quarta-feira, 27 de outubro de 2010

BANQUEIROS

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Se as pessoas deixarem de pagar aos bancos o que lhes devem, os bancos irão à falência. Mas se ninguém precisar de pedir dinheiro aos bancos, de igual modo todos os bancos faliriam. Assim, o interesse dos bancos é tanto serem reembolsados dos empréstimos que fazem, acrescido dos respectivos juros, como nunca serem confrontados com a independência económica da população e das empresas.

No entanto, viver sem dívidas é a ambição de qualquer pessoa, de qualquer família, de qualquer empresa. Ter rendimentos para viver com dignidade – o que significa, no mínimo, suportar as despesas de alimentação, saúde, educação, habitação e as inerentes ao seu desenvolvimento cultural – é um desígnio de cada cidadão, o qual, para além de estar contemplado na Constituição da República Portuguesa, está inscrito na Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas tal, naturalmente, contraria os interesses dos banqueiros. Eles precisam que se recorra ao crédito, porque é daí que advém a constituição dos seus enormes lucros. Porque assim querem, a satisfação dos nossos direitos humanos só pode ser conseguida através do endividamento, e nunca de salários suficientes. Justos.

Chegados aqui, já percebemos que, para eles, os banqueiros, o fundamental é que as famílias e as empresas nunca tenham tanto que possam viver sem o recurso ao crédito, nem tão pouco que não possam pagar os seus empréstimos. No fundo, são eles que determinam, através do poder político – que ou é da sua confiança, ou não pode ser poder – o que podemos, nós, os cidadãos comuns e as pequenas e médias empresas, ganhar. É disto que se fala quando se fala em Capital Financeiro, Poder Económico ou, mais simplesmente, Capitalismo. São os banqueiros que, de facto, comandam as nossas vidas.

O que se passa com as pessoas e as empresas, passa-se com os países. Mas enquanto, a nível da banca nacional, nós ainda sabemos o nome dos bancos e dos seus principais accionistas e administradores, a nível planetário a coisa fia mais fino. Quem são os homens que emprestam dinheiro aos estados? Como conseguiram a sua enorme riqueza e, consequentemente, o seu enorme poder? Como podem dispor de capitais tão astronómicos sem que se lhes conheça qualquer actividade produtiva que minimamente o justifique? Fala-se que esta agiotagem tem por detrás diamantes, petróleo, armas, droga, mas tudo está envolto numa enorme e quase fantasmagórica penumbra. Como se chamam? Quais os seus rostos? Onde moram? Onde passam férias? Têm filhos? Netos? Posso não saber responder a estas perguntas, mas sei que a última coisa que eles desejam é que Portugal deixe de contrair dívidas. É das nossas dívidas que eles se alimentam. É através delas que o seu dinheiro se lava e se reproduz.

Por cá, os nossos políticos, que são lacaios fiéis dos banqueiros, limitam-se a obedecer-lhes sem contestação. Em paga, têm o futuro garantido. A maioria está confortavelmente instalada na vida, enriquecida à custa da actividade política, facto que nem os tachos em administrações de empresas públicas ou privadas chega para justificar. Sem exercerem profissão digna desse nome, auferem vários vencimentos, várias reformas, e são senhores de muito património e enormes contas bancárias, muitas delas em offshores. Quanto destes pecúlios resultaram de luvas, percentagens e comissões? As tais caixinhas de robalos, como dizia o outro?

Seria bom sabermos o nome desta cáfila toda. Para já, sabemos que são os Miguéis de Vasconcelos do nosso tempo.

Reles traidores.
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(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 27/10/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ENCOSTÁ-LOS À PAREDE

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O ministro da Cultura sueco foi visitar um filho que estuda nos Estados Unidos e, durante a visita, pagou uma pequena despesa com o cartão de crédito que tem para gastos oficiais. Quando o facto foi detectado, o ministro foi demitido.

