segunda-feira, 27 de julho de 2009

PARLAMENTO – UM SANTO ALTAR

Um conhecido activista dos direitos dos homossexuais, chamado Miguel Vale de Almeida, esteve, até há pouco, encostadinho ao Bloco de Esquerda. Homossexual assumido e orgulhoso daquilo a que chama opção (coisa discutível, pois parece-me que tudo se resume a uma embaraço biológico e não a uma qualquer opção, já que opção implica uma escolha consciente e praticável entre, pelo menos, duas possibilidades), passou os últimos anos a desancar ferozmente o PS e os seus dirigentes. Disse deles o que um feirante assanhado não diz dos inspectores da ASAE. Agora, aceitou integrar as listas de candidatos do PS às legislativas. Traindo os bloquistas e concubinando-se com os seus antigos inimigos de estimação, a cujo piscar de olho maroto não conseguiu resistir, Vale de Almeida caiu, literalmente, nos braços de Sócrates. Enfim, La donna è mobile. Que sejam muito felizes, apesar de os dois terem ficado mal nesta fotografia nupcial. Mas que fazer? Nos últimos tempos o PS não acerta uma…

Ainda na senda das modernices, a Assembleia da República exaltou-se com as petições que ali chegaram, ao abrigo de um direito (por enquanto…) constitucional, especialmente com uma petição que pedia a suspensão da lei do aborto. Não exactamente pelo pedido em si próprio, mas pela linguagem utilizada. Não gostaram os senhores deputados – especialmente uma inflamada deputada do PS – que os cidadãos peticionários se atrevessem a chamar-lhes irresponsáveis e outras evidências, pois a Assembleia da República, como todos estamos fartos de saber, é um altar de santos imaculados. Santos e sábios. Sábios e trabalhadores. Trabalhadores e assíduos. Assíduos e competentes. Competentes e responsáveis. Responsáveis e eficazes. Especialmente eficazes.

É por serem tudo isto, que passam o seu tempo, de forma diligente, descomprometida, objectiva e solidária, a resolver – ou a obrigar o governo a resolver – os magnos problemas nacionais. Foi graças ao esforço destes briosos rapazes e raparigas, damas e cavalheiros – e espécies híbridas – que no Parlamento de desunham em intenso labor, que o desemprego desapareceu, que os ordenados e pensões foram fixados em níveis compatíveis com a dignidade inerente a qualquer ser humano e que se esfumaram os mais de dois milhões de pobres que aviltavam a nossa esplendorosa democracia. Foi graças a eles e à sua consabida responsabilidade e alto sentido dos deveres dos deputados, que os grandes vigaristas e pedófilos da nossa praça foram todos detidos, as forças de segurança prestigiadas, o inepto que governava o Banco de Portugal substituído por um indivíduo medianamente competente e que tem, pelo menos, um olho.

Deve-se, pois, a este grupo de sapientes e doutas criaturas, unidas na ingente tarefa de levantar hoje, de novo, o esplendor de Portugal, que o nosso país seja um caso de respeito no contexto europeu e um exemplo de como uma nação sem grandes recursos pode andar por aí de cara lavada e espinha direita. Que não seja uma anedota ou uma excrescência.

É graças a eles, enfim, que os governos emanados desta respeitável e santa casa, a Assembleia da República, conseguem ser eficientes e produtivos, pois os rapazes e raparigas, damas e cavalheiros – e produtos similares – que resfolgam de canseira nos estofos do hemiciclo, não os deixam pôr o pé em ramo verde, e logo cortam pela raiz qualquer iniciativa que não corresponda ao interesse nacional. Nada lhes escapa do que o governo faz ou queira fazer, seja coisa linear, seja de carácter duvidoso ou seja, sem a menor dúvida, uma pulhice descomunal.

Por isso, nada de tratar a Casa Mãe da nossa honrada democracia como uma casa de alterne ou um bordel, pois se o fosse nunca lá entraria, para confraternizar com deputados, alguém como o senhor Jorge Nuno Pinto da Costa. Ele é, só por si, um aval à respeitabilidade do Parlamento. Disse-o antes; repito-o agora com redobrada convicção.

Por isso, a Assembleia da República é o nosso sol. A nossa água. O nosso ar. O nosso porto de abrigo em tempo de borrasca, como essa crise que por aí anda. Ali, com ordenados miseráveis, reformas ainda piores, horários extensíssimos, disciplina férrea, assiduidade inquestionável, os rapazes e raparigas, as damas e os cavalheiros – e os deputados de outras espécies – que nós elegemos, não sossegam enquanto houver um único problema a afligir um português que seja.

É vê-los e ouvi-los, sempre que a televisão nos oferece aspectos do seu labor, como discutem os problemas com objectividade, sem se perderem em conversa fiada e discussões estéreis, sem risinhos parvos ou apartes de humor duvidoso, sem o menor galhofar circense. Pondo de lado eventuais interesses pessoais ou de grupo, apenas e unicamente atentos ao bem público, o que fazem – benza-os deus! – fazem-no com toda a elevação e mérito. Vê-se como só o país lhes interessa. E como só o povo povoa os seus pensamentos.

E de todo o manancial de benfeitorias que a legislatura agora terminada nos trouxe, quero saudar a mais fundamental para a felicidade dos portugueses, aquela que todos nós queríamos ver resolvida antes de qualquer outra. A Lei do Aborto. Peço perdão pela brutalidade da expressão, perfeitamente inadequada no caso em apreço. Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez. Assim é que se diz. O aborto é uma coisa brutal, bárbara, indigna. A interrupção voluntária da gravidez é uma coisa completamente diferente. É o mais sublime dos direitos humanos, o mais civilizacional avanço social e a peça que faltava para dignificar a mulher, colocando-a, definitivamente, em pé de igualdade com o homem.

