sexta-feira, 11 de janeiro de 2013


Não há dinheiro?

Ai há dinheiro, há!

 Farsa - ou tragédia - em três actos

 
 
Acto I

Governo

- Não há dinheiro para nada. É a penúria geral, completa, absoluta. O país andou a viver acima das suas possibilidades. Agora, aguenta! Passa para cá parte do ganhas, e repara que não sei se vai chegar. Também é preciso que pagues mais impostos, mais taxas, mais tarifas. Ah, é verdade: vais pagar mais caro tudo aquilo que compras, da luz ao gás, dos livros à operação, dos transportes aos sapatos. Tudo te vai ficar mais caro: a saúde, a educação, a justiça. Olha: estares vivo vai custar-te um dinheirão. Nestas condições, até não seria má ideia, caso já tenhas uma certa idade e não possas trabalhar, desistires de respirar. Evita ir ao médico, evita dar despesas ao Estado. Abrevia a tua improdutiva e dispendiosa existência. Repito: não há dinheiro para nada. Mesmo as pensões, as reformazitas que pagaste ao longo de toda a vida, estão cada vez mais tem-te-não-caias. Dá lugar aos novos. Dá lugar àqueles que já meteram na cabeça que a vida é mesmo assim, que ninguém tem direito a nada. Que nem fazem ideia do que é essa treta dos Direitos Humanos. Nem, sequer, humanidade. Aqueles que se contentam com um telemóvel para trocarem mensagens.

Acto II

- Ó Vítor, para que é que queres mil e cem milhões de euros?

- Para quê, ó Pedro? Então para que havia de ser? Para meter no Banif.

- Mas o Banif vale isso?

- Não. Vale cerca de metade.

- Então, porque é que não mandamos a Caixa Geral de Depósitos comprar o Banif por metade desses mil e cem milhões de euros?

- Schiuu. Fala baixo. Às vezes dão-te brancas perigosíssimas. Se a Troika te ouve, perdes logo a confiança dos Mercados e dos Investidores. E se o Grupo Bilderberg sabe que pensaste uma coisa dessas, ficas queimado para o resto da vida. Cuida do teu futuro, pá.

- Pois, tens razão. Mas não vai acontecer como aconteceu no BPN? Olha que o buraco ali pode chegar aos sete mil milhões!

- E depois? Duvidas que a malta aguente? Olha, o Fernando Ulrich é que disse bem: Ai aguenta, aguenta!

- Mas até os nossos estão a resmungar. Olha o Mota Amaral…

- Deixa-te disso. O contribuinte existe para contribuir. Na propriedade privada, especialmente nas instituições financeiras, não se toca. São sagradas. São o pilar-mestre da democracia.

- E o que é que o Banif vai fazer com esses mil e cem milhões de euros?

- Para já, vai gastar grande parte a comprar dívida do Estado.

- Ai é? Vai comprar dívida do Estado com dinheiro do Estado?

- Vai.

- Mas isso não o mesmo que nós comprarmos a nossa própria dívida?

- O mesmo não é. Porque se nós comprássemos a nossa própria dívida, ninguém ganhava nada com isso.

- Bem pensado, ó Vítor. És mesmo um génio!

Acto III

O buraco do BPN equivale ao que o governo quer cortar no Estado Social. Mas pode ser o dobro disso, pois há mais de três mil milhões de dívidas praticamente incobráveis. Depois, e só na última década, os três maiores bancos privados tiveram lucros superiores a quatro mil milhões de euros. Mas, coitados, precisam de ser recapitalizados. Para além disso, quando deixaram de comprar títulos de dívida pública, forçaram a vinda da Troika. Agora, já lhes convém comprar títulos de dívida pública, pois é à pala deles que conseguem financiamentos junto do Banco Central Europeu a 1%, cobrando, depois, mais 3 ou 4% ao Estado.

Por outras palavras: sacrifica-se o Povo no altar dos senhores banqueiros.

Não há dinheiro? Ai há, há.

 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013



Não se pode financiar o Estado Social?

Ai pode, pode! 


O ministro das Finanças disse que não é possível financiar funções e prestações sociais do Estado que a sociedade não está disposta a pagar. Ao afirmar um disparate destes, sujeita-se o ministro a ser considerado uma de duas coisas: um enorme atrasado mental; ou um grandessíssimo patife. Apesar das muitas e caridosas opiniões em contrário, opto pela segunda possibilidade. Não só é falso que a sociedade não esteja disposta a pagar o Estado Social, como é verdadeiro que sempre o esteve a pagar. E a pagar bem.