A Takargo, uma empresa transportadora do Grupo Mota-Engil, onde pontifica o socialista Jorge Coelho, beneficia, desde a sua fundação, há mais de um ano, da isenção do imposto sobre produtos petrolíferos, o que lesa o Estado em cerca de 200 mil euros por ano. É a única empresa transportadora privada a beneficiar desta isenção. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

O senhor André Figueiredo, chefe de gabinete do senhor Sócrates, ofereceu ao senhor deputado socialista, Victor Baptista, um lugar na administração de uma empresa de capitais públicos, à escolha do felizardo: CP, Refer ou Metro. O vencimento seria de 15.000 euros mensais. O deputado recusou a oferta que, segundo ele, visava retirá-lo da corrida à presidência da Federação do PS, em Coimbra, em favor de um benjamim de Sócrates. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

A senhora dona Mara Mesquita Carvalho Fava, irmã de Sofia Fava (ex-mulher de José Sócrates), foi admitida nos quadros da EPAL – outra empresa pública – como trabalhadora precária. Na empresa, ninguém sabia o que a senhora fazia. Apenas que era vista por lá. De repente, ei-la promovida a assessora da administração, com um salário mensal bruto de 2.103 euros, acrescido de 21,5% do ordenado, por isenção de horário de trabalho. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

O senhor Carlos Filipe Oliveira, de 61 anos, saiu do Governo, onde era assessor do então ministro do Ambiente, Nunes Correia, e ingressou na mesma EPAL. Ninguém sabe o que está ali a fazer. O que se sabe é que aufere um salário altíssimo e que raramente lá põe os pés. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

O senhor Paulo Campos, que era assessor do Secretário de Estado das Obras Públicas (ministério que tutela a gestão das auto-estradas nacionais), deixou o cargo para ser administrador executivo da empresa que gere o sistema de pagamentos nas auto-estradas. Isto é: saiu do governo que decidiu impor portagens nas SCUTs, para gerir uma empresa que fornece os equipamentos electrónicos que foram instalados nessas portagens, e os respectivos chips. Até agora, ninguém foi demitido ou preso. Nem vai ser.

Porque as coisas são assim – e assim se desbaratam os dinheiros públicos – os portugueses sérios, que trabalham no duro para receberem os mais baixos salários que se pagam na Europa, vão receber ainda menos no fim de cada mês, a juntar ao aumento brutal de impostos. Os reformados, que recebem as mais baixas pensões da Europa, irão ver essas pensões ainda mais reduzidas.

Em consequência, mais miséria, mais fome, mais privações, mais desemprego, mais falências, mais insegurança, menos saúde, menos vida, pior vida.

E ninguém se demite. E ninguém é preso. Nem encostado à parede.

Mas é preciso encostá-los.


(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 20/10/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

OS NOSSOS F….. DA P…

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Andam por aí mais escutas do Apito Dourado. Ouvi aquilo e quase vomitava. Por tudo o que ali se diz mas, principalmente, porque a Justiça – ou o que disso tem o nome – agiu como se, além de cega, fosse surda, muda e paraplégica. Ou atrasada mental. Melhor: pensasse que os atrasados mentais somos nós. Vimos e ouvimos os vídeos do caso Freeport, ou lemos as transcrições das escutas do processo Face Oculta, e sentimos exactamente a mesma coisa: que há certos figurões a quem a Justiça – ou o que por ela se faz passar – não toca. E que até se enlameia – e se renega – para proteger.

Por isso, sempre que oiço ou vejo Pinto da Costa, lembro-me de Sócrates. E sempre que oiço ou vejo Sócrates, lembro-me de Pinto da Costa. Reflexos condicionados, como diria Pavlov. Ou mera associação de ideias. Dirão alguns – os velhacos ou os imbecis – que a Justiça não pôde agir pois havia uma vírgula que não estava aqui, um rabisco que faltou acolá. Direi eu que a Justiça tem, se quiser, força e meios para, em nome da verdade, da decência, do bem comum e de todos os outros valores que é sua atribuição proteger, ultrapassar eventuais erros de forma e não permitir que eles se transformem em alçapões por onde se escapam os infractores.