E como já temos resolvidos todos os outros problemas, tais como o desemprego, a política de rendimentos e a distribuição da riqueza – as desigualdades sociais, em suma – as questões da segurança social, com a abolição das pensões infames, ou os velhos problemas da educação, da segurança pública, da saúde, da habitação e da cultura, faltam agora duas cerejas em cima deste festivo e glorioso bolo: o casamento entre indivíduos do mesmo sexo, e a lei da eutanásia. Mal os nossos responsáveis parlamentares resolvam estas duas magnas questões, faremos roer de inveja qualquer país do mundo.

E se me for permitido, só peço uma coisa. Não. Não vou pedir que os senhores deputados sejam sempre – e obrigatoriamente – convidados para todas as uniões gays que se realizarem no nosso país, salvo, claro está, se o enlace for mesmo entre parlamentares.

O que peço é que sejam eles próprios, responsavelmente, a testar a lei da eutanásia.

Não é que eu seja contra a morte assistida. Era só para nós, contribuintes, termos a certeza de que a coisa funcionava...

(João Carlos Pereira)


Crónica das “Provocações” da Rádio Baía em 29/07/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

quarta-feira, 22 de julho de 2009

A CLOACA DA NACIONAL-DEMOCRACIA

No tempo da ditadura, e durante muitos anos, houve um só canal de televisão. As emissões, inicialmente, abriam às 20 horas e encerravam antes da meia-noite. Aos sábados e aos domingos, se bem me lembro, o horário era um pouco mais alargado. E, como é sabido, havia a Censura. Todos os conteúdos – mas todos – eram ferreamente controlados pelos coronéis da tesoura e do lápis azul. Nada se emitia que não agradasse ao senhor de Santa Comba Dão. O regime era acusado de ser obscurantista, de querer manter os portugueses na ignorância, de não privilegiar a cultura como bem de consumo geral e comum.

Porém, guardo desses anos da minha juventude recordações inapagáveis de certos programas televisivos que, sem a menor dúvida, contribuíram para construir o homem que sou hoje. Muito do que tenho de melhor nasceu do que vi e ouvi, nessa altura, entre as 9 e as 11 da noite, no pequeno ecrã a preto e branco. Nasceu das sementes que alguns desses programas lançavam e que germinaram no meu espírito, abrindo-o para valores culturais e estéticos que se tornaram parte integrante de mim.

E – volto a referi-lo – na altura, o tempo de emissão era reduzidíssimo e só havia um canal. Isto quer dizer que o chamado horário nobre de hoje corresponde, praticamente, à totalidade do horário de então. Tudo era, nessa altura, horário nobre.

Mas que maravilhas, nesse caso, apresentava a terrível e paupérrima televisão fascista, a pontos de um homem antifascista, como me prezo de ser, vir aqui louvá-las?, pensarão os incrédulos ouvintes. Começo por dizer que, sendo antifascista, tento ser lúcido e honesto comigo e com os outros, ainda que isso me possa valer algumas sobrancelhas franzidas e, mesmo, algumas cuspidelas alvares. E é precisamente por tentar ser lúcido e honesto que sei que nenhum regime, seja ele qual for, só produz coisas boas, ou coisas más. Se a democracia é, por assim dizer, o oposto do fascismo, devemos concluir que tudo o que ela dá à luz é maravilhoso? Será que a democracia só produz prodígios? Que os democratas não roubam, não corrompem, não mentem, não censuram? Que os democratas são paradigmas de inteligência, de devoção à causa pública, de méritos e virtudes intocáveis? Sabemos que não, e o recente consulado de Sócrates é bem a prova disso. Nem nos tempos do fascismo me lembro de ter sido governado por trapalhões maiores, por gente tão sem escrúpulos, por trapaceiros tão assumidos, por mentes tão retorcidas e tão sem mérito. Por seres menores, a que só os turvos meandros partidários conseguiram dar relevo.

Digo isto em elogio ao fascismo? Não! Digo isto como um libelo a esta falsa democracia, que outra coisa não é para além de um coito de saqueadores de tudo o que o povo produz, espalhados por tudo o que é estrutura democrática ou edifício financeiro, dos bancos às autarquias, dos governos aos grandes empreiteiros.

Digo isto, porque é preciso compreender que a televisão dos tempos do fascismo não era só um caixote de coisas pútridas e nefandas, de pura manipulação ideológica. E digo mais, sem medo de morder a língua ou que me chamem mentiroso. Não existe hoje, na nossa televisão, em horário nobre, em qualquer canal que eu conheça, nenhum programa de índole cultural e carácter formativo como os que eu, avidamente, consumia nos tempos da outra senhora. Querem exemplos, querem? Aqui vão eles.

Entre 1958 e 1961, em pleno salazarismo, havia um programa que ainda hoje é considerado um dos melhores de sempre. Chamava-se Charlas Linguísticas, e era produzido e apresentado pelo padre Raul Machado. De forma simples e cativante, Raul Machado limitava-se a ensinar os portugueses a dizer e a escrever. Com ele – ao ouvi-lo – milhares de portugueses aprenderam a expressar-se melhor e adquiriram gosto pela língua materna. Falar, ler e escrever deixou de ser uma confusão ou um suplício, para começar a ser um prazer e um hábito. Com Raul Machado se consolidou o meu gosto pela palavra escrita e falada. Existe algo parecido hoje em dia? E não me digam que não é preciso, pois eu bem vejo o português que por aí se fala e escreve, a começar pelos próprios locutores e escrevinhadores de textos para a TV.

