quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

OS MALANDROS, OS MANTEIGUEIROS E O SENHOR PROCURADOR


A malandragem foi fotografada com a boca na botija e, como resposta, faz-se de prostituta ofendida na sua alegada virtude, gritando que o malandro é o fotógrafo, mais quem publicou as fotografias. Ela – a malandragem – é que sabe se mamou ou não. E como jura que não mamou, ponto final, está o assunto resolvido.

Os acólitos, que chupam na mesma botija, juntam-se ao coro, desatam aos berros e vão mais longe – Aqui d’el rei!, que ninguém estava a mamar, é tudo uma fotomontagem.

O guardião-mor do templo olha para as fotos e não vislumbra nenhum crime em mamar, e até acha que o fotógrafo viu mal a cena. Foi tudo um erro de paralaxe. Arquive-se.

Os manteigueiros, também conhecidos como engraxadores, género de pessoas a quem os brasileiros tratam por puxa-saco – e que, acima de tudo, também gostariam de mamar alguma coisa à conta – desdobram-se em opiniões destinadas a fazer crer que a malandragem é incapaz de mamar, que a botija não existe, e que, por isso mesmo, ninguém mamou. Um houve que chegou ao extremo de dizer que se trata de matéria irrelevante, coisa de fofoquice para vender jornais, e que daqui a uns tempos estará tudo esquecido. Os manteigueiros não têm a noção do ridículo.

Porém, um manteigueiro assim faz sempre falta, quanto mais não seja para nos fazer rir e, apanhando-lhe as palavras e desmontando-lhe as maroscas, ensinarmos as nossas crianças e os nossos jovens a serem pessoas sérias e cidadãos responsáveis. A não serem, por exemplo, manteigueiros.

Realmente, uma pessoa que desvalorize o facto de se poder conseguir uma licenciatura por vias reconhecida e indesmentivelmente impróprias – ou, se quisermos, fraudulentas – é alguém que fez o mesmo, ou que não desdenharia fazê-lo. É alguém cujos valores morais pecam por defeito. Será alguém, ainda, que não transmitirá aos seus filhos ou netos, caso os tenha, os princípios básicos da honestidade e da moral. Pobres crianças, se tal educador tiverem. E pobre país, que tresanda a manteigueiros.

Alguém que não vê ou não entende – ou finge que não vê ou não entende – nada de censurável ou anormal nas inúmeras embrulhadas em que José Sócrates e os seus boys – e todo o PS, pelo que parece – estão metidos, é alguém cuja sanidade mental ou sentido da ética e da decência andam ao nível do charco.

Um cidadão que não seja atrasado mental, mas que desvalorize – ou negue – os escândalos que por aí aparecem debaixo de cada pedra, envolvendo figuras públicas, altos magistrados judiciais, empresários e gestores que os conluios partidários içaram ao topo das empresas públicas e privadas, não pode ser mais que alguém sem qualquer sentido de honra, alguém capaz – e provavelmente desejoso – de entrar para a quadrilha.

Estava eu nestas lucubrações, quando me passou pelos olhos a transcrição de uma escuta onde o Penedos (filho) e um tal Marcos Perestrello falam da compra do apoio de Luís Figo a José Sócrates. Esclareço que Marcos Perestrello é, actualmente, secretário de Estado da Defesa, que Paulo Penedos é um dos arguidos do processo Face Oculta, exercendo funções, na PT, na dependência do não menos famoso ex-administrador Rui Pedro Soares (que também estava ligado à administração do Taguspark), e que é o tal que tentou impedir que o semanário Sol pusesse cá fora a transcrição das escutas, demitindo-se, depois, na sequência do escândalo. O mesmo, sem tirar nem pôr, que agora é acusado de ter comprado o apoio de Figo. Esclareço que toda esta rapaziada tem em comum a sua ligação ao PS. Tudo boys com belos jobs.

Vamos à conversa escutada, uma verdadeira pérola da nacional bagunça:


MARCOS PERESTRELLO – O teu superior hierárquico (o referido Rui Pedro Soares) foi para Barcelona ou Milão...