O que acontece – e disso, sim, se pode culpar a sociedade - é que são escolhidos governantes que são inimigos declarados do Estado Social. Gente que considera que TUDO, mas absolutamente TUDO, deve ser fonte de lucro para as entidades privadas. Ou que NADA, mas absolutamente NADA, do nascimento à morte de uma pessoa, poderá deixará de constituir um negócio para os grandes interesses económicos.

O ser humano é, neste contexto, algo que tem três obrigações inquestionáveis ao longo da vida:

1 - produzir riqueza para a sua entidade patronal, nos termos que mais convier a esta;

2 - pagar impostos sobre os rendimentos que obtiver;

3 - suportar todos os custos com a satisfação das suas necessidades, sejam elas de que natureza forem. Como se nunca tivesse trabalhado nem cumprido as suas obrigações fiscais.

Esta é a sociedade ideal do ponto de vista do neoliberalismo. Tudo o que está a acontecer em Portugal resulta da grande ofensiva que, a nível planetário, o capital financeiro está a desenvolver para, literalmente, tomar posse de toda a humanidade.

Quando Gaspar diz que «não é possível financiar funções e prestações do Estado que a mesma sociedade que deseja ter essas funções e prestações não está disposta a pagar», omite, descaradamente, que a sociedade portuguesa, através dos impostos que paga, mais que garante o financiamento dessas mesmas funções e prestações. E omite que os governos – todos eles – é que, por má gestão, frequentemente dolosa, delapidaram o erário público, esvaindo os cofres do Estado em tortuosos esquemas de corrupção e enriquecimento ilícito (casos das PPP), na resolução de fraudes astronómicas (caso do BPN), em despesismo nu e cru (novos estádios de Futebol, Centro Cultural de Belém, Expo 98) e na amamentação de uma gigantesca rede de amiguismo e favorecimentos (a imensa teia milhares e milhares de boys e girls), onde se destacam, ainda, as vantagens e mordomias diversas que o poder político estabelece para si próprio, enquanto nega ou restringe os mais básicos direitos sociais a quem, por via dos seus impostos, os deveria ter garantidos. Ou seja: o poder político desvia do Estado Social as verbas que espalha, depois, pelos grandes interesses financeiros e no financiamento da opulência que decidiu ser privilégio da classe política e respectivos pajens.

E quando Gaspar diz que o financiamento do Estado Social «não é exclusivamente um problema económico e financeiro, é fundamentalmente um problema político», está a dizer, sem querer, uma grande verdade. Orçamentar verbas e geri-las é, de facto, um problema político. Aquilo que a sociedade portuguesa paga em impostos só não dá para pagar o Estado Social se o governo não orçamentar o necessário para o efeito e, essencialmente, se não gerir as contas do Estado de acordo com a perspectiva política de que o fundamental não é pôr os cidadãos a pagar os crimes de bandos de criminosos – sendo alguns desses criminosos altas figuras da classe política – tal como não o é estabelecer conluios com grandes grupos empresariais , de que resulta o esvaimento dos dinheiros públicos. O fundamental – isso sim - é garantir o direito à Saúde, à Educação, à protecção na velhice e no desemprego.

E isto a sociedade paga. Acontece é que o governo rouba à sociedade aquilo que ela comprou. Pagando a pronto.

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Uma tarde de sol

 
Lisboa. Esplanada de um café numa tarde de sol. Pouco gente, fruto do tempo frio e dos bolsos vazios. Conversa-se em voz baixa. Algumas pessoas ainda fumam, como se gostassem de destruir os pulmões e de oferecer dinheiro ao Gaspar. Eu sei que, muitas vezes, o cigarro é o único consolo, o escape para a angústia, uma fuga da realidade, que parece esvair-se no fumo azulado que a brisa leva.

Na mesa ao lado da minha estão dois homens. Casa dos trinta, a roçar os quarenta. Já beberam as bicas e conversam, agora, um pouco mais animadamente. Uma frase desperta a minha atenção: «Se isso acontecer, não descanso enquanto não limpar o sebo aos que puder. Um, pelo menos, há-de cair». O «isso» era ficar desempregado. O outro olha-o e encolhe os ombros. «Se fosse fácil, já algum maluco o tinha feito», respondeu.