E de João Villaret, alguém ouviu falar? Pois este actor, declamador e encenador português, aparecia, aos domingos, em horário nobre – pois claro – falando de poesia e de poetas, de teatro e de actores, contando-nos histórias pitorescas desse mundo, declamando os nossos maiores poetas, com um saber, uma graça e uma capacidade de comunicação que já não se usa. Tudo isto nos anos 50, vejam bem…

Mas havia mais. Falo-vos, agora, de um escritor e professor universitário que se licenciou em Filologia Românica, em 1951. Foi professor do ensino técnico e do ensino liceal e, em 1957, iniciou a sua carreira de professor universitário na Faculdade de Letras de Lisboa, actividade da qual foi afastado, por motivos políticos, entre 1963 e 1970. No entanto, manteve, nos anos 60, programas culturais de rádio e televisão. Lembro-me do prazer que era vê-lo e ouvi-lo falar-nos de literatura e de outros temas culturais, sempre com uma capacidade de comunicação invulgar, fazendo de cada programa um oásis de tranquila emoção, findo o qual nos sentíamos melhor apetrechados para entender a vida. Querem o nome? Ele aqui vai: David Mourão-Ferreira.

Deixemos a língua portuguesa e a literatura, e passemos a uma linguagem mais universal. Sabem a que devo, em grande parte, a minha paixão pela grande música? A um homem chamado João de Freitas Branco. Foi um dos nossos maiores musicólogos. Com 22 anos, iniciou funções de assistente de programas musicais na Emissora Nacional. Tendo concluído nesse mesmo ano a Licenciatura em Ciências Matemáticas, participou no grupo de investigação matemática dirigido por Rui Luís Gomes. Em 1948 fez parte do grupo que fundou a Juventude Musical Portuguesa. Em 1956 criou o programa de rádio O Gosto pela Música, na Emissora Nacional, que durou 29 anos, sem interrupção. Aparecia na RTP falando sobre a grande música, explicando-a, como quem nos oferece um bem de valor incalculável. A sua presença amiga, serena e de irradiante simpatia, era esperada, todas as semanas, como a de um amigo muito estimado.

Ainda sobre música, tínhamos as gravações dos Concertos para jovens, de Leonard Bernstein, dissecando os segredos da música e tornando-a compreensível – e apetecível – para todos. Novos e velhos.

Outro programa que nunca perdia, chamava-se António Pedro fala sobre teatro. Quem foi António Pedro? Dizia que era uma alma irrequieta em busca do Teatro. Começou por ser director do Teatro Apolo (Lisboa), mas o seu envolvimento completo com a actividade teatral revelou-se no Teatro Experimental do Porto, como director, além de dramaturgo e figurinista, tendo-se tornado, na acepção moderna do termo, o primeiro encenador português. Aparecia semanalmente na RTP desbravando os segredos e as curiosidades da arte teatral, alargando os nossos horizontes culturais e, acima de tudo – tal como os outros nomes que já aqui citei – criando em nós o gosto pelo conhecimento, pela comunicação e pela necessidade de aprendermos sempre – e cada vez mais.

Não posso sair desta viagem pelo passado sem me referir a outra grande figura da RTP de antes de 25 de Abril. Não digo a maior – porque, para mim, todos se equivaleram na capacidade de me dar algo que fez de mim alguém melhor – mas aquela que se destacou pela sua peculiar forma de comunicar. Vitorino Nemésio e o seu inesquecível Se bem me lembro. Ele começava a falar e nós calávamo-nos. Embarcávamos com ele num tempo e num espaço de pura magia, fosse pela história ou situação relatadas, fosse pela forma de dizer, fosse pelos locais aonde nos conduzia.

Se bem me lembro, estes foram os melhores programas que alguma vez a televisão me ofereceu.

E o que temos hoje, 24 horas por dia? A estupidificação absoluta. A alienação total. A alarvice completa. A imbecilidade a cores, aos saltos e aos gritinhos. A pimbalhada como instrumento cultural. As gargalhadas idiotas por cada idiotice que se vomita. As coxas e os seios das sirigaitas que apresentam as barafundas, servidos em doses industriais, no meio de sorrisos de plástico e piadas lorpas. Os concursos patetas, mal copiados dos estrangeiros, apresentados por uns tipos muito galhofeiros, sempre de dentolas à mostra, convencidos de que são as estrelas da companhia Os serviços informativos ao serviço de sua excelência, o presidente do concelho em funções, tal como antigamente. E, tal como antigamente, a apologia do primado do capital sobre o trabalho. E muito futebol. E muitos filmes com muitas bombas, cataclismos, sangue, pornografia e outras orgias afins, sejam de sexo sejam de destruição em massa. E mais pernas e seios e sexo. E carros pelos ares, no meio de perseguições sempre iguais. E tudo isto entremeado com mais pimbas, que é uma coisa feita de música quadrada, a martelo, com letras ridículas, lamechas e pirosas. E mais risos e gritinhos e piadas obtusas, a que só eles acham graça. Eles e o público contratado para dar uns uivos lá atrás, como agora se usa muito.

E, para compor o quadro, painéis de comentadores escolhidos a dedo, para nos explicarem que este é o melhor dos mundos. Ou seja: para que aceitemos, de cara alegre o programa de estupidificação em curso.