PAULO PENEDOS – Não, está no Algarve. Não foi para um sítio, nem para outro.

M.P. – Mas depois vai, acho eu.

P.P. – Vai para Milão, segunda-feira. Vai-se lá encontrar com o Figo, para com ele celebrar uma coisa um bocado pornográfica, mas pronto.

M.P. – Que é o quê?

P.P. – Eh pá… só te posso dizer se tu não disseres a ninguém. Se disseres, não te posso dizer.

M.P. – Se quiseres dizer, dizes! Se disseres que não é para dizer a ninguém eu não digo.

P.P. – Não, não digas que é uma coisa… Ele há dias disse-me, muito contente, que tinha conseguido que o Figo apoiasse o Sócrates e eu disse ‘boa e tal’, claro que é importante. E hoje ligou-me a pedir que eu lhe fizesse um contrato de patrocínio para a Fundação Luís Figo, à razão de 250 mil euros por ano.

M.P. – Pois, imagino…

P.P. – Ah?

M.P. – Claro, claro. E isso, aliás, vale muitos votos! Essa m... em subsídios de desemprego…

P.P. – Ah?

M.P. – Isso em subsídios de desemprego…

P.P. – Eh pá, mas ouve-me… O gajo conhece toda a gente e mais alguma e toda a gente em que ele tropeça, do mundo da bola, de repente estão a apoiar o PS e o Sócrates, mas depois todos têm por detrás contratos… todos têm contratos… Até deve ser alvo de alguma risota, não é.

M.P. – Por acaso não me deram o nome do Figo para os tempos de antena das personalidades para depor!

P.P. – Pronto, faz-te de novas que o nome vai-te aparecer, só que o apoiante espontâneo e fervoroso, primeiro deve querer assinar o contrato, não é?

M.P. – Sim, sim, vamos ver se depois aparece, se é como outros que eu cá sei que acham que é melhor não darem a cara. Acham que é melhor não darem a cara, abrem uma coisa ali, outra ali.

P.P. – Exactamente …

M.P. – Ai..., não aprenderam nada ainda.



Será por estas esclarecedoras conversas – e por outras que tais – que o senhor Procurador-Geral da República chama ao processo Face Oculta uma «armadilha política»? Bem… como as conversas são todas entre rapaziada do PS, o senhor Procurador só pode querer dizer que os socialistas se andam a armadilhar uns aos outros.

Ó senhor Procurador, francamente… Não consegue melhor?

O senhor Procurador, que não fica bem em nenhuma fotografia sempre que pretende justificar-se, também ignora, soberanamente, o facto de no computador do boy Rui Pedro Soares ter sido encontrado o contrato que permitiria à PT comprar a Media Capital, o tal negócio que visava calar Moura Guedes e o Jornal de Sexta. Antes, já a PJ tinha interceptado um mail em que constava a versão final desse contrato, enviada para a Prisa, em Madrid. Os mais altos quadros da PT desmentem o negócio, mas a verdade é que as escutas telefónicas, conjugadas com documentos apreendidos, provam exactamente o contrário. José Sócrates não só sabia do negócio desde o início, como queria mais: queria que aquele se fizesse de forma a disfarçar a ilegalidade da operação.

A manobra passaria por, inicialmente, serem empresários a adquirir 30% dos capitais da empresa, para evitar que a PT aparecesse como principal accionista. O objectivo, mais uma vez, era controlar a informação e acabar com o que era considerado o grande obstáculo à vitória socialista: a permanência de Manuela Moura Guedes e de Eduardo Moniz à frente dos conteúdos informativos da TVI.



Rui Pedro Soares, boy diligente, vai a Madrid, em 3 de Junho, para negociar com os espanhóis da Prisa. A 19 de Junho, pede a Paulo Penedos para enviar a versão definitiva do contrato para um mail em Espanha. Janta depois (é o próprio a afirmá-lo) com José Sócrates, e diz a Penedos que o «chefe estava bem-disposto». Rui Pedro Soares ainda afirma que Sócrates quer que seja a PT a «assumir o controlo da operação».

