quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O PAÍS DOS ABRANHOS


Eça de Queirós escreveu O Conde de Abranhos em Novembro de 1878. Trata-se de uma sátira ao tipo de político imbecil, torpe, oportunista e hipócrita que proliferava à época. Se Eça fosse vivo, teria na casta que hoje medra entre S. Bento, Belém e as administrações das empresas públicas e privadas – os novos Abranhos – uma fonte inesgotável de inspiração. No lugar do conde, que já não os há, teríamos O Engenheiro Abranhos. No mais, seria o mesmo retrato do arrivista sem inteligência e sem escrúpulos, que em vez do fraque, cartola e colarinhos engomados, traja Armani e gravata de seda.

132 anos depois, a maioria do povo português sujeita-se a esta gente medíocre, cretina e impiedosa, porque não passa da tal «raça abjecta» de que Oliveira Martins falava. Raça abjecta, sem dúvida, porque só um povo inferior é que se deixa governar por gente como Sócrates, Cavacos, Soares ou, conforme parece que vai ser, por um Coelho qualquer. Gente que, resignadamente, se deixa explorar sem um berro, um franzir de testa, um lampejo no olhar. Gente que se habituou a ser explorada, enxovalhada, espoliada e, curvando-se, ainda agradece a chibatada. Gente que, por isso, não merece mais do que tem.

Também há mais de um século, o rei D. Carlos afirmava que Portugal era «um país de bananas, governado por sacanas». Longe andava sua majestade de imaginar que tão judiciosa sentença estaria válida no ano de 2010, depois da monarquia ter sido esburacada ali para os lados do Terreiro do Paço, a República que se seguiu se ter esvaído em barafunda e bordoada de criar bicho, dando lugar ao Estado Novo, beato e inquisitório, e este a uma democracia que, ainda mal gatinhava, foi engavetada por um renegado bochechudo, venal e ambicioso. E que logo, à frente da sua quadrilha cor-de-rosa, devolveu o povo e a nação aos nababos do costume, com o aplauso dos democratas de vários quadrantes – os Abranhos de hoje – que, à vez, se amanham à custa da manada submissa, repartindo entre si o espólio que a governança lhes consente.

Como resultado, temos cerca de dez milhões de bananas entretidos a enviar mensagens por telemóvel, quando não estão embasbacados a ver telenovelas mentecaptas, casinhas dos segredos ainda mais imbecis, ou os golos de um fedelho obtuso e vaidoso, guinado a herói nacional, tanto pelos pontapés que dá na bola, como pelas rameiras de luxo que, à custa do dinheiro que tem, leva para a cama.

Voltemos a Eça, que pôs Alípio Severo – assim se chamava o tal Conde de Abranhos – a sentenciar: «Eu, que sou governo, fraco mas hábil, dou aparentemente a soberania ao povo. Mas como a falta de educação o mantém na imbecilidade, e o adormecimento da consciência o amolece na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito».

Eça sabia, há século e meio, o que milhões de portugueses, com ensino obrigatório, televisão, internet, telemóveis, Magalhães e universidades privadas – tipo pronto a diplomar –, não conseguem sequer sonhar.

Raça abjecta? Evidentemente! Com excepções, é claro. Mas se a regra não fosse a abjecção, não seríamos espezinhados, como somos, por esta bafienta e infame linhagem dos Abranhos.

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 24/11/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

ACABAR COM O RESTO

...
Há crianças que vão para a escola com o estômago vazio. Há autarquias que, ultrapassando as suas competências e dificuldades, passaram a fornecer refeições aos alunos do ensino básico, até nos dias em que as escolas estão fechadas. Há professores e funcionários das escolas que andam, literalmente, a mendigar géneros alimentícios para mitigar as necessidades dos alunos carenciados. Já a Caritas Portuguesa denunciou que passaram, no curto espaço de um ano, de 5.000 para 62.000 o número de pessoas que a contactam, solicitando auxílio alimentar. Todos os dias, mais vítimas da ditadura económica que estrangula o povo e o país se juntam à vergonhosa lista dos mais de dois milhões de pobres que já existiam em Portugal antes de famosa crise do capitalismo.

No entanto, o OGE que o PS e o PSD cozinharam, isenta de imposto os lucros dos accionistas que detenham mais de 10% do capital das empresas. Em números redondos, vão à vida, como se costuma dizer, mais de 818 milhões de euros em impostos. E ao mesmo tempo que se cortam 1.432 milhões de euros nos salários de 350 mil trabalhadores da Administração Central, e se congelam os salários dos restantes, orçamentam-se mais 440 milhões de euros para a contratação de trabalhadores com vínculo precário.