Então, se os «outros» eram obscurantistas, inimigos do saber e da cultura, e por aí fora – e eram – «estes» são o quê? Vá, digam-me lá o que são estes.

Não sei como acabar isto sem um enorme palavrão. Não o digo, mas estou a pensá-lo. Pensem-no vocês também.

E por aqui me fico.

(João Carlos Pereira)


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 22/07/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

domingo, 19 de julho de 2009

DON CORLEONE

Qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência. Será?

quarta-feira, 15 de julho de 2009

DE MADOFF E DOS MADOFFEZINHOS

Um norte-americano chamado Bernard Madoff, autor de uma gigantesca fraude financeira, foi detido e julgado em poucos meses. Cumpriria 150 anos de prisão efectiva, se a tanto lhe chegasse a vida. Não chega. Mas vai passar os anos que lhe restam atrás das grades. Consta que ao recusar recorrer da sentença, Madoff explicou que não valeria a pena, pois o recurso não seria apreciado em Portugal, onde os vários Madoffezinhos cantam de galo, e mesmo o que está detido vai ser posto em liberdade brevemente, já que o xadrez é apenas para arraia-miúda.

Por cá, realmente, mandam os padrinhos instalados na classe política e nos gabinetes do grande capital financeiro. Até um senhor chamado Vítor Constâncio, que deveria ter percebido as fraudes de muitos milhões de euros, há vários anos em curso em três bancos nacionais – o BCP, o BPP e o BPN – nada viu, nada ouviu e nada percebeu do que se estava a passar. Arrogante, e com as costas quentes pela rapaziada socialista, insultou deputados que o inquiriam, mas viu, como já se esperava, o inquérito parlamentar à sua incompetência – pelo menos… – dar em águas de bacalhau. Se a maioria socialista não servir para ajudar os camaradas – especialmente aqueles que a ajudam – então serve para quê? Resumindo: somos o paraíso dos ladrões de colarinho branco, dos corruptos e dos incompetentes. Condição essencial: estar bem encostado partidariamente.

Mesmo a propósito: o juiz Carlos Alexandre, responsável pelos mais quentes e mediáticos processos em curso – que vão do caso BPN ao gang do Multibanco, e que tem à sua guarda matéria incriminatória e probatória da casos como a Operação Furacão e o escaldante processo Freeport – tem o seu gabinete exposto aos olhares de quem passa no novíssimo Parque da Justiça. Isto é: o juiz trabalha numa bela montra, de vidro amplo, ao alcance dos olhares inocentes do mais pacato cidadão, mas também da objectiva oportuna de um fotógrafo. Ou, eventualmente, de alguém disposto a qualquer coisa menos pacífica. Da pedra, ao míssil. Quem colocou ali o juiz? E com que objectivos? Foi apenas alguém muito estúpido? Ou foi alguém, apenas, muito inteligente. Face a situação tão aberrante, posso pensar o que quiser.

Continuando na área da Justiça, a mulher que matou o filho recém-nascido, sufocando-o e escondendo o corpo numa arca congeladora, está em liberdade. Foi condenada com pena suspensa, devido a sofrer de perturbações mentais. É uma boa decisão, se pensarmos que matar um filho antes de nascer, mesmo que a mulher esteja de perfeita saúde física e mental, deixou de ser crime. Deixou mesmo de ser condenável. Passou a ser um direito. Felizmente, estamos a sair da barbárie nalguma coisa.

Também na Saúde as coisas vão de vento em popa. Mais de 300 doentes oncológicos morreram antes de serem submetidos à operação de que estavam à espera. Há que gerir orçamentos e, bem vistas as coisas, doentes destes já nada podem dar aos banqueiros, aos orçamentos do Estado e ao aparelho produtivo, no seu geral. Para além de que, morrendo, poupa-se nos tratamentos e nas pensões. E ainda há quem diga que o governo é incompetente…

Continuemos na Saúde. Uma ouvinte nossa, daquelas que, por timidez, nunca entram em linha, contou-me o seguinte. Tem 67 anos de idade e é pensionista por invalidez, auferindo uma pensão de 299,49 euros. Tem várias doenças, próprias da idade e de uma vida bem sofrida, pelo que parte da sua pensão fica na farmácia. Recentemente, o seu médico receitou-lhe um medicamento, chamado Idecortex, destinado a tratar as sequelas de enfarte, hemorragia ou arteriosclerose cerebrais. Acontece que este medicamento, à semelhança de um número cada vez maior de muitos outros, não é comparticipado, pelo que esta vítima de Sócrates e comandita pagou 43,94 euros (15% da sua pensão) pela embalagem. Não sei se existe no mercado outro medicamento, comparticipado, para os mesmos fins. Sei – isso sim – é que se o médico lhe receitou este medicamento é porque, no seu entender, ele é necessário para a saúde da doente. Não se trata de um produto de higiene, beleza, ou para fins supérfluos. Não se trata de um medicamento ou tratamento para reduzir ou aumentar os seios ou as nádegas, para eliminar a celulite, tirar rugas ou adelgaçar as coxas. Então, se o médico entendeu que este era o fármaco indicado para aquela doente e para as suas maleitas, porque não o comparticipa o Estado? Ou será que a sacrossanta liberdade de escolha, a santíssima concorrência e outras virtudes da economia de mercado não são de aplicação geral?