O senhor Procurador-Geral, Pinto Monteiro, não vê aqui nada de mal. Nem os documentos apreendidos, nem as conversas escutadas, nem o fim do Jornal de Sexta lhe dizem nada. Como lerdo não é, deve pensar que os lerdos somos nós.

Pela minha parte – e com o devido respeito – já não o vejo como Procurador-Geral da República. Parece-me mais um air-bag de Sócrates e do governo socialista.

E enquanto as coisas forem assim, ao nível do pântano e da pantominice, Portugal será sempre uma coisinha siciliana.

E muito mal cheirosa.


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 24/02/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

CARTA ABERTA


Senhor Presidente da República

Pela segunda vez tomo a liberdade de me dirigir a V. Exa., sem outra pretensão que não seja a de cumprir um imperativo de consciência, face à situação em que se encontra o país. Sei que, muito provavelmente, esta carta nem chegará às suas mãos, nem dela terá notícia, já que algum zeloso funcionário da Presidência da República concluirá que um Zé-Ninguém qualquer não merece um segundo que seja do tempo do Presidente da República. Apesar disso, penso fazer aquilo que me compete enquanto cidadão de um país que, pelo menos em termos formais, ainda vive em democracia e é uma república.

Da primeira vez que me dirigi a V. Exa. – fará um ano no dia 25 deste mês de Fevereiro – alguém por si me respondeu que «o assunto exposto mereceu a melhor atenção». Suponho que igual resposta terei desta vez. Contudo, se mereceu a melhor atenção, não teve efeitos práticos. E não os tendo, só posso concluir uma de duas coisas: ou que o teor dessa primeira carta era absolutamente desprezível; ou que, não sendo desprezível, não era conveniente, por qualquer uma razão, incluindo razões de estado, agir-se em conformidade.

Que não era desprezível, disse-o o tempo entretanto decorrido. Provaram-no os factos daí para cá verificados. Caso tivesse lido essa primeira carta, lembrar-se-ia que, há um ano, lhe disse, entre outras coisas, o seguinte:

«O país esboroa-se. Física e moralmente. A criminalidade multiplica-se, fruto das dificuldades económicas, da desmoralização reinante, do vale-tudo que a classe dominante tem como insígnia, e que já não consegue esconder. Casos como os do BPN e BPP são, como saberá, pontas de um icebergue global, e ilustram bem a quem estamos entregues.

Porque o clima é este, porque a lei da selva se instituiu como instrumento nacional, a pequena e a grande criminalidade confundem-se nos objectivos e só se distinguem nos métodos e nas punições.

No meio desta barafunda, temos um primeiro-ministro que só o é porque estamos em Portugal e a classe política, que se guerreia por aquilo a que o povo chama «tachos», «gamelas», ou «mesa do orçamento», protege-se quando se trata de limpar as nódoas do banquete onde todos convivem. É evidente que os casos que já vieram a lume, envolvendo o primeiro-ministro (dos quais o Freeport é apenas o mais estrondoso), só ainda não descambaram em exigências de demissão porque andam por aí muitas moedas de troca. Há armários cheios de esqueletos nas várias casinhas desta democracia pindérica, mas de acentuados traços sicilianos.

Que orgulho, motivação, esperança ou outra coisa qualquer pode ter um português para se dispor a salvar o seu país, quando sabe que ele não lhe pertence? Que está nas mãos de gente que, todos os dias, nos dá uma prova de falta de escrúpulos?

Diga-me, senhor Presidente: acha que o caso da licenciatura de José Sócrates é uma cabala, uma manobra negra da oposição? Acha que o facto de José Sócrates ter mentido no documento que entregou na Assembleia da República e que, depois, viciou, lhe permite ser uma pessoa confiável para governar um país? E o facto de ter negado conhecer o professor que o passou a quatro disciplinas, quando se sabe que o mesmo senhor fez parte de um governo ao qual pertencia, para além de estar provado conhecê-lo, intimamente, de certas aventuras serranas?