Finjo que estou mergulhado na leitura, mas a partir daqui estou sintonizado na mesa dos dois indivíduos. Não me é possível reproduzir a conversa textualmente, mas não andou longe disto:

- Posso ser eu o primeiro maluco. Mas se me vejo sem dinheiro para a comida, para a casa e para os filhos, juro-te que dedico o resto da vida a caçá-los. A eles e aos filhos deles. Seja lá onde for, seja lá quando for.

O outro contemporizava, sem deixar de lhe reconhecer razão. Do género:

- Pois é, pá, a malta tem razão, mas um gajo não pode dar cabo da vida, desgraçar-se. E ainda por cima eles andam sempre bem guardados, mesmo depois de saírem do governo. Pensas que é fácil, não?

- Que se lixe. A mulher está em casa há oito meses, não arranja nada. Sou eu só a ganhar. Agora, até o meu emprego está tem-te-não-caias. E se ficamos os dois no desemprego? Eh, pá, eu tinha uma vida jeitosa desde que casei. De há dois anos para cá, lixou-se tudo. A vida aumenta, o dinheiro diminui, os filhos a crescer. Agora, ela ficou pendurada. E se amanhã sou eu? Que culpa tenho eu disto estar assim?

A conversa era esta, mais palavra, menos palavra. Entre um silêncio ou outro, repetiam-se as queixas. E a revolta latente em todas as palavras.

- Um gajo farta-se trabalhar, corta em tudo o que pode, não se gasta um cêntimo mal gasto, se gastar num café ou num jornal é gastar mal. Se calhar é. Mas se a minha vida ficar completamente destruída sem que eu tenha qualquer culpa nisso, ai, pá, aí eu não descanso enquanto não limpar os que puder.

E o amigo, rindo-se, eventualmente por não levar a sério o desabafo:

- A malta ladra mas não morde. Até um dia, não é?

Mais um silêncio. Longo, longuíssimo.

- Pois. É melhor não ladrar.

Fizeram um sinal ao empregado, puseram umas moedas em cima da mesa e sumiram-se para os lados da Estrela.

Não sei porquê, mas pereceu-me que aquele homem estava a falar a sério.

Muito a sério.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012


Os pardais e os abutres

 
Hoje vou contar-vos uma história verdadeiramente macabra
Um amigo meu, que adora o PSD, o Passos, o Gaspar, o Borges, o Relvas e tutti quanti estejam a esfrangalhar Portugal para o passar a patacos ao Goldman & Sachs e a outros marmanjões do Grupo Bilderberg, acha que eu sou imbecil por não concordar com as políticas que ele defende e que, como sabemos, são excelentes, basta olhar para os resultados.
A propósito do salário mínimo dos diversos países, reencaminhei há dias um e-mail onde destacava o salário mínimo nacional pela sua exiguidade, comentando eu, imbecil, que até o da Grécia era, depois de todos os cortes, superior ao nosso. Tanto bastou para que o génio – sim, o meu amigo é um génio – me criticasse nestes termos (geniais):
«… e assim se percebe como é que os gregos foram à falência: "dar milho aos pardais", não é difícil. O difícil é pagar a conta. Por cá atira-se a responsabilidade da falta de produtividade para os patrões e governos. A velha treta comunista ... »
Infere-se daqui, desta genial tirada, que os baixos salários portugueses – quer o mínimo, quer o médio – são o «milho» que os trabalhadores (perdão, os «pardais») meteram no papo e que levaram o país à crise. Este meu amigo é técnico municipal e ainda – diz ele – se farta de trabalhar «por fora».
Não sei quanto milho come, nem sei se ele se considera um pardal. Ou um pardalão. Sei é que ele acha que foram os salários mais pindéricos da Europa que deram cabo do país.
Citando o Scolari: E o imbecil sou eu?!
Certamente. Se me tivesse arrimado ao partido certo, andava de papo cheio e a acusar os outros de terem dado cabo disto.
E sabem uma coisa? Gosto muito de ser imbecil.
Este desvelado partidário do PSD e das suas políticas neoliberais acha, então, que Portugal está como está porque os pardais (o povo) tiveram milho (dinheiro) a mais. Não se refere aos grandes abutres, mas aos pardalitos dos salários e pensões mínimos e à volta disso. A escumalha. Para ele, não há PPPs, não há golpadas, não há sacos azuis, laranjas, cor-de-rosa, luvas brancas nem colarinhos da mesma cor. Não há corrupção, incompetência, negócios ruinosos e, sobretudo, não há o alibi da crise para justificar o roubo de salários e prestações sociais.
As golpadas de Duarte Lima, que vão ser pagas pelos contribuintes portugueses, não aquecem nem arrefecem o extremoso partidário laranja. Para já, 32 milhões é a parte que o Estado assume na golpada com os financiamentos do ex-deputado do PSD no BPN. Entretanto, o senhor já não tem nada em seu nome. Só uma pulseira electrónica, por acaso também paga por nós.
No BPN, conforme diz o insuspeito João Marcelino, estamos a pagar «o maior escândalo financeiro da história de Portugal. Nunca antes houve um roubo desta dimensão. Para já, tapado por uma nacionalização que já custou 2.400 milhões de euros delapidados algures entre gestores de fortunas privadas em Gibraltar, empresas do Brasil, offshores de Porto Rico, um oportuno banco de Cabo Verde e a voracidade de uma parte da classe política portuguesa que se aproveitou desta vergonha criada por figuras importantes daquilo que foi o cavaquismo na sua fase executiva». Nada disto o comove o militante social-democrata, nada disto o preocupa.
Oliveira e Costa, o cabeça-de-turco do BPN, vai morrer um dia destes e, convenientemente, vai ser o único responsável pelo crime. Também já não tem nada em seu nome. E para que teria? Não estão cá os pardais para pagar a conta? Claro. Os pardais e o milho que comem - que é milho que semeiam e colhem – é aquilo que preocupa o tal cavalheiro, como se, bem vistas as coisas, ele também não fosse um mísero pardal.
Olhando para este país e para portugueses como este, conseguimos perceber como medraram Hitler e Pinochet e, ao fim e ao cabo, como é fácil arranjar lacaios nos dias que correm.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