Falando em concorrência. A famosa Autoridade da Concorrência multou onze empresas de moagem por praticarem aumentos concertados nos preços das farinhas. Isto é: por cartelização. Nada a apontar, pelo contrário. Mas deixem-me fazer uma pergunta parva: será mais fácil de provar a prática de cartelização nas moageiras do que, por exemplo, nas petrolíferas? Deve ser. E das duas três: ou as moageiras não a sabem fazer; ou as petrolíferas são especialistas na matéria; ou a Autoridade da Concorrência só vê pelo olho que mais lhe convém. Uma coisa é certa: a marosca das moageiras rendeu, em multas, 9 milhões de euros ao Estado. E valeu aos portugueses pagarem o pão mais caro 30%. Feitas as contas, lá ficou o mexilhão, como sempre, com o rabo em brasa.

E assim vamos vivendo, num mar de rosas. E não se diga que o governo não se pauta por elevados princípios de transparência e virtude democrática. Pode ser uma virtude súbita, mas não deixa de ser virtude. Sócrates – lui-même – (perdoem-me o galicismo, mas hoje, como já perceberam, estou a tentar ser muito punhos de renda) decretou, com o poder próprio de qualquer Rei-Sol, que no PS não serão permitidas duplas candidaturas nas eleições que aí vêm. Isto é: quem for candidato às autárquicas não pode concorrer às legislativas. Fiquei desvanecido. E deliciado com o estrebuchar de alguns boys e girls, que já esfregavam as mãos na expectativa de dois tachitos. Mas lá vieram as más-línguas bramir que o «engenheiro» só mudou de prática depois do cartão laranja das Europeias. Que antes não pensava assim. E até lhe chamam hipócrita, coitadinho. Enfim, já não se pode tomar uma medida certa, mesmo que serôdia, de vez em quando…

Falando de dignificação da vida política, nada melhor para o efeito do que o habitual repasto de Pinto da Costa, impoluto e respeitável dirigente desportivo, com deputados da nação, na própria Assembleia da República. Tratando-se de pessoa de imaculado cadastro, de acção sempre pautada pela virtude e pelos mais elevados padrões do decoro e da decência – recorde-se, a propósito, a sua edificante vida privada – compreende-se que os senhores deputados queiram, através desta iniciativa, mostrar ao país e aos portugueses quem personifica os valores que os regem. Valores dos quais, aliás, eu nunca duvidei.

Para terminar. As televisões têm, agora, repórteres permanentes em Madrid, para nos servirem Cristiano Ronaldo ao pequeno-almoço, ao almoço, ao lanche e ao jantar. E, também, fora das refeições.

Ah! É verdade! Falta a gripe H1N1. Compre máscaras e as pílulas que aí vêm. Não morra da gripe. Se for doente oncológico, aí sim, morra à vontade. Depois, chamam-no para a operação…

(João Carlos Pereira)

Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 15/07/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

domingo, 12 de julho de 2009

MORRE O GOLPE OU MORREM AS CONSTITUIÇÕES

Os países da América Latina lutavam contra a pior crise financeira da história dentro duma relativa ordem institucional.

Quando o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, de viagem a Moscovo para abordar temas vitais em matéria de armas nucleares, declarava que o único presidente constitucional de Honduras era Manuel Zelaya, em Washington a extrema direita e os falcões faziam manobras para que ele negociasse o humilhante perdão pelas ilegalidades que os golpistas lhe atribuem.

Era óbvio que tal acto significaria diante dos seus e diante do mundo o seu desaparecimento do cenário político.

Está provado que quando Zelaya anunciou que regressaria no dia 5 de Julho, estava decidido a cumprir a sua promessa de partilhar com o seu povo a brutal repressão golpista.

Com o Presidente viajavam Miguel d´Escoto, presidente “pro tempore” da Assembleia-geral da ONU, e Patrícia Rodas, a chanceler de Honduras, bem como um jornalista de Telesur e outros, para um total de 9 pessoas. Zelaya manteve a sua decisão de aterrar. Sei que em pleno voo, quando se aproximava de Tegucigalpa, desde terra informaram-no a respeito das imagens de Telesur, no instante em que a enorme massa que o esperava no exterior do aeroporto, estava a ser atacada pelos militares com gases lacrimogéneos e fogo de armas automáticas.

A sua reacção imediata foi pedir altura para denunciar os factos por Telesur e demandar aos chefes daquela tropa que cessasse a repressão. Depois informou-os que procederia à aterragem. Então, o alto comando ordenou obstruir a pista. Em apenas uns segundos ficou obstruída por veículos de transporte motorizados.

Três vezes passou o Jet Falcon, a baixa altura, por cima do aeroporto. Os especialistas explicam que o momento mais tenso e perigoso para os pilotos é quando naves rápidas e de pouco porte, como a que conduzia o Presidente, reduzem a velocidade para fazer contacto com a pista. Por isso acho que foi audaz e valente aquela tentativa de regressar às Honduras.

Se desejavam julgá-lo por supostos delitos constitucionais, por quê não lhe permitiram aterrar?

Zelaya sabe que estava em jogo não só a Constituição de Honduras, mas também o direito dos povos da América Latina a eleger os seus governantes.

Honduras não é hoje apenas um país ocupado pelos golpistas, mas também um país ocupado pelas forças armadas dos Estados Unidos.

A base militar de Soto Cano, também conhecida pelo nome de Palmerola, localizada a menos de 100 quilómetros de Tegucigalpa, reactivada em 1981 sob a administração de Ronald Reagan, foi a utilizada pelo coronel Oliver North quando dirigiu a guerra suja contra a Nicarágua, e o Governo dos Estados Unidos dirigiu desde esse ponto os ataques contra os revolucionários salvadorenhos e guatemaltecos, o que custou dezenas de milhares de vidas.