Não acha, senhor Presidente, que os processos, arquivados ou em curso (e, inexplicavelmente, escondidos há anos numa qualquer gaveta milagrosa), onde o nome do primeiro-ministro e do seu tal professor da UNI constam, por serem coisas reais e não cabalas e campanhas negras, devem ser tidos em linha de conta para se avaliar a personalidade de quem governa o país e, em último caso, deveria ser um exemplo para todos?

Acha que a farsa do computador Magalhães, fruto falso de neurónios nacionais (trata-se de um produto da Intel, disfarçado de azul), que rendeu, sem concurso, milhões de euros a uma firma ligada ao PS, com sérios problemas fiscais, dignifica e moraliza a nossa vivência colectiva?

Acha que é normal, decente e democrático um governo exercer pressões sobre a comunicação social – o último caso denunciado partiu do director do semanário SOL – para impedir que o país saiba os podres da governo e, em particular, do seu primeiro-ministro?

Acha próprio um país da União Europeia ser governado por um homem que escondeu, no seu currículo, ter feito parte de uma sociedade onde os outros três sócios (entre eles, Armando Vara, hoje administrador do BCP – e também licenciado num ápice pela UNI – e Fátima Felgueiras) acabaram condenados em distintos processos?

Acha, ainda, dignificante para Portugal que o actual primeiro-ministro seja envolvido pela polícia nacional, pela polícia inglesa e por familiares seus num caso de corrupção, e que se assista, como única defesa do visado, ao lançamento de uma nuvem de fumo, que é a ridícula tese da cabala? Não configura todo o processo do Freeport algo de muito grave, suficientemente grave para um governante se demitir para permitir que a Justiça apurasse toda a verdade? Não disse, inclusive, V. Exa. que se trata – o caso Freepot – de uma questão de Estado? Ou tratou-se de uma frase sem significado?

Gostaria – mas sei que é pedir a lua – de o ouvir a propósito disto tudo. Gostaria, ainda mais, de nunca me ter sentido obrigado a escrever o que escrevi».

Ao que disse há quase um ano, acrescento agora o inexprimível processo Face Oculta, com tudo o mais que se ficou a saber da personalidade do primeiro-ministro. Para mim, que pertenço a um grande partido chamado Povo Português, é incompreensível – e inaceitável – que o Presidente da República tenha deixado o país afundar-se num mar de descrédito, às mãos de um homem sem condições de carácter e temperamento para chefiar seja o que for. E pergunto-me que interesses obstaram – e continuam a obstar – a que V. Exa. actue enquanto zelador do interesse nacional?

Diz-se, por aí, que serão interesses de índole meramente partidária. Admitem outros que serão interesses pessoais, no âmbito do novo mandato presidencial que aí vem. Confesso, senhor Presidente, que me assusta – e repugna – aceitar qualquer uma destas hipóteses. Uma ou outra – ou as duas, conjugadamente – significariam que tudo gira, em Portugal, à volta dos interesses de casta ou de grupo, e que o país e o povo são meros pretextos para as carreiras, as ambições e as conveniências de quem apenas pensa em si e nos respectivos clãs.

No entanto, senhor Presidente, pergunto-me o que perguntam a si próprios milhões de portugueses: que mais será preciso acontecer para que, em termos políticos, sejam retiradas as devidas ilações? Merece o primeiro-ministro a sua confiança? Acredita, realmente, que ainda é possível a José Sócrates exercer o cargo com a autoridade e a credibilidade indispensáveis a uma governação eficaz? Não ouve V. Exa. a enorme gargalhada que ecoa por todo o país sempre que José Sócrates pretende justificar-se, ou o manda fazer por qualquer um dos seus acólitos mais fiéis? Não ouve e não vê, senhor Presidente, dentro do próprio PS, pessoas incomodadas com a situação, mas incapazes de agir porque, também elas, estão enredadas nas teias da conveniência partidária, ou na luta pela inevitável sucessão? Não vislumbra V. Exa. a onda de descrédito na política, nos políticos e nas instituições que assola o país, levando na enxurrada a própria Justiça, em grande parte por culpa própria, manietada e enxovalhada, também ela, por espúrios interesses pessoais ou afectos partidários? Pode a imagem de Portugal e das suas instituições, perante esta catadupa de sucessivos escândalos, ficar incólume no estrangeiro?