Se tudo isto já era escandaloso, a situação ultrapassa todos os limites quando se verifica que o OGE do PS e do PSD prevê mais de 30 milhões de euros para despesas de representação, o que constitui um aumento de 20% em relação ao OGE de 2010. Só a Presidência do Conselho de Ministros vai comer cerca de 1.500.000 euros. Quando se reduzem os salários aos trabalhadores da Função Pública, o governo aumenta, desta maneira, os vencimentos dos governantes e das chefias, com o fim óbvio de os compensar dos cortes nos vencimentos. Que bela moral, a destes extraordinários ilusionistas!

Mas há mais! Enquanto rouba 1.432 milhões de euros nos salários da Administração Pública, o governo orçamenta para 2011, com o silêncio do PSD, praticamente o mesmo valor (1.317 milhões de euros) para a aquisição de serviços a privados, tais como estudos, pareceres, projectos e consultadoria, assistência técnica, trabalhos especializados e publicidade. Só em publicidade, o aumento, em relação a 2010, é de 32,9%. Tendo em atenção que muitos destes serviços poderiam ser executados por trabalhadores da função pública com competências para o efeito, sem dúvida que a finalidade é entregar a certas empresas privadas, com ligações íntimas ao Largo do Rato, como é hábito, belos e chorudos negócios.

Entretanto, mais 336 trabalhadores da empresa Groundforce, ligada à TAP, vão dar com os ossos no desemprego. Porquê? Simples: é que foi criada uma empresa concorrente, chamada Portway, ligada à ANA – Aeroportos e Navegação Aérea, que beneficia de melhores condições de exploração e, por isso, cobra taxas mais baixas às companhias aéreas. Porque é que foi criada uma empresa ligado ao Estado, através da ANA, para destruir outra empresa ligada ao Estado, através da TAP?

Quando soubermos quem são os administradores da Portway – e as suas ligações partidárias – teremos, certamente, a resposta a esta intrigante pergunta.

Entrementes, fala-se de um governo de salvação nacional, com PS, PSD e uma adjacência chamada CDS/PP.

Deixem-me rir. Com os mesmos? Só se for para acabar com o resto!


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 17/11/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

O BANDO COR-DE-ROSA

...
Passo Coelho sugeriu – não sei se a sério, se para indígena ouvir – que os políticos fossem responsabilizados, civil e criminalmente, pelas decisões que tomam e que se revelem lesivas para a economia do país. Estou de acordo. Quem não está, claro, é o Partido Socialista. São muitas – e grandes – as suas culpas no cartório. O PS é o principal responsável – embora não seja o único – pela situação trágica de milhões de portugueses, pelo descalabro financeiro, social e moral do país. Muita gente ficou na miséria em virtude das suas criminosas políticas, que mais não visavam que reconstituir os grandes grupos económicos desaparecidos com o 25 de Abril, à custa dos bolsos – do estômago e da saúde – dos portugueses. Morreu gente em consequência, directa ou indirecta, dessas políticas, que não aconteceram por ignorância ou descuido, mas por consciente opção ideológica. De classe.

Se os dias que correm têm alguma virtude, é permitir que assistamos, às claras e sem margem para dúvidas, ao saque desbragado dos salários e pensões, enquanto se deixam incólumes os lucros fabulosos dos grandes accionistas de empresas que, devido ao que facturam aos portugueses, atingem verbas astronómicas. Para o PS – e, convenhamos, para o PSD e para o CDS/PP – os lucros dos grandes accionistas são legítimos e sagrados, por isso são intocáveis, mas os salários e as pensões nada terão de legítimos, sagrados e, consequentemente, de intocáveis. Não estamos, neste caso concreto, perante uma chapada imbecilidade – embora pareça. Estamos, isso sim, perante uma consciente e claríssima decisão política, (opção ideológica não confessada aos portugueses aquando das campanhas eleitorais) tomada em favor dos muito ricos e, naturalmente, à custa dos pobres e remediados.

Não tenho dúvidas. Esta gente deve ser responsabilizada pelos resultados das suas opções, pelo sofrimento que provocam em milhões de portugueses, pelas consequências que a miséria produz a todos os níveis – a criminalidade e a violência são, apenas, duas delas – pelas mortes que de tudo isto resultam. Não nos podemos esquecer que, em Portugal, se morre por falta de assistência médica e medicamentosa, por desnutrição, e que o abandono e a desesperança levam muitos ao suicídio. O desmoronamento da coesão social desfaz, literalmente, o país. Aos jovens resta a casa dos pais e trabalhos de ocasião, temporários e mal pagos. Constituir família deixou de ser um objectivo. Ter filhos, é uma miragem perigosa. Portugal já não é um beco sem saída. É, para quem não pode emigrar, um autêntico gueto.