Ali está a “Força de Tarefa Conjunta Bravo” dos Estados Unidos, integrada por elementos das três armas, que ocupa 85 por cento da área da base. Eva Golinger divulga o papel que tem essa base num artigo publicado no sítio digital “Rebelião” em 2 de Julho de 2009, intitulado “A base militar dos Estados Unidos em Honduras no centro do golpe”. Ela explica que “a Constituição de Honduras não permite legalmente a presença militar estrangeira no país. Um acordo ‘de mão entre Washington e Honduras autoriza a importante e estratégica presença das centenas de militares estado-unidenses na base, por um acordo ‘semi-permanente’. O acordo foi realizado em 1954 como parte da ajuda militar que os Estados Unidos ofereciam a Honduras… o terceiro país mais pobre do hemisfério.” Ela acrescenta que “…o acordo que permite a presença militar dos Estados Unidos no país centro-americano pode ser retirado sem aviso”.

Soto Cano é igualmente sede da Academia da Aviação de Honduras. Parte dos componentes da força de tarefa militar dos Estados Unidos está integrada por soldados hondurenhos.

Qual é o objectivo da base militar, dos aviões, dos helicópteros e da força de tarefa dos Estados Unidos em Honduras? Sem dúvida que serve unicamente para empregá-la na América Central. A luta contra o narcotráfico não requer dessas armas.

Se o presidente Manuel Zelaya não for reintegrado no seu cargo, uma onda de golpes de Estado ameaçará varrer muitos governos da América Latina, ou estes ficarão à mercê dos militares de extrema direita, educados na doutrina de segurança da Escola das Américas, especialista em torturas, na guerra psicológica e no terror. A autoridade de muitos governos civis na América Central e na América do Sul ficaria enfraquecida. Não estão muito distantes aqueles tempos tenebrosos. Os militares golpistas nem sequer emprestariam atenção à administração civil dos Estados Unidos. Pode ser muito negativo para um presidente que, como Barack Obama, deseja melhorar a imagem desse país. O Pentágono obedece formalmente ao poder civil. Ainda as legiões, como em Roma, não assumiram o comando do império.

Não seria compreensível que Zelaya admita agora manobras dilatórias que desgastariam as consideráveis forças sociais que o apoiam e só conduzem a um desgaste irreparável.

O Presidente ilegalmente derrubado não procura o poder, mas defende um princípio, e como disse Martí: “Um princípio justo do fundo de uma caverna pode mais do que um exército.



(Fidel Castro Ruz)
10 de Julho de 2009

quarta-feira, 8 de julho de 2009

E O CIRCO CONTINUA

A política é uma coisa espantosa. Pode ser um pântano, mas é um pântano espectacular. O que era ontem, deixou de ser num abrir e fechar de olhos. E onde nada havia, surgem, tiradas da manga ou da cartola, as coisas mais espantosas. A política é, na verdade, um espectáculo de ilusionismo, onde aparece e desaparece seja o que for sem que se perceba como aquilo é feito.

De repente, apareceu uma coisa chamada Fundação para as Comunicações Móveis, a que Paulo Rangel chamou Fundação Saco Azul. Na comunicação social já houve quem lhe chamasse offshore socialista. É uma pérola, parecida com a defunta Fundação para a Prevenção e Segurança (que ficou conhecida por Fundos para o PS), coisa tão descarada que, na altura, fez Jorge Sampaio correr com Armando Vara e mandar encerrar aquela autêntica gruta de Ali Babá. Nesta nova Fundação, o Estado já enterrou 61 milhões de euros, dinheirinho nosso, que ninguém controla e poucos sabem para onde vai. Até agora, consta que a Fundação comprou umas toneladas de computadores Magalhães, sem concurso, a uma firma de camaradas socialistas, pouco respeitadora, aliás, dos seus deveres fiscais. E diz-se que, feita a habilidade – ou o truque – por aí se vai ficar. Uma coisa é certa: o PS dá tudo e mais alguma coisa para amanhar umas fundaçõezitas à maneira. São as suas galinhas dos ovos de ouro. A de Mário Soares, então, é um autêntico maná!

Porém, passada a balbúrdia que se seguiu à denúncia, a Fundação – o offshore ou o saco azul – saiu do horizonte político. Tudo se calou. No entanto, a Fundação não apresenta contas a nenhuma entidade, tem uma sede onde ninguém entra, tem contactos… incontactáveis. Já alguém escreveu, num jornal diário, que é legítimo pensar-se que a Fundação até pode pagar as campanhas eleitorais do PS. Escreveu e não foi desmentido. Nem lhe foi levantado nenhum processo. Certo é que a Fundação deixou de ser assunto. E assim como apareceu, parece que se vai sumir. Tal como os milhões de euros lá enterrados. Mas a magia – a política – é assim mesmo: a arte de iludir os basbaques e sustentar os mágicos.

Aqui há tempos, apareceu a Empresa na Hora, um milagre dos neurónios de Sócrates e comandita, mas porque se presta a mil habilidades financeiras, desde lavagem de dinheiro a preciosas fugas ao fisco, a Empresa na Hora já tem as horas contadas. Vai desaparecer.