Se há cerca de um ano – como me parecia exigível face aos interesses do país – o primeiro-ministro tivesse sido demitido, por manifesta incapacidade política e de carácter para desempenhar o cargo, ter-se-ia prestado um serviço relevante ao país. E V. Exa. teria provado que apenas se preocupava com Portugal e os portugueses, não precisando de deixar esturricar, na própria fogueira que acendeu, um homem que, para nossa (talvez merecida) desgraça, um dia ascendeu ao cargo que ocupa.

Se isso tivesse acontecido, senhor Presidente, muitas outras coisas aconteceriam por arrastamento:

Em primeiro lugar, a Justiça ter-se-ia libertado das grilhetas que a manietam, podendo fazer melhor o que, hoje em dia, só a custo consegue. E mais depressa se veria o que, agora, uns se esforçam em esconder – e outros em provar;

Em segundo lugar, ter-se-ia evitado que o clima de irresponsabilidade e desmoralização alastrasse como alastrou, com reflexos imediatos nas nossas contas públicas, na nossa segurança e no esforço de recuperação económica que todos dizem almejar;

Em terceiro lugar, não se teriam verificado os atentados à liberdade de expressão e de opinião, com as execráveis manobras que atingiram o semanário Sol, o jornal Público, a TVI, o jornalista Mário Crespo, a par de várias pressões sobre outros jornalistas e órgãos de comunicação social;

Em quarto lugar, ter-se-ia dado um sinal, aos portugueses e ao mundo, de que, em Portugal, não se pactua com a devassidão, seja ela a dos gestores das empresas públicas e privadas, seja a dos que, empoleirados nos mais altos cargos do aparelho do Estado, deslumbrados com a luz do poder e do mando, dão vazão às suas insuficiências morais, desonrando-se e desonrando o próprio país;

Em quinto lugar, finalmente, o Presidente da República não precisaria de qualquer tipo de calculismos para assegurar votos no espectro partidário – a crer nos que assim explicam o imobilismo presidencial – pois, ao exercer os seus poderes com rigor e coragem, mereceria o respeito e a confiança de todos os portugueses honrados.

Gostaria de ver e ouvir, vindos de Belém, os gestos e as palavras que há muito os portugueses anseiam.

Aceite os meus respeitosos cumprimentos.

João Carlos Lopes Pereira
(Um português comum)



(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 17/02/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

LAISSEZ FAIRE, LAISSEZ PASSER

...

Quando a Justiça já não funciona, porque deixou de o ser, a Verdade e a Moral devem ser preservadas a qualquer custo. Quando as mais altas figuras do sistema judiciário se acobardam perante o poder político – ou dele se tornam cúmplices ou encobridores por interesses ou afectos – devem ser os homens sérios e corajosos a romper essa teia nauseabunda de crime e encobrimento. É isso que, nos dias que correm, está a acontecer na sociedade portuguesa. E, felizmente, o cidadão comum já dá mostras de compreender e aplaudir esse desmascaramento, não se deixando iludir pelos discursos pomposos ou ameaçadores daqueles que, violando as leis, querem estar acima delas, cavalgando o estatuto da mais absoluta e descarada impunidade.

A divulgação das escutas que implicam Sócrates numa teia conspirativa para controlar a comunicação social e restringir, assim, a liberdade de opinião e expressão e, também, para condicionar a actuação do presidente da República, foi um magnífico exemplo de consciência e acção cívicas e patrióticas.