APRENDER COM AS ERVAS



Ao pé de mim construíram, há anos, um stand de venda de automóveis em segunda mão. Coisa simples. Um lote de terreno, uma vedação alta, o recinto pavimentado a lajeta, um contentor a servir de escritório, e já está.

Com a crise a espreitar, o negócio foi dando durante algum tempo. Com a crise já instalada, o negócio foi-se abaixo. Carros, nem velhos. Hoje, o local foi invadido por um matagal que despontou, imparável, por entre as lajetas que, agora, mal se vêem. Umas hastes frágeis, finíssimas, nascidas de minúsculas sementes asfixiadas e esmagadas, durante anos, pelas toneladas de um pavimento de cimento e areia compactados, sobre o qual, para cúmulo, estiveram outras toneladas de veículos, resistiram a essa força bruta, venceram-na e ali estão a provar a fragilidade da obra humana face à pujança da mãe Natureza.

Significa isto que os humanos – e tudo aquilo que fazem – ofendem as leis naturais? De modo algum. Significa, apenas, que muitas das realizações e condutas dos humanos, por mais gigantescas e impressionantes que sejam, vergar-se-ão sempre face às leis cósmicas que regem tudo o que existe. A explosão invisível e silenciosa da ínfima semente abre caminho aos débeis filamentos que, dela nascendo, vão, através do poderoso betão, procurar o sol, o ar e a água de que irão viver. A delicadeza da folha e da pétala reina, humilde, sobre o peso bruto e árido do cimento.

Também é da natureza humana respirar, buscar sustento, matar a sede, reproduzir-se, proteger-se do que possa pôr em perigo a sua existência – o chamado instinto de sobrevivência – e procurar o equilíbrio entre si e o meio ambiente, coisa a que se convencionou chamar, nos tempos modernos, a procura da felicidade. É ponto assente, por isso, que o Homem está condenado – tal como a planta – a procurar o caminho para a sua parcela de luz solar, para a sua gota de água, para o seu quinhão de ar.

Dos cerca de sete biliões de seres humanos que habitam o planeta, a maioria sufoca e perece sob a sapata em que um ínfimo grupo de outros seres humanos os subterrou. Em Portugal, por exemplo, mais de 9 milhões de pessoas são dominadas – na sua maioria mentalmente condicionadas de forma a considerar a situação como algo normal e, até, respeitável – por rudes lajetas feitas em série nos meandros partidários, a que se resolveu chamar governantes. Por ordem de quem, muito acima deles, se alimenta do sangue humano.