Há quatro anos, apareceu um embrulho cor-de-rosa, havendo quem garantisse – até em espectaculares outdoors espalhados pelo país – que lá dentro estavam 150 mil novos postos de trabalho. Desfez-se o embrulho e – oh! espanto dos espantos – não havia nada lá dentro. Mas um bom ilusionista não pára, não se cansa, nem deixa o público descansar. De onde deu sumiço a 150 mil novos postos de trabalho, tirou, num ápice, um número recorde de desempregados. E melhor ainda: num apagão assombroso, retirou das estatísticas vários outros milhares, não fosse o público ficar sem fôlego e cair para o lado, com uma coisa má.

Também de repente, desapareceram o TGV, o novo aeroporto e a nova travessia do Tejo. A avaliação dos professores entrou em banho-maria. E o negócio da TVI deixou de o ser mais depressa que um relâmpago.

Ao som da música de Vangelis desapareceram maternidades inteiras, centros de saúde, urgências hospitalares e escolas. Em contrapartida, apareceu um engenheiro completo, com diploma e tudo.

Em segundos, desapareceu um ministro. Não por ser a anedota de ministro que todos sabemos, mas porque imitou, com os ministeriais dedinhos, uns cornos bem espetados na sua brilhante cabecinha.

De 7 para 8 de Junho desapareceu o «animal feroz» e surgiu o cordeirinho manso. Por pouco tempo, é certo, mas não deixou de ser um bom número de circo, ridículo e grotesco quanto baste para nos fazer rir às gargalhadas. Compreende-se. No meio de tanto ilusionismo, uma boa palhaçada cai sempre bem…

Numa área protegida, apareceu uma coisa chamada Freeport. E pela mesma altura desapareceram quatro milhões de euros. O mágico garante que não é nada com ele, que desse truque não sabe nada. Só estava lá por acaso…

Desculpem-me se não falo de coisas sérias e importantes, como a morte de Michael Jackson ou a apresentação de Cristiano Ronaldo. Mas hoje deu-me para aqui, para só falar de magias e outras aldrabices…



(João Carlos Pereira)


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 08/07/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

domingo, 5 de julho de 2009

A FAENA

Desconhecendo-se o verdadeiro significado da expressão gestual do senhor Pinho, é assim permitido dar largas à imaginação, podendo ele ter aconselhado o deputado Bernardino a dedicar-se mais às lides taurinas do que á política.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

O BORDEL COR-DE-ROSA

O processo Freeport já leva meia dúzia de arguidos, cinco deles ligados ao partido Socialista, sendo que o outro é o confesso pagador das luvas. Aparentemente, sucedem-se as diligências e os procedimentos judiciários, constando que o processo deverá estar concluído antes das eleições legislativas. Pena é que estivesse parado – abafado, como diz o povo – durante tantos anos. Talvez fosse bom que a Justiça apurasse quem foi responsável por tantos atrasos, tantos encobrimentos criminosos, enfim, por tanta manobra suja, porque não se compreende o arrastar de um caso que, conforme agora se confirma, tinha muitas pernas para andar. E quisesse saber, principalmente, quem boicotou a cooperação com as autoridades inglesas, claramente convencidas que havia lixo – e do grosso – à volta do licenciamento do Freeport. Mas compreende-se: gente fina é outra coisa, e se não houver bronca e o caso não saltar para a opinião pública, tudo morre na paz do senhor.

Como é sabido, todo o processo gira em torno de José Sócrates, então ministro do Ambiente, a quem Charles Smith (um dos arguido e o tal pagador confesso de luvas), chamou corrupto. Com todas as letras. O país inteiro viu e ouviu esse vídeo. No entanto, Sócrates continua intocável. Parece, inexplicavelmente, que a sua palavra chega para desfazer todas as dúvidas que pudessem existir a seu respeito. Contudo, ele é um poço de embrulhadas, várias vezes aqui referidas, bastando qualquer uma delas para o levar à demissão do cargo que exerce, caso tivesse vergonha na cara ou sentido de Estado. A sua vida está recheada de alhadas que, num país civilizado, não só inviabilizariam a sua carreira de homem público, como o levariam a prestar contas à Justiça.

Espero que a investigação do caso Freeport não recue perante o nome dos implicados, não se renda às pressões políticas, nem permita que algum – ou alguns – dos magistrados com responsabilidades no processo, ceda perante os seus afectos partidários. Espero… mas tenho as minhas dúvidas.

Com uma comunicação social na sua maioria atenciosa e reverente, Sócrates tem, apesar disso, usado todo o seu peso político para garantir que nada afecte a sua imagem ou conteste as suas políticas. São conhecidos casos de coacção sobre jornalistas, chefes de redacção e directores de órgãos de comunicação social, sempre que o teor das notícias não agrada ao líder supremo dos socialistas. Um dos primeiros que conheço, visou um jornalista da SIC, Pedro Coelho, que se atreveu, numa excelente e bem fundamentada reportagem, a desmontar as mentiras que Sócrates pregou ao país sobre o fim das lixeiras, quando era ainda ministro do Ambiente, no governo de Guterres. Sócrates exigiu à SIC que Pedro Coelho nunca mais fosse destacado para acções de cobertura das iniciativas do seu ministério. Recordo ainda o que se passou na prestimosa e atenta Agência Lusa, quando os seus jornalistas foram impedidos de usar o termo estagnação sempre que se referissem à economia portuguesa. Censura? Que ideia!

O último escândalo toca à TVI. A estação não só tivera a ousadia de não dourar a pílula no caso Freeport, como ainda se atreveu a procurar mais informação sobre o mesmo. À TVI ficou a dever-se o conhecimento de factos que Sócrates queria, a todo o custo, manter escondidos. A TVI cumpriu a sua obrigação de informar com verdade, e fê-lo sabendo que desafiava a mão suja e pesada do poder socialista.

