualmente porque a maioria de nós também gostaria de ser um senhor morgado. Como não é, revê-se nos que são – e apaparica-os. A coisa sai cara – sai-nos do lombo – mas a rapaziada parece que gosta, especialmente se o morgado for da sua simpatia. O Morgadio anda, no entanto, pelas ruas da amargura, não há dinheiro nem para fazer cantar um cego. Estoirou-se tudo em festas, festins e festarolas e, principalmente, num parte e reparte e ficar sempre com a maior parte – para os morgados, claro, e para a gente influente que lhes está por cima, os seus suseranos, a quem juraram fidelidade, e que dantes se chamavam capitalistas, mas que, hoje em dia, se chamam Investidores ou, mais eufemisticamente, os Mercados.
Como cantava Adriano Correia de Oliveira:

O Sr. Morgado vai na sege rica,
todo repimpado, ai que bem lhe fica
o chapéu armado e a comenda ao peito
e o espadim ao lado, que homem tão perfeito.
Deputado eleito, muito bem votado.
Eleições á porta, seja Deus louvado,
seja Deus louvado, seja Deus louvado.








Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 28/03/2012.

quarta-feira, 21 de março de 2012

O PAÍS DAS MARAVILHAS

O valor pago pelos contribuintes para nacionalizar e reprivatizar o BPN dava para cobrir a consolidação orçamental que aumentou impostos e cortou salários e subsídios de Natal em 2011. E o que ainda virá. Para já, estão garantidos quase 5.500 milhões de euros, pagos pelo povo português, para entregar o banco aos angolanos do BIC, onde pontifica o senhor Mira Amaral, distinto e encantador social-democrata. Para agradecer a oferta, os angolanos gratificam o governo com uma gorjeta de 40 milhões de euros, e não digas que vais daqui. Por enquanto, ainda ninguém foi condenado.

Em Agosto de 2011, os utilizadores da Ponte 25 de Abril pagaram portagens, mas a Lusoponte, onde pontifica, como administrador, o senhor Ferreira do Amaral, também ele distinto e inefável social-democrata – o mesmo que, por sinal, enquanto ministro, fez o favor de oferecer à Lusoponte o negócio das travessias rodoviárias do Tejo – foi também compensada pelo Estado, como se as portagens não tivessem sido pagas. Vindo o caso a lume, fala-se agora em acerto de contas. Às vezes, é bom os casos virem a lume. Outras, como no caso do BPN, não serve para nada.
As parcerias público-privadas deram milhões de prejuízo ao Estado, exactamente os mesmos milhões que encheram os bolsos dos parceiros privados. Di-lo o ministério das Finanças, di-lo o Tribunal de Contas, até a Troika o disse. Vai daí, o governo, para mostrar ao povo que está aí para as curvas, resolveu encarregar uma empresa privada, a Ernst & Young, da auditoria para apurar o que se passa. Por acaso – e só por acaso, claro – esta consultora trabalha para os grandes beneficiários das famigeradas parcerias. Se ainda ninguém foi preso, não é assim que vai ser, como é óbvio.

Sócrates leva, em Paris, uma vida de nababo, enquanto é notícia, em Portugal, sempre que há uma sessão de julgamento do Face Oculta ou do Freeport. Já para não se falar no escândalo da sua licenciatura, agora reanimado com a divulgação das escutas das conversas escabrosas que manteve com o reitor da UNI. Mas a Justiça portuguesa não conhece Sócrates, nem quer saber, sequer, de que rendimentos vive no luxo parisiense.



No meio desta maravilha, própria de uma democracia avançada e de um autêntico estado de direito, a riqueza criada em Portugal caiu 1,6% em 2011. Foram 1,5 mil milhões de euros a menos do que aquilo que se produziu em 2010. Porquê? Porque a austeridade, e os efeitos que teve directamente sobre o consumo das famílias – factor fundamental da riqueza de um país –, a isso conduziram. E a coisa só vai piorar.

Mas o povo é sereno. Ou melhor: serenamente bovino.









Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 21/03/2012.


quarta-feira, 14 de março de 2012

BANCO DOS RÉUS COM ELES



O senhor Geir Haarde, ex-primeiro-ministro da Islândia, está a ser julgado por negligência na gestão do país, já que durante a sua governação a economia entrou em colapso e colocou o país numa situação dramática, semelhante, aliás, às que enfrentam a Grécia e Portugal. Verdade se diga, que não deveria ser apenas este senhor a responder pela crise, pois os governos anteriores, igualmente direitistas e de cariz marcadamente neo-liberal, abriram o caminho ao descalabro.

Tal como cá, foi gente de direita que afundou o país, mas ao contrário dos portugueses, os islandeses recusaram pagar dívidas que não eram suas. Esta é a diferença entre um povo consciente e culto, que sabe o que significa a palavra cidadania, e um rebanho de carneiros enfeudados a partidos que os usam para lhes salvaguardarem as costas e abastecerem os tachos, reduzindo-os, assim, a meros pagadores do banquete a que, depois, dão o nome de crise.