A um portista e fã de Sócrates, com quem discutia estas coisas, perguntei, por estas ou outras palavras, o seguinte: «Ouviste ou leste as transcrições das escutas, viste vídeos e soubeste de provas testemunhais, tanto nos processos Apito Dourado, como nos que envolvem Sócrates. Porque te creio um homem honesto – e parvo não és – diz-me uma coisa: acreditas, sinceramente, na inocência destes gajos?». Ele riu-se, olhou demoradamente para mim, e respondeu: «Não, João. Não acredito».

Apeteceu-me dar-lhe um abraço, mas contive-me. Eu sabia que, no fundo, ele continuava a admirar Pinto da Costa e Sócrates, sobrepondo os seus afectos aos valores morais que devem guiar a vida dos homens de bem. Não abraço gente desta.

Infelizmente, o país está cheio disto. Lembro-me, a propósito, da resposta de um político norte-americano – Henry Kissinger, salvo erro – a quem lhe perguntou porque eram os Estados Unidos aliados de Noriega. Ele respondeu: «O tipo é, realmente, um filho da puta, mas é o nosso filho da puta». Que um politico norte-americano pense assim, não me espanta, já que os interesses dos EUA não se dão bem com qualquer tipo de valores morais. A humanidade, para os norte-americanos, é um vasto tabuleiro de xadrez, onde fazem e desfazem as regras a qualquer momento. E ou vencem, ou o tabuleiro vai pelos ares. Mas fidelizar-se um cidadão a quem não prima por ser alguém de conduta intocável e edificante – bem pelo contrário – nomeadamente se a sua adoração se estriba em fervores clubistas ou partidários, aí já estamos perante um puro caso de indigência mental, se não estivermos diante de um promissor aprendiz de trapaceiro.

É este, hoje em dia, o mal de Portugal. Grande parte do povo português não tem sentido crítico, nivela por baixo os padrões morais, seduz-se por aparências sem cuidar dos conteúdos, deslumbra-se com os discursos, em vez de estar atento às práticas. E, especialmente, entrega-se aos partidos, e por eles se deixa crucificar sem o menor sentido de cidadania, como se o seu partido fosse uma divindade a quem deve adorar, em vez de um instrumento ao serviço dos seus direitos e legítimos interesses.

O resultado está à vista.

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 13/10/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.
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quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PALAVRAS DO SENHOR


Em 24 de Novembro de 2009, o chefe do bando que, a soldo do grande capital e da sacrossanta economia de mercado, governa o país há mais de cinco anos, dizia: «A principal preocupação da política económica do Governo é a recuperação económica e o emprego. Nesse sentido, não é compaginável com esses dois objectivos um aumento de impostos».

E a 2 de Fevereiro de 2010: «Vamos fazer uma consolidação orçamental baseada na redução da despesa e não através de aumento de impostos, porque isso seria negativo para a economia portuguesa».

Em 8 de Março de 2010, era assim: «O Governo vai concentrar-se na redução da despesa do Estado, tarefa que é provavelmente a mais difícil e exigente. Mais fácil seria aumentar impostos, mas isso prejudicaria a nossa economia».

No dia 30 de Abril de 2010, a criatura garante que não há aumento de IVA: «O que vamos fazer – diz – é o que está no PEC. A senhora deputada vê lá o aumento do IVA? Não vê». Palavras do Senhor – ou seja, do primeiro-ministro – no debate quinzenal no Parlamento, perante a insistência da deputada do Partido Ecologista Os Verdes, Heloísa Apolónia. E acrescenta: «Estamos confiantes e seremos fiéis ao nosso programa. São essas medidas que importam tomar».

Em 12 de Maio de 2010, ouvem-se as trombetas triunfais: «Portugal registou o maior crescimento económico da Europa no primeiro trimestre deste ano. Portugal foi o primeiro país a sair da condição de recessão técnica e o que melhor resistiu à crise». Palavras do Senhor. Hoje e sempre.

