Ao
pé de mim construíram, há anos, um stand de venda de automóveis em segunda mão.
Coisa simples. Um lote de terreno, uma vedação alta, o recinto pavimentado a
lajeta, um contentor a servir de escritório, e já está.
Com
a crise a espreitar, o negócio foi dando durante algum tempo. Com a crise já
instalada, o negócio foi-se abaixo. Carros, nem velhos. Hoje, o local foi
invadido por um matagal que despontou, imparável, por entre as lajetas que,
agora, mal se vêem. Umas hastes frágeis, finíssimas, nascidas de minúsculas sementes
asfixiadas e esmagadas, durante anos, pelas toneladas de um pavimento de
cimento e areia compactados, sobre o qual, para cúmulo, estiveram outras
toneladas de veículos, resistiram a essa força bruta, venceram-na e ali estão a
provar a fragilidade da obra humana face à pujança da mãe Natureza.
Significa
isto que os humanos – e tudo aquilo que fazem – ofendem as leis naturais? De
modo algum. Significa, apenas, que muitas das realizações e condutas dos
humanos, por mais gigantescas e impressionantes que sejam, vergar-se-ão sempre
face às leis cósmicas que regem tudo o que existe. A explosão invisível e
silenciosa da ínfima semente abre caminho aos débeis filamentos que, dela nascendo,
vão, através do poderoso betão, procurar o sol, o ar e a água de que irão
viver. A delicadeza da folha e da pétala reina, humilde, sobre o peso bruto e
árido do cimento.
Também
é da natureza humana respirar, buscar sustento, matar a sede, reproduzir-se,
proteger-se do que possa pôr em perigo a sua existência – o chamado instinto de
sobrevivência – e procurar o equilíbrio entre si e o meio ambiente, coisa a que
se convencionou chamar, nos tempos modernos, a procura da felicidade. É ponto assente, por isso, que o Homem está
condenado – tal como a planta – a procurar o caminho para a sua parcela de luz solar,
para a sua gota de água, para o seu quinhão de ar.
Dos
cerca de sete biliões de seres humanos que habitam o planeta, a maioria sufoca
e perece sob a sapata em que um ínfimo grupo de outros seres humanos os subterrou.
Em Portugal, por exemplo, mais de 9 milhões de pessoas são dominadas – na sua
maioria mentalmente condicionadas de forma a considerar a situação como algo
normal e, até, respeitável – por rudes lajetas feitas em série nos meandros
partidários, a que se resolveu chamar governantes. Por ordem de quem, muito
acima deles, se alimenta do sangue humano.
Há
quem lhes chame, metaforicamente, vampiros.
Há
quem lhes chame, cinicamente, investidores.
Há
quem lhes chame, estupidamente, salvadores.
Eu
digo que temos muito a aprender com as ervas.
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