Na Islândia, baniram-se os figurões e os partidos que, tradicionalmente entrincheirados no poder que o voto lhes deu, destruíram a economia do país, designadamente a partir de 2008, não por geração espontânea, saliente-se, mas resultante do desvairo neoliberal a que o governo, vassalo dos famigerados mercados/investidores, sujeitou o país.

Tal como cá, a fúria privatizadora foi a espoleta que acelerou o descalabro. Em causa estiveram, principalmente, a privatização das quotas de pesca, que canalizou para as mãos dos armadores fortunas fabulosas, fuga de capitais para o estrangeiro, em prejuízo do investimento nacional, e a privatização desastrosa dos bancos, feita sempre com base no clientelismo e oleada com a fatal corrupção. A tudo se juntaram esquemas do tipo BPN, onde uma onda de concessão de créditos bancários, sem critérios nem garantias, causou, a nível nacional, o caos que a bolha imobiliária e o subprime provocaram nos EUA e, depois, no mundo inteiro.

A resposta dos islandeses à crise foi lúcida, corajosa e, principalmente, plena de dignidade. Recusaram os caminhos impostos pela União Europeia e procuram soluções estritamente nacionais. Sofrem, naturalmente, os efeitos de uma forte austeridade económica e de uma acentuada quebra no consumo, mas conseguiram salvaguardar o Estado social, o desemprego está em 7%, e as entidades patronais não foram além de limitar o trabalho extraordinário.


Se os portugueses sentarem no banco dos réus TODOS os políticos que governaram o país no últimos 35 anos, os banirem, de vez, da cena política e, simultaneamente, se livrarem da canga partidária que os leva, eleição após eleição, a eleger contra-natura os seus algozes, estarão a dar os passos necessários para que Portugal seja, realmente, um país livre e democrático.

Um país verdadeiramente livre e democrático, e não o coito de chulos e vendilhões da pátria que tem sido nas últimas décadas.







Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 14/03/2012.

quarta-feira, 7 de março de 2012

O MUNDO IDEAL

Quem governa a Grécia já não é um primeiro-ministro saído do voto popular. Idem para a Itália. Num e noutro caso, foram os senhores investidores que mandaram pôr à frente dos governos grego e italiano, através da União Europeia e do FMI, homens da sua confiança. Até agora, quando se queria conquistar um país – ou seja: arrebanhar as suas riquezas – arranjava-se um pretexto qualquer, do género existência de armas de destruição maciça, violação dos direitos humanos, enfim, coisas destas, e vá de arrasar aquilo à bomba, mas sem tocar nas riquezas cobiçadas, tipo poços de petróleo. Isto ainda é necessário quando o país em causa não se deixou ir na conversa de sujeitar a sua estrutura económica às maravilhas da economia de mercado, aceitando desenvolver-se à custa de generosos empréstimos, dando como aval a nação inteira, povo incluído, casos da Líbia e da Síria e, muito provavelmente, do Irão, assim que houver condições.

Mas nas sociedades civilizadas, democráticas, bem comportadas e respeitadoras dos direitos humanos, já não é necessário usar a força das armas para deitar a mão a um qualquer país, como fez, aqui há uns anos, um tipo de bigode esquisito. Poupa-se em armas, poupa-se em homens e poupa-se em chatices, porque há sempre quem não compreenda estas cruzadas libertadoras. É, pois, mais barato e muito mais lucrativo. Depois, como já não existe, praticamente, nenhuma riqueza natural que não tenha sido devidamente arrebanhada – isto é: que já não seja propriedade dos senhores investidores – há que conseguir novas fontes de lucro, e nada melhor, para o efeito, que ir, muito legal e democraticamente, aos bolsos dos cidadãos – aos resultados do seu trabalho.
Agora, em vez de tiros, bombardeia-se um país com crédito: gaste agora, pague depois. Seja feliz enquanto é vivo. Papandreus, Berlusconis, Soares, Aznares e Gonzalez, Guterres e Sócrates, Merkeles e Sarkozis, Durões e Cavacos, prestimosos, curvam a espinha e assinam – ou assinaram – as livranças. É o Eldorado que lhes permite ganhar eleições e distribuir o dinheiro fácil pelos respectivos bandos partidários e elites financeiras locais.

Um dia, o investidor bate à porta e apresenta a factura. Pode passar por cá para a semana? Posso, mas com uma factura maior. E ou resolves isso, ou ponho cá um vice-rei no teu lugar.

Pois é: eles já não põem um país a ferro e fogo. Nem usam câmaras de gás. Nada disso. Os investidores são pessoas finas, civilizadas, de mãos limpas. E, acima de tudo, são pessoas muito práticas.

Tanto, que um dia destes nem precisamos de eleições. Nem de Constituição. Nem de governo.

Coitado do Hitler. Não percebia mesmo nada de economia…








Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 07/03/2012.