sexta-feira, 11 de janeiro de 2013


Não há dinheiro?

Ai há dinheiro, há!

 Farsa - ou tragédia - em três actos

 
 
Acto I

Governo

- Não há dinheiro para nada. É a penúria geral, completa, absoluta. O país andou a viver acima das suas possibilidades. Agora, aguenta! Passa para cá parte do ganhas, e repara que não sei se vai chegar. Também é preciso que pagues mais impostos, mais taxas, mais tarifas. Ah, é verdade: vais pagar mais caro tudo aquilo que compras, da luz ao gás, dos livros à operação, dos transportes aos sapatos. Tudo te vai ficar mais caro: a saúde, a educação, a justiça. Olha: estares vivo vai custar-te um dinheirão. Nestas condições, até não seria má ideia, caso já tenhas uma certa idade e não possas trabalhar, desistires de respirar. Evita ir ao médico, evita dar despesas ao Estado. Abrevia a tua improdutiva e dispendiosa existência. Repito: não há dinheiro para nada. Mesmo as pensões, as reformazitas que pagaste ao longo de toda a vida, estão cada vez mais tem-te-não-caias. Dá lugar aos novos. Dá lugar àqueles que já meteram na cabeça que a vida é mesmo assim, que ninguém tem direito a nada. Que nem fazem ideia do que é essa treta dos Direitos Humanos. Nem, sequer, humanidade. Aqueles que se contentam com um telemóvel para trocarem mensagens.

Acto II

- Ó Vítor, para que é que queres mil e cem milhões de euros?

- Para quê, ó Pedro? Então para que havia de ser? Para meter no Banif.

- Mas o Banif vale isso?

- Não. Vale cerca de metade.

- Então, porque é que não mandamos a Caixa Geral de Depósitos comprar o Banif por metade desses mil e cem milhões de euros?

- Schiuu. Fala baixo. Às vezes dão-te brancas perigosíssimas. Se a Troika te ouve, perdes logo a confiança dos Mercados e dos Investidores. E se o Grupo Bilderberg sabe que pensaste uma coisa dessas, ficas queimado para o resto da vida. Cuida do teu futuro, pá.

- Pois, tens razão. Mas não vai acontecer como aconteceu no BPN? Olha que o buraco ali pode chegar aos sete mil milhões!

- E depois? Duvidas que a malta aguente? Olha, o Fernando Ulrich é que disse bem: Ai aguenta, aguenta!

- Mas até os nossos estão a resmungar. Olha o Mota Amaral…

- Deixa-te disso. O contribuinte existe para contribuir. Na propriedade privada, especialmente nas instituições financeiras, não se toca. São sagradas. São o pilar-mestre da democracia.

- E o que é que o Banif vai fazer com esses mil e cem milhões de euros?

- Para já, vai gastar grande parte a comprar dívida do Estado.

- Ai é? Vai comprar dívida do Estado com dinheiro do Estado?

- Vai.

- Mas isso não o mesmo que nós comprarmos a nossa própria dívida?

- O mesmo não é. Porque se nós comprássemos a nossa própria dívida, ninguém ganhava nada com isso.

- Bem pensado, ó Vítor. És mesmo um génio!

Acto III

O buraco do BPN equivale ao que o governo quer cortar no Estado Social. Mas pode ser o dobro disso, pois há mais de três mil milhões de dívidas praticamente incobráveis. Depois, e só na última década, os três maiores bancos privados tiveram lucros superiores a quatro mil milhões de euros. Mas, coitados, precisam de ser recapitalizados. Para além disso, quando deixaram de comprar títulos de dívida pública, forçaram a vinda da Troika. Agora, já lhes convém comprar títulos de dívida pública, pois é à pala deles que conseguem financiamentos junto do Banco Central Europeu a 1%, cobrando, depois, mais 3 ou 4% ao Estado.

Por outras palavras: sacrifica-se o Povo no altar dos senhores banqueiros.