A 16 de Junho de 2010, José Sócrates rejeita, em Bruxelas, o cenário de redução de salários na função pública, afirmando acreditar que as medidas já adoptadas pelo Governo são suficientes para atingir os objectivos orçamentais em 2010 e 2011.

Em 24 de Agosto de 2010, garante, numa acção de propaganda, em Vale de Cambra: «Entre Janeiro e Junho, a nossa economia cresceu 1,4%, face às estimativas de 0,7% para o ano inteiro. Nestes seis meses, o crescimento da economia que se verificou em Portugal foi o dobro do previsto pelo Governo no início do ano».

Eram estas, até há poucos dias, as palavras do Senhor. Mas de um Senhor sem palavra, sem moral e sem pingo de vergonha. Do político mais incompetente e trapaceiro que alguma vez, desde que me lembro – e a História recente nos conta – teve nas mãos os destinos dos portugueses.

O país desfazia-se, vítima, em parte, do neo-liberalismo reinante e da crise congénita do capitalismo, mas, acima de tudo, desfazia-se às mãos do Partido Socialista e do homem que o domina e coloca o seu ego e as suas fantasias em confronto permanente com a realidade. Levado na vertigem que a detenção do poder lhe provoca, vogando já ao sabor de um delírio que roça a pura insanidade, Sócrates encurralou-se entre as suas opções ideológicas, retintamente neoliberais, e os resultados inevitáveis e devastadores dessas opções na economia e, por arrasto, nas contas públicas.

Ao fim de vários meses de desvairada alucinação, ele aí está, confrontado com uma realidade que, no entanto, continua a recusar ser obra sua – como se os governantes tivessem sido outros, e não ele e a respectiva seita. Ignorantes, maldosos, profetas da desgraça, irresponsáveis, velhos do Restelo, gente sem ideias, foram mimos, entre outros, com os quais rotulou quem não lia pela sua tresloucada cartilha. Forçado, finalmente, a reconhecer a enormidade do buraco para onde atirou Portugal e os portugueses – e cuja dimensão, criminosa e estupidamente quis esconder até ao fim – nada mais lhe resta que pôr em prática as receitas do catecismo neoliberal e apresentar, como sempre, a factura à arraia-miúda.

Não confessa – como homem de direita que realmente é – que as crises resultam de acumulação da riqueza produzida nas mãos de poderosos grupos financeiros, que assim controlam os povos e as nações, como estamos a senti-lo, agora mesmo. Não lhe entra no bestunto que elas, as crises, se possam resolver com outras medidas que não seja agravar sempre – e cada vez mais – a vida da população trabalhadora, dos reformados, dos desempregados e dos marginalizados por uma sociedade desequilibrada e desumana. Por isso, apesar de garantir, meses a fio, que o aumento de impostos e a redução dos salários estava fora do horizonte, por serem negativos para a economia e os portugueses, ei-lo a aplicar, como remédio, o veneno fatal que antes recusava.

Irónica e tragicamente, a vida vai dar razão – mas por outros motivos – ao que disse nos últimos tempos. Nenhuma destas medidas vai salvar o país. O desemprego vai aumentar, a fome alastrará, a economia definhará ainda mais, as falências vão multiplicar-se, a instabilidade e os conflitos sociais suceder-se-ão e a insegurança será o pão nosso de cada dia. Vem aí, em suma, mais um ciclo de recessão e pobreza, em vez da salvação do país. Dos nossos bolsos sairão os últimos cêntimos, direitinhos para os cofres da alta finança.

Culpados? O sistema capitalista, que é da exaustão dos povos que vive e prospera. E José Sócrates e o PS, pois se o capitalismo é péssimo, muito pior se torna quando interpretado por gente de tão baixo nível moral e intelectual. Por gente medíocre e desprezível. Por tartufos.


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 06/10/2010.
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