Não
há dinheiro?
Ai há dinheiro, há!
Acto I
Governo
- Não há dinheiro para nada. É a penúria geral, completa, absoluta. O país andou a viver acima das suas possibilidades. Agora, aguenta! Passa para cá parte do ganhas, e repara que não sei se vai chegar. Também é preciso que pagues mais impostos, mais taxas, mais tarifas. Ah, é verdade: vais pagar mais caro tudo
aquilo que compras, da luz ao gás, dos livros à operação, dos transportes aos
sapatos. Tudo te vai ficar mais caro: a saúde, a educação, a justiça. Olha:
estares vivo vai custar-te um dinheirão. Nestas condições, até não seria má
ideia, caso já tenhas uma certa idade e não possas trabalhar, desistires de
respirar. Evita ir ao médico, evita dar despesas ao Estado. Abrevia a tua
improdutiva e dispendiosa existência. Repito: não há dinheiro para nada. Mesmo
as pensões, as reformazitas que pagaste ao longo de toda a vida, estão cada vez
mais tem-te-não-caias. Dá lugar aos novos. Dá lugar àqueles que já meteram na
cabeça que a vida é mesmo assim, que ninguém tem direito a nada. Que nem fazem
ideia do que é essa treta dos Direitos Humanos. Nem, sequer, humanidade.
Aqueles que se contentam com um telemóvel para trocarem mensagens.
Acto II
- Ó Vítor, para que é que queres mil e cem
milhões de euros?
- Para quê, ó Pedro? Então para que havia
de ser? Para meter no Banif.
- Mas o Banif vale isso?
- Não. Vale cerca de metade.
- Então, porque é que não mandamos a Caixa
Geral de Depósitos comprar o Banif por metade desses mil e cem milhões de
euros?
- Schiuu. Fala baixo. Às vezes dão-te
brancas perigosíssimas. Se a Troika te ouve, perdes logo a confiança dos
Mercados e dos Investidores. E se o Grupo Bilderberg sabe que pensaste uma coisa
dessas, ficas queimado para o resto da vida. Cuida do teu futuro, pá.
- Pois, tens razão.
Mas não vai acontecer como aconteceu no BPN? Olha que o buraco ali pode chegar
aos sete mil milhões!
- E depois? Duvidas
que a malta aguente? Olha, o Fernando Ulrich é que disse bem: Ai aguenta, aguenta!
- Mas até os nossos estão a resmungar.
Olha o Mota Amaral…
- Deixa-te disso. O contribuinte existe
para contribuir. Na propriedade privada, especialmente nas instituições
financeiras, não se toca. São sagradas. São o pilar-mestre da democracia.
- E o que é que o Banif vai fazer com esses
mil e cem milhões de euros?
- Para já, vai gastar grande parte a
comprar dívida do Estado.
- Ai é? Vai comprar dívida do Estado com
dinheiro do Estado?
- Vai.
- Mas isso não o mesmo que nós comprarmos
a nossa própria dívida?
- O mesmo não é. Porque se nós
comprássemos a nossa própria dívida, ninguém ganhava nada com isso.
- Bem pensado, ó Vítor. És mesmo um génio!
Acto III
O
buraco do BPN equivale ao que o governo quer cortar no Estado Social. Mas pode
ser o dobro disso, pois há mais de três mil milhões de dívidas praticamente
incobráveis. Depois, e só na última década, os três maiores bancos privados
tiveram lucros superiores a quatro mil milhões de euros. Mas, coitados,
precisam de ser recapitalizados. Para além disso, quando deixaram de comprar
títulos de dívida pública, forçaram a vinda da Troika. Agora, já lhes convém
comprar títulos de dívida pública, pois é à pala deles que conseguem
financiamentos junto do Banco Central Europeu a 1%, cobrando, depois, mais 3 ou
4% ao Estado.
Por outras palavras: sacrifica-se o Povo
no altar dos senhores banqueiros.
Não há dinheiro? Ai há, há.