Há quem lhes chame, metaforicamente, vampiros.

Há quem lhes chame, cinicamente, investidores.

Há quem lhes chame, estupidamente, salvadores.

Eu digo que temos muito a aprender com as ervas.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

OS CHARLATÕES


(De Soares a Passos)


                                                                     
Mário Soares convenceu-se que só por lhe chamarem (sabe-se lá porquê!) o pai da democracia, podia fazer tudo o que lhe apetecesse. Por isso, soltou foguetes, em Março de 1975, com a nacionalização da banca, garantindo que, agora, sim, o 25 de Abril estava totalmente realizado, com o «25 de Abril económico». Que tinham sido, «finalmente, afastados os grandes suportes da ditadura». Sim, ele disse isto.

Depois, mal se apanhou com o poder na mão, foi buscar os banqueiros e, daí a tempos, estava a pedir ajuda ao FMI. Começou a destruir o aparelho produtivo nacional, coisa que estava intimamente relacionada com a adesão à então designada CEE. Haveria de ser presidente da República, onde se entreteve a dar várias voltas ao mundo. Depois de ter cavalgado os burros autóctones, chegou a cavalgar uma tartaruga, nas Ilhas Galápagos.  Hoje, nas horas vagas, e sempre que o governo não é do PS, dá uma – ou duas – de esquerda.

Cavaco Silva convenceu-se que depois das asneiras de Soares, que afundaram o país – e com os fundos comunitários a jorrar – a coisa estava no papo. Seria sempre a aviar. Estoirou tudo em cimento e a deixar os amigos encherem os bolsos – a verdadeira mãe-de-água do BPN, que viria a ser a maior burla alguma vez acontecida em Portugal. Delapidou ainda mais o aparelho produtivo nacional, até que foi forçado a «retirar-se», em grande parte empurrado por aqueles a quem enchera a mula. Comprou bem umas acções fantasmas, vendeu-as melhor, fez umas transações imobiliárias jeitosas e começou a pensar da presidência dos matarruanos, o que viria a conseguir. Hoje, não ganha para as despesas. Nem para se ralar.

António Guterres convenceu-se que depois de Cavaco e da sua gestão, que afundou o país, tudo o que viesse (que, por acaso, era ele) seria uma bênção. Bom rapaz, católico praticante – é o que consta – teve o primeiro susto ao inteirar-se do verdadeiro estado do país. Passou uns dias no Hospital da CUF, a recuperar do abalo.

Sabendo a escória que tinha no partido, resolver rodear-se de «gente nova e promissora», para o que foi buscar jovens ambiciosos e sedentos de sucesso. Sócrates e Vara, por exemplo. Não há job para boys, foi a sua frase mais sonante – e também aquela que teve menos correspondência na realidade. Os rapazes «ambiciosos e sedentos de sucesso», que tinham chegado a Lisboa aos trambolhões, logo se deslumbraram, como alguém disse, com as luzes da cidade, com os restaurantes da cidade, com os automóveis da cidade, com os bancos – e os banqueiros – da cidade, com os negócios da cidade, enfim, com as possibilidades da cidade, principalmente quando se tem o poder nas mãos.  

Um dia, depois de eleições autárquicas que não correram nada bem, reparou que estava atolado num pântano. E fugiu. Encontra-se, hoje em dia, refugiado no Alto Comissariado da ONU para os Refugiados, onde trata de si e, se houver tempo e verba, dos outros refugiados.

Durão Barroso convenceu-se que depois do pântano de Guterres, onde o país se afundara, nada de pior podia acontecer. Cedo descobriu que o país não só se afundara, como estava de tanga. Percebendo isto, piscou o olho a Bruxelas e, certamente por bruxedo, conseguiu fugir para lá, onde é presidente da Comissão Europeia. O país ficou ainda mais atascado – e a tanga mais esfarrapada. Ele está muito bem da vida, e quase ninguém se lembra dos seus tempos de esforçado MRPP.

Sócrates convenceu-se que era um génio e um protegido dos deuses. Se os seus antecessores lhe legaram um país de pantanas, e estavam todos bem na vida, ele tinha todas as condições para fazer mais e melhor. E fez. Alargou o pântano, vendeu a tanga e elevou à décima potência tudo o que de pior antes dele fora feito. Pelo meio, descobriu que o pântano era o sítio ideal para deitar toda a espécie de lixo, incluindo os lixos morais. O pântano passou a borbulhar. Como o país integrava um espaço económico livre a alargado como nunca o fora, todos os tipos de traficâncias passaram a ser permitidas.