Quando, há umas semanas atrás, falávamos da divulgação das escutas do Apito Dourado, era precisamente disto que falávamos. Não era de futebol, conforme alguns terão julgado. Realmente, há semelhanças notáveis entre os processos Apito Dourado e Face Oculta.

Em ambos, as escutas realizadas indiciam a prática de crimes, quer de forma tentada, quer de forma efectivamente conseguida.

Em ambos, as escutas foram desvalorizadas ou dadas como não existentes, fosse com base em meros – e convenientes – formalismos legais, fosse com base em leituras generosas do seu teor.

Em ambos, se tentou impedir que o país soubesse o que foi dito e escutado.

Em ambos, a divulgação das escutas demonstrou que houve crime e encobrimento.

Em ambos os casos se ficou a perceber que a República, que este ano festeja 100 anos, se transformou num reles feudo controlado por gente capaz de tudo, e a Democracia e o Estado de Direito meras alcunhas e capas de uma realidade completamente oposta.

Em ambos os casos, numa patética e ridícula fuga para a frente, altas figuras da nossa magistratura, hipócritas puritanos da lei e da ordem, aduladores do partido no poder, mercenários dos poderes instituídos e acólitos bem pagos deste sórdido laissez faire, laissez passer, acham que o mal não está no que as conversas gravadas claramente denunciam, mas na sua divulgação.

É, então, o laissez faire, laissez passer – deixai fazer, deixai passar. A expressão, que teve, inicialmente, no século XVIII, conexões meramente políticas e económicas (sintetizava o liberalismo puro e duro), rápida e facilmente, por isso mesmo, adquiriu conotações de ordem moral, que podemos traduzir por: finge que não vês os crimes que eu cometo, e serás recompensado por isso. A isto chegámos. Já não cantando e rindo, mas comendo o pão que o diabo amassou.

Na mesma semana em que Sócrates – em alto e bom som, ao que consta – exigiu o silenciamento de um jornalista incómodo, na senda do que já fizera em relação a outros jornalistas e órgãos de comunicação social, a divulgação das escutas do Face Oculta não só nos dá a verdadeira imagem da sua desprezível estatura moral e política – o que não será uma novidade absoluta – mas do ambiente de verdadeira promiscuidade que se estabeleceu entre o poder judicial e o poder político.

Referi, há tempos, neste mesmo espaço, que Sócrates estava a ser cozinhado em lume brando, e em lenha que ele próprio carregara. Disse, também, em Novembro do ano passado – e cito: Sócrates, como político, entrou em coma. Resiste, ainda, porque está ligado à máquina dos interesses partidários e económicos – enfim, da conjuntura politica actual. Respira, porque está ventilado, mas já cheira a defunto. Já fede.

Não me preocupa a agonia de Sócrates, mas a agonia em que, por culpa dele e das suas políticas, está Portugal e estão os portugueses. E quando Sócrates se for, dele apenas ficando uma justa nódoa para a página que a história lhe reservar, iremos ver se a lição nos serviu para alguma coisa.

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/02/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.



quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

AS PESSOAS E OS FUNGOS

...
Há pessoas e há fungos. Pessoas, são aqueles mamíferos que andam sobre duas patas, tratam, dentro dos condicionalismos existentes, de se manter vivos e saudáveis, e têm a massa encefálica em constante actividade, pelo que estão aptos a pensar pela própria cabeça. Vêem para além do óbvio, analisam o que os rodeia, duvidam sempre antes de acreditar, decidem de acordo com o que pensam e, regra geral, são impossíveis de domesticar. Os fungos são extremamente parecidos com as pessoas, das quais se distinguem, apenas, porque não usam a massa encefálica. Por isso, não decidem por si próprios, adaptam-se facilmente às condições que lhes são impostas, mesmo as que atentam contra a sua integridade, contentando-se em sobreviver em ambientes insalubres. Muitos são designados por bolores, dada a sua estrutura filamentosa, óptima para parasitar outros organismos. Parecendo que não, há mais fungos que pessoas, coisa facilmente comprovada nos resultados eleitorais.