Suponho que Passos Coelho não falou a sério, não fosse acontecer ir à lã e sair tosquiado. Mas, mesmo assim, o PS deixou claro o seu pânico perante tal hipótese. O medo de ser responsabilizado pelos seus crimes – e são muitos – tira o sono ao bando cor-de-rosa.

Para mim, já seria bom que os portugueses se lembrassem que o PS é o partido dos Abílios Curtos, dos Melancias, das Fátimas Felgueiras e dos Monterrosos. É o partido dos Varas, Pedrosos, Rittos, Ricardos Rodrigues e Sócrates. E dos Soares, claro. É o partido da UNI, do Aeroporto de Macau, do Freeport, da Face Oculta e do Magalhães. É o partido das Fundações e dos boys e das girls às paletes. Assemelha-se – caso não seja – a um bando de malfeitores.

Mas é este PS, que obrigou a magistratura e os funcionários públicos a sujeitarem-se ao peso da responsabilidade civil, levando-os ao pagamento de enormes indemnizações em casos de queixas que os responsabilizem, que diz que só aceita pagar os seus crimes com votos.

Pudera! Eles sabem que o que disse Guerra Junqueiro, há 114 anos, continua válido: Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas.

Com um povo assim, a malandragem canta de galo.



(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/11/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

ALELUIA!

...
O país respirou de alívio. Depois de negociações verdadeiramente dramáticas, o OGE vai passar. Muito obrigado, PS, Obrigadíssimo, PSD. Com este OGE, Portugal vai salvar-se da bancarrota, reconquistar o prestígio internacional e abrir o caminho a um futuro finalmente radioso. Ou, pelo menos, tranquilo e estável. A crise foi vencida. Aleluia!

Não houve retrato de família, com Sócrates e Passos Coelho ao centro – ou a dançar o tango – mas houve, mais singelamente, uma linda foto de Eduardo Catroga e Teixeira dos Santos, recolhida pelo telemóvel do antigo ministro das finanças, onde se fixa para o posteridade o momento histórico, quiçá o mais relevante da história contemporânea, logo a seguir ao segundo lugar da selecção nacional no Euro 2004. Comovente. Eu próprio, que sou um verdadeiro pedregulho, chorei que nem uma Madalena.

Apenas me ficou uma dúvida. Se toda a gente detinha – dos governantes actuais aos governantes passados, como é o caso do mesmo senhor Catroga – as receitas para salvar o país e transformá-lo, pelo menos, numa coisa menos fétida, porque se deixou chegar o doente ao estado a que chegou? Desconfio que nenhum destes sábios salvadores da pátria sabe a resposta. Ou, se a sabe – o que é mais certo – prefere guardar um prudente silêncio.

Falemos, então, do futuro que nos espera com o novo OGE – e desculpem qualquer coisinha, mas não sou catedrático em finanças, como os senhores Catroga e Teixeira dos Santos:

Em primeiro lugar, o défice vai ser reduzido porque os portugueses que trabalham – e ganham cerca de metade do que ganham os trabalhadores da Zona Euro – vão ganhar ainda menos.

Em segundo lugar, porque os gestores portugueses, que ganham mais 32% do que os americanos, mais 22,5% do que os franceses, mais 55 % do que os finlandeses e mais 56,5% do que os suecos, vão continuar assim.

Em terceiro lugar, porque o desemprego vai aumentar, a fome também, as dívidas vão acumular-se, o crédito malparado vai disparar, as falências upa, upa, a economia definhará, a violência e a insegurança escalarão para níveis insuportáveis em consequência da miséria galopante, e todos os indicadores económicos e sociais cairão a pique. Tudo coisas menores.

Em quarto lugar, porque muitos idosos e pessoas com graves problemas de saúde serão dispensadas de viver mais tempo do que aquele que lhes estava destinado, o que significará uma poupança significativa para os cofres do Estado. E, em termos estatísticos, uma acentuada melhoria no que respeita à saúde dos portugueses e ao progressivo envelhecimento da população. Menos doentes, menos velhos – e sem recorrer a câmaras de gás.

Em quinto lugar, porque os jovens abandonarão mais cedo os seus estudos, transformando-se em mão-de-obra barata e acessível para todos os tipos de trabalho e para os horários que, a bem da economia, lhes forem impostos.

Parabéns, PS. Parabéns, PSD. Um país roto e faminto, mas grato pela vossa competência, agradece o esforço. E até acha que não merecia tanto.

Chocalham de riso os ossos de Salazar. Mas isso só os mais velhos ouvem.
...

(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 03/11/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.
...