Empenhado nestas proveitosas veniagas, não percebeu que o enriquecimento de uns quantos – ele incluído – não era o enriquecimento do país. Pelo contrário: agora, nem água pantanosa havia. Não quis acreditar no que via, e deu por si a acreditar, delirantemente, sabe-se lá em quê. Já na fase de estrebucho, pediu ajuda externa, mas, tal como Guterres e Durão, achou melhor mudar de ares. Juntou uns dinheirinhos que arrebanhara no meio de várias confusões – confusões, não: só cabalas e campanhas negras – e foi viver em Paris, onde é, finalmente, um nababo. Às vezes vem almoçar ou jantar a Lisboa, só para ver como param as modas. Pescar à linha. Diz-se por aí que se não foi internado num hospício, ou num estabelecimento prisional, é porque não há medicina que o trate, ou porque a Justiça está entregue à rainha de Inglaterra, que não tem poderes para o efeito.


Passos Coelho convenceu-se de várias coisas. Uma, é que lhe bastava dizer que herdara um país falido. Outra, é que era um génio maior do que Sócrates. Outra, é que o povo, tal como disse, com mágoa, Erasmo de Roterdão, é uma enorme e possante besta.  Outra, é que, dados os factos, tinha força, autoridade e competência para aplicar as medidas que entendesse. Outra, é que tinha o seu partido com ele e o CDS na mão. Outra, é que bastava agradar aos donos do dinheiro para poder fazer o que bem lhe desse na gana, e ainda o que o Gaspar mais o Relvas, aconselhados pelo Borges, lhe dissessem. Outra, é que era um homenzinho a sério, e não um fedelho com umas ideias neoliberais aprendidas à pressa nos meandros da JSD e trabalhadas qb num curso de economia tardio, para justificar um estatuto.

Convencido disto tudo, foi o «custe o que custar». Como ele nunca soube o que foi «custar», porque nunca trabalhou, nem o Gaspar sabe o que é ser gente comum, tal como o guru António Borges, que aos dois aconselha e é, em certa medida, o primeiro-ministro sombra, perdeu o controlo da situação. O seu partido logo percebeu que assim não vai lá nas próximas eleições, razão pela qual – não, claro que não é por causa do país, nem das pessoas – lhe começou a tirar o tapete. E Passos, tal como um garoto cobardolas e inconsciente que apenas sabe produzir uns lugares-comuns em voz estudada para impressionar os papalvos, aí está, a padecer do síndroma de Peter e sem saber que contas deitar à vida. Pela primeira vez, em mais de quarenta anos, tem um problema para resolver.


E O POVO PORTUGUÊS? Ter-se-á, finalmente, convencido

- que de Soares a Passos, nenhum se aproveita?

- que o problema não é só de pessoas, mas das políticas que aplicam?

- que TODOS estes governantes, cada qual com o seu carácter (desprezível, em qualquer deles, como se vê) são corresponsáveis pela miséria a que o país chegou?

- que no actual quadro político-partidário não há saída, nem recuos, nem remendos, nem soluções?


Sim, foram bonitas as manifestações, pá! Mas não creio que elas signifiquem, para além da justa revolta pelas medidas impostas pela mais desbragada austeridade, pelo esbulho e confisco que ela provoca, a consciência plena de que estes alegados governantes – TODOS ELES – são apenas os executores de políticas económicas determinadas de muito longe por gente sem rosto. Gente que ninguém elege.

Gente que nos empresta o dinheiro que nos foi roubado. Dinheiro para essa gente transferido pelos governos dos países.

Não basta, por isso, deitar abaixo um governo. É preciso deitar abaixo quem, realmente, comanda os povos, através dos governos. Ao mandarmos Passos para a rua, devemos exigir que «o senhor que se segue» não leia pela cartilha de Passos, Sócrates, Durão, Guterres, Cavaco ou Soares.

No fundo, é isto:

NACIONALIZAR OS INVESTIDORES. OS MERCADOS.

- A União Europeia não deixa? Problema dela.

- Os EUA não gostam? Problema deles. Na América Latina mandam cada vez menos, e «aquilo» já foi o seu pátio das traseiras.

Eu não tenho medo da Liberdade. E tu?