Posto isto, que mais adiante se perceberá ao que aqui vem, falemos da famosa – e famigerada – crise. Quando a crise acontece, os trabalhadores apertam o cinto, porque, enfim, crise é crise… e nada há a fazer. Quando a crise se afasta e há sinais de retoma, é preciso continuar a apertar o cinto (o cinto dos trabalhadores, claro), pois há que pôr em ordem as contas públicas e a economia, reduzir o défice, blá blá blá blá, e isso só é possível com mais alguns sacrifícios. Mal se equilibram as contas públicas e a economia já está melhorzinha, muito obrigada, não se pode desapertar o cinto (sempre o cinto dos trabalhadores), quando não, ficamos na mesma.

É então que aparece uma nova crise, e lá volta tudo ao início. Sempre foi assim, assim está a ser, assim será no futuro, pelo menos enquanto tivermos por aí mais fungos que pessoas. O embuste está montado, e nada mudará se a nossa vida estiver entregue à classe política, tal como a conhecemos, e a classe política, por sua vez, não passar de um pau-mandado do poder económico, o mesmo é dizer: da economia de mercado, alcunha generosa de sistema capitalista.

Dêem-lhe as voltas que quiserem, chamem-lhe os nomes que chamarem – podem, até, chamar-lhe democracia – a verdade é que a vida de milhões de pessoas (e também dos fungos) depende sempre da maior ou menor ganância – mas sempre ganância – que, em determinados momentos, os detentores do capital conseguirem pôr em prática. Aliás, a ganância é a mola chave do capitalismo, a sua base genética, pois sem esse espírito de pilhagem (espírito empreendedor, para os cínicos ou para os parvos) qualquer capitalista – ou, se quisermos: o próprio sistema capitalista – pura e simplesmente sucumbiria.

Ora acontece que as leis que nos regem estão elaboradas dentro desta visão do que deve ser a organização política, social e económica da sociedade, como se ela correspondesse a algo de sagrado e imutável. Parte-se do princípio que é legítima e necessária a posse, por privados, de todos os cordéis que movem a economia – melhor dizendo: parte-se do princípio que é legítimo a qualquer um ser dono dos meios de produção do país, incluindo sectores estratégicos, tais como o sistema financeiro e a produção siderúrgica e metalo-mecânica, deter todas as riquezas naturais, como as do subsolo, através da exploração mineira, deter os sectores energéticos e dos transportes. E até a própria água, que bem mais público não pode haver, se quer pôr nas mãos dos interesses privados. Chamam a isto liberdade. Eu chamo-lhe a mais infame exploração. O equivalente, nos tempos modernos, da ordem feudal ou do próprio sistema esclavagista.

Ao entregar aos privados todos os recursos do país – e levar-nos a pensar que esse é o melhor caminho para a sociedade humana – o poder político mais não faz que colocar milhões de pessoas e de fungos à mercê dos interesses de uns quantos. O resultado é o que se sabe: crise atrás de crise. Ou uma convenientíssima crise perpétua.

Prova disto, é-nos dada por notícias recentes, que dizem ter os principais grupos privados na área da saúde facturado 694 milhões de euros em 2009, (apesar de ter sido um ano de crise), mais 42,5% do negócio relativamente ao ano anterior, cujos lucros já tinham atingido os 487 milhões. Crise é coisa, então, que não existe para estes privados, principalmente porque o governo «socialista» do «engenheiro» Sócrates teve o cuidado de lhes embalar o negócio, fechando centros de saúde, urgências e maternidades do serviço público, ou seja, obrigando a população a dar couro e cabelo a Mellos, Espíritos Santos e demais galfarros.

Enquadradas nisto, estão a recente discussão sobre o Orçamento Geral do Estado e a farsa adjacente sobre a obtenção de consensos que levem à sua aprovação na AR. O OGE que aí vem vai impor, em nome da recuperação económica e da redução do défice, mais sacrifícios para quem trabalha ou vive das suas reformas. Em contrapartida, vai permitir a acumulação de mais lucros aos senhores do capital. As pessoas percebem isto, os fungos, nem por isso. Ou, se percebem, não se ralam, se é que não estão de acordo.