Não há dinheiro? Ai há, há.

 

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013



Não se pode financiar o Estado Social?

Ai pode, pode! 


O ministro das Finanças disse que não é possível financiar funções e prestações sociais do Estado que a sociedade não está disposta a pagar. Ao afirmar um disparate destes, sujeita-se o ministro a ser considerado uma de duas coisas: um enorme atrasado mental; ou um grandessíssimo patife. Apesar das muitas e caridosas opiniões em contrário, opto pela segunda possibilidade. Não só é falso que a sociedade não esteja disposta a pagar o Estado Social, como é verdadeiro que sempre o esteve a pagar. E a pagar bem.

O que acontece – e disso, sim, se pode culpar a sociedade - é que são escolhidos governantes que são inimigos declarados do Estado Social. Gente que considera que TUDO, mas absolutamente TUDO, deve ser fonte de lucro para as entidades privadas. Ou que NADA, mas absolutamente NADA, do nascimento à morte de uma pessoa, poderá deixará de constituir um negócio para os grandes interesses económicos.

O ser humano é, neste contexto, algo que tem três obrigações inquestionáveis ao longo da vida:

1 - produzir riqueza para a sua entidade patronal, nos termos que mais convier a esta;

2 - pagar impostos sobre os rendimentos que obtiver;

3 - suportar todos os custos com a satisfação das suas necessidades, sejam elas de que natureza forem. Como se nunca tivesse trabalhado nem cumprido as suas obrigações fiscais.

Esta é a sociedade ideal do ponto de vista do neoliberalismo. Tudo o que está a acontecer em Portugal resulta da grande ofensiva que, a nível planetário, o capital financeiro está a desenvolver para, literalmente, tomar posse de toda a humanidade.

Quando Gaspar diz que «não é possível financiar funções e prestações do Estado que a mesma sociedade que deseja ter essas funções e prestações não está disposta a pagar», omite, descaradamente, que a sociedade portuguesa, através dos impostos que paga, mais que garante o financiamento dessas mesmas funções e prestações. E omite que os governos – todos eles – é que, por má gestão, frequentemente dolosa, delapidaram o erário público, esvaindo os cofres do Estado em tortuosos esquemas de corrupção e enriquecimento ilícito (casos das PPP), na resolução de fraudes astronómicas (caso do BPN), em despesismo nu e cru (novos estádios de Futebol, Centro Cultural de Belém, Expo 98) e na amamentação de uma gigantesca rede de amiguismo e favorecimentos (a imensa teia milhares e milhares de boys e girls), onde se destacam, ainda, as vantagens e mordomias diversas que o poder político estabelece para si próprio, enquanto nega ou restringe os mais básicos direitos sociais a quem, por via dos seus impostos, os deveria ter garantidos. Ou seja: o poder político desvia do Estado Social as verbas que espalha, depois, pelos grandes interesses financeiros e no financiamento da opulência que decidiu ser privilégio da classe política e respectivos pajens.

E quando Gaspar diz que o financiamento do Estado Social «não é exclusivamente um problema económico e financeiro, é fundamentalmente um problema político», está a dizer, sem querer, uma grande verdade. Orçamentar verbas e geri-las é, de facto, um problema político. Aquilo que a sociedade portuguesa paga em impostos só não dá para pagar o Estado Social se o governo não orçamentar o necessário para o efeito e, essencialmente, se não gerir as contas do Estado de acordo com a perspectiva política de que o fundamental não é pôr os cidadãos a pagar os crimes de bandos de criminosos – sendo alguns desses criminosos altas figuras da classe política – tal como não o é estabelecer conluios com grandes grupos empresariais , de que resulta o esvaimento dos dinheiros públicos. O fundamental – isso sim - é garantir o direito à Saúde, à Educação, à protecção na velhice e no desemprego.

E isto a sociedade paga. Acontece é que o governo rouba à sociedade aquilo que ela comprou. Pagando a pronto.