Nas ditaduras, quando um órgão de comunicação social não dança ao som da música que o ditador toca, prende-se o director, prende-se o jornalista atrevido e encerra-se o jornal, a rádio ou a estação de TV. Na democracia cor-de-rosa que temos, as coisas tendem a ser mais subtis, mais rebuscadas. Manda-se comprar o órgão de comunicação social. Pronto, já está. E é democrático.

Para que tudo dê certo, é preciso, no entanto, que a coisa não dê nas vistas, que se saiba fazê-la. Ora Sócrates e o PS, pelo que temos vistos, têm a subtileza de um elefante irritado e com cio numa loja de porcelana. Dizendo de outro modo: ou Sócrates acredita que tem tudo na mão e pode partir a loiça toda que ninguém se poderá queixar, ou não prima por ser alguém cuidadoso e, acima de tudo, inteligente. Tapa mentiras com mentiras ainda maiores, grita, esbraceja e ameaça. Recentemente, tinha optado por fazer de menino de coro, mas cansou-se depressa.

Mas vamos à sua nova trapalhada. Questionado sobre a compra de 30% da empresa dona da TVI pela PT, empresa onde o Estado detém posição privilegiada, o senhor «engenheiro», qual virgem ofendida, garantiu que não sabia do caso, que nem devia saber, porque o governo não se mete em questões de negócios privados, e que escusavam de estar com aquelas perguntas, porque nunca lhe passaria pela cabeça interferir na linha editorial da estação. Pelos vistos, passava mesmo, já que ninguém estava a falar em linhas editoriais…

Assim – e só sobre a TVI – Sócrates mentiu na Assembleia da República. Duas vezes, pelo menos. Mentiu, porque o Governo sabia, desde Janeiro, do negócio em curso. E mentiu, porque o governo se mete mesmo em negócios privados, de tal maneira que ele próprio, com a maior cara de pau, veio a público dizer, dias depois, que o governo optara agora por vetar o negócio da compra da TVI.

O que fez, então, o bufão que nos governa meter o rabinho entre as pernas, encolher as garras, fazer marcha à ré e vir dar o dito pelo não dito? O apertão público que levou da Cavaco Silva. Resta saber se, depois disto, a TVI vai manter a sua coragem e continuar a mostrar aos portugueses o carácter do senhor «engenheiro». A ver vamos.

Mas continuemos a falar de trapalhadas. Depois de ter adjudicado a Magalhães a uma firma de camaradas a contas com o Fisco, o governo acaba de adjudicar o sistema de vigilância costeira a uma empresa suspeita de corrupção. A empresa em causa é espanhola, chama-se Indra e é suspeita de, em 2004, ter tentado corromper funcionários do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras durante um concurso para fornecimento de material informático. A afirmação consta de um relatório publicado pela Transparência Internacional, uma entidade que, anualmente, faz um levantamento deste tipo de criminalidade no mundo. Segundo o jornal PÚBLICO, diversas fontes do SEF e da Polícia Judiciária confirmaram a existência de um inquérito, o qual acabou por ser remetido, com proposta de acusação, para o Departamento de Investigação e Acção Penal. Que lhe terá acontecido? Em que gaveta repousará?

Mas o relatório da Transparência Internacional vai mais longe. Diz que Portugal é um dos piores países no combate à corrupção e continua a perpetuar práticas pouco transparentes que incentivam o crime económico, dando como exemplos o processo Freeport e o da compra dos submarinos, por parte do então ministro da Defesa, Paulo Portas, durante o último Governo PSD/CDS-PP.

No documento, que avalia os 36 países da OCDE, Portugal encontra-se na pior categoria de um conjunto de três e onde se inserem os países que «pouco ou nada» fizeram para aplicar o compromisso firmado em 1997 a nível internacional. Uma situação que resulta de legislação pouco clara e de pouca fiscalização.

A organização – que elabora documentos sobre a corrupção pública em transacções comerciais internacionais – acrescenta: no Freeport, «os atrasos na cooperação judicial, por vezes aparentemente influenciados por considerações políticas, atrasam as investigações internacionais». E critica: «Portugal demorou três anos a responder a um pedido de cooperação do Reino Unido». Depois, refere a investigação ao presidente do Eurojust, o camarada socialista Lopes da Mota, por supostas pressões a magistrados do caso, o que gera na opinião pública pouca confiança na Justiça.

Mas voltemos às mentiras e à Assembleia da República. Respondendo a uma questão de Paulo Rangel, José Sócrates revelou que Carlos Guerra, um dos seus camaradas arguidos no caso Freeport – e já com um belo job no governo – tinha colocado o lugar à disposição do ministro da Agricultura logo que foi constituído arguido, e que a demissão já tinha sido aceite por Jaime Silva.

No momento em que Sócrates falava, o ministro da Agricultura dizia aos jornalistas, fora do hemiciclo, que ainda iria ouvir o funcionário, e que apenas sabia que ele lhe tinha enviado uma carta. «Tenho é de ouvir o próprio, como é que ele se sente», disse o ministro. Questionado sobre se iria afastar Guerra do cargo, Jaime Silva foi claro: «Admito ouvi-lo e sei inclusivamente que ele me escreveu uma carta. Admito discutir com ele a situação».

O espantoso é que este bando de trafulhas e mentirosos continua a governar o país como se nada de anormal se passasse.

País? Um bordel cor-de-rosa!

(João Carlos Pereira)


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 01/07/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).