Nota dominante, é o previsto congelamento de salários, do que resultará menos poder de compra, pois os bens e os serviços essenciais à nossa sobrevivência, cujas produção e distribuição estão nas mãos dos privados, vão continuar a aumentar, sejam eles produtos alimentares, sejam outros bens e serviço de consumo inevitável, como a electricidade, o gás (os combustíveis, de uma maneira geral), as despesas com a saúde e a educação, os seguros, o vestuário, enfim, tudo o que é necessário e obrigatório no nosso quotidiano. Em 2010, com o OGE do PS, combinado com o PSD e o CDS, todas as pessoas e todos os fungos ficarão mais pobres.

Como se compreende – e até o mais fungo dos fungos é capaz de chegar lá – se os produtos aumentam e os salários não, alguém arrecada a diferença. Esse alguém, escusava de repeti-lo, são os que detêm os recursos financeiros, os meios de produção e distribuição, as riquezas naturais e as demais riquezas que complementam os seus assinaláveis pecúlios. É isto a economia de mercado, é isto a tal democracia na versão neoliberal, é isto, enfim, a nossa triste vidinha.

E assim será enquanto os fungos forem mais do que as pessoas. E o pior é que os fungos, além de seres vegetativos e sem vontade própria, podem votar. Como um cogumelo é um fungo, e como a própria expressão nascem como cogumelos sugere, eles multiplicam-se, pelo que temos muito que bulir para que os fungos se transformem em pessoas. Até lá, Sócrates e Mellos, Teixeiras dos Santos e Belmiros cantarão de galo.

Apesar disto, o governo vê-se forçado a aldrabar todos os dias. Em Setembro do ano passado, o défice estava controlado e nunca passaria dos 5%. Estava-se em campanha eleitoral, é verdade. De repente, o défice trepou para quase o dobro: 9,3%. Se Sócrates já era o campeão do desemprego, fez agora a dobradinha, passando a deter o recorde do défice. Até o camarada Vítor Constâncio se disse admirado com tal défice. Admirado fico eu, com a admiração do senhor Constâncio. Será que ele, que devia saber tudo sobre as finanças do país, continua tão distraído como andou quando não via nada do que se passava no BCP, no BPN e no BPP?

Ou será que o défice não é de 9,3%, mas convém a Sócrates e a Teixeira dos Santos dizerem que sim, para assustar os fungos e fazer passar melhor as medidas restritivas? O que teria outra vantagem lá mais para diante: é que daqui a uns tempos poderia dizer-se que, graças às políticas corajosas do governo, o défice descera espectacularmente, voltando a estar controlado…

Outra aldrabice inscrita no OGE: o Governo estima, para 2010, uma taxa de desemprego de 9,8%. Mas o desmancha-prazeres do Eurostat veio dizer que em Dezembro de 2009 a taxa já era de 10,4%. O cozinhado orçamental ainda não está discutido nem aprovado, e já sabemos que um dos pressupostos é falso. E a realidade já é pior do que os números do Eurostat, porque as estatísticas não contam todas as pessoas sem trabalho. E, como toda a gente sabe – fungos incluídos – o desemprego continuará a aumentar neste ano. Não é com a economia a crescer 0,7% e com as empresas e cidadãos com falta de confiança e o investimento em níveis baixos que se consegue criar postos de trabalho. E – drama sobre drama – lá para o Verão vão extinguir-se milhares de subsídios de desemprego.

Mas Sócrates continua a cantar vitória. Diz que em 100 dias de governo conseguiu parir um aborto chamado casamento gay. E – vejam lá! – chegou a acordo com os professores.

Se o ridículo matasse, Sócrates já era múmia. A sorte dele é que estamos no país dos fungos.


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 03/02/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.