quarta-feira, 18 de abril de 2012

O HOLOCAUSTO DEMOCRÁTICO

Em 1 de Abril de 2011, dizia o candidato Passos Coelho: «É um disparate dizer que o PSD quer acabar com o 13.º mês».

Dois meses depois, o mesmo senhor, já eleito, informava o país que seria necessário um corte temporário de 50% no subsídio de Natal de 2011.

Aqui, lembrei-me dos PEC’s de Sócrates, que Passos Coelho criticava porque nunca mais acabavam, sendo cada um pior que o anterior.

Quatro meses mais tarde, ou seja, em Outubro de 2011, o governo, pela voz do infalível e clarividente coveiro das Finanças, garantia, sonolenta mas peremptoriamente, o seguinte: «Vamos eliminar os subsídios de férias e de Natal até 2013».
Mais uma vez me veio à memória a tenebrosa época socialista, e pus-me a pensar no que diriam agora os que julgavam que as coisas, se fossem em tons laranja, seriam melhor que em tons cor-de-rosa.

Em 5 de Abril deste ano, depois de Bruxelas e o FMI terem adiantado que essa coisa de subsídios de férias e de Natal deviam mas era acabar (esquecendo-se de dizer que mesmo com subsídios os nossos rendimentos estão na cauda da Europa), o senhor doutor Gaspar, confrontado com as suas declarações de Outubro de 2011, saiu-se com esta: «Foi um lapso: sempre dissemos que o corte nos subsídios era até 2015».

Eu sabia – e disse-o – que passar do PS para o PSD, em termos de práticas políticas, era passar da fome para a vontade de comer (ou vice-versa), mas julgava que, com a saída de Sócrates e do bando socialista que o acolitava, passaria a haver alguma decência na condução da coisa pública e que a palhaçada, a pulhice, a malandrice refinada e a intrujice rasteira deixariam de ser o pão-nosso de cada dia. Enganei-me.
Mas julgo não me enganar se disser que se os portugueses continuarem a aparar este jogo – uns, porque agora são aqueles em quem votaram que estão a ir-lhes ao bolso; outros, porque acreditam que os seus sacrifícios são para resolver a crise e que as coisas voltarão a compor-se um dia destes; outros, ainda, porque não têm qualquer sentido crítico e já nasceram burros de carga –, daqui a uns tempos nada teremos do que o 25 de Abril trouxe, mais o que o próprio fascismo deu, e voltaremos às trevas da Praça de Jorna. E se alguém pensa que nos devolverão pacificamente o que agora nos estão a tirar, prepare-se para jamais o ter.

Todas as épocas têm os seus tiranos e os seus fornos crematórios, só a nomenclatura é que muda: hoje, os tiranos, chamam-se democratas; e o gás Zyklon 8, agora chama-se Crise.

É verdade: não interessa exterminar os que podem trabalhar. Basta mantê-los em estado vegetativo.









Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 18/04/2012.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

SUICIDÊMO-LOS, ANTES QUE ELES NOS SUICIDEM


Um pensionista grego suicidou-se à frente do parlamento, em Atenas, devido à degradação da sua situação económica. O homem, um farmacêutico de 77 anos, gritou: “Tenho dívidas, não aguento mais! Não quero deixar as dívidas ao meu filho”. E deu um tiro na cabeça.

A polícia divulgou um bilhete deixado pelo pensionista, onde este atribuiu à crise económica e ao governo as razões para decidir pôr fim à vida. Nele, o pensionista escreveu que o governo “eliminou qualquer esperança de sobrevivência”, acrescentando que este era o único “final digno, para não ter de começar a remexer o lixo para conseguir comida”.

Em Portugal, talvez porque somos infinitamente mais mansos e imensamente mais estúpidos – a maioria até acha que a crise não é culpa de ninguém, muito menos dos governantes e dos senhores capitalistas – ainda ninguém decidiu suicidar-se à frente da Assembleia da República, forma de conferir ao acto alguma utilidade. Não: prefere-se fazê-lo sem espalhafatos e sem proveito.
Mas a verdade é que as mortes por suicídio, em Portugal, ultrapassaram, pela primeira vez, os óbitos provocados por acidentes rodoviários. Números do Instituto Nacional de Estatística dizem-nos que ocorreram, em Portugal, 1.101 óbitos «por lesões auto-provocadas voluntariamente», mais 86 do que as mortes registadas em acidentes nas estradas durante igual período, dizendo o director do Plano Nacional de Saúde Pública, que os casos de suicídio são muito superiores aos que as estatísticas apontam.

Segundo o DN, face a estes números, o governo decidiu antecipar a criação de uma comissão que vai desenvolver o programa de prevenção dos suicídios. Esta medida segue-se a um alerta da Comissão Europeia e da Organização Mundial de Saúde para o aumento das depressões em situações de crise.

Se o governo me permite uma sugestão, ela aqui vai: a melhor medida para esse programa de prevenção dos suicídios provocados pela crise, seria a do governo suicidar-se em bloco, numa bela cerimónia transmitida em directo pela TV, em horário nobre.
E se o não fizer, mais dia, menos dia, alguém vai ter que os suicidar. Porque já se diz por aí, à boca cheia, que isto às boas não vai lá.

Coisas lindas, as metáforas.










Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/04/2012.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

NÃO SEI SE ME FAÇO ENTENDER

Quando eu for grande, quero ser gestor de uma empresa pública, do tipo daquela que se chama Parque Escolar. Para ser gestor de uma empresa assim, a principal competência reside em saber escolher o partido certo e, principalmente, saber cair nas graças do seu manda-chuva. A partir daí, passo a gerir um orçamento ilimitado, a poder falhar todas as metas orçamentadas e assumir encargos incomportáveis para o país, sempre tranquilo da vida. Se, nessa altura, a boa ordem natural das coisas ainda for o que é, a empresa que ganhará a maior fatia das obras adjudicadas será aquela que tiver a dirigi-la um antigo ministro das Obras Públicas, saído do partido a que pertenço, coisa sempre muito confortável em termos técnicos e financeiros. Não sei se me faço entender.

Em alternativa a uma empresa pública, não me importarei nada de passar primeiro pelo governo, aí com um cargo de ministro ou secretário de estado, desde que possa tomar medidas que dinamizem o sector privado, especialmente na área financeira, ou no campo da energia, ou das telecomunicações, ou das acessibilidades. Estou a pensar em cenas como o BCP, BPN, Galp, Lusoponte, Portugal Telecom, EDP, Petrogal, coisas destas. É claro que, face aos meus méritos e espírito de iniciativa, se alguma destas empresas decidir que, após um mandato indeclinável, mas prenhe de sacrifício – como exige, aliás, a causa pública – poderei ser útil nos quadros da sua administração, estarei sempre disponível para continuar a sacrificar-me em prol da economia e, naturalmente – e por consequência – em prol do país, pensamento primeiro de qualquer grande empresário, apesar de, maldosamente, se dizer por aí que eles, os grandes empresários, só pensam é em aumentar os seus lucros. Não sei se continuo a fazer-me entender.Outra coisa que eu também não me importarei de ser quando for grande, no caso de falharem as anteriores, é intermediário em processos de licenciamento – coisas assim parecidas com o Freeport –, ou ter poder de decisão em matéria de urbanismo, pois acho que são áreas que exigem uma grande capacidade de análise e uma aptidão argumentativa acima da média, dado que tudo tem o seu preço, e nós não andamos cá a ver andar os comboios.

Se no meio disto tudo – ou por causa disto tudo – alguma coisa der para o torto, porreiro, pá, chama-se a Troika.

Não sei se me faço entender.







Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/04/2012.