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Começo por transcrever dois significativos comentários colocados no blogue "cronicasdoseixal" onde as minhas Provocações das quartas-feiras, na Rádio Baía, são publicadas.
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Diz um:
«A corrupção é essencial aos negócios do Estado. Nada funcionava neste país se não se pagasse por debaixo da mesa. Tudo está organizado e elaborado, incluindo os orçamentos públicos e privados, para o dinheiro vivo que é necessário pagar em pesados envelopes. Não teríamos sequer políticos nem partidos políticos, porque eles são pagos e financiados pelos dinheiros da corrupção. Isto vale para as obras e compras do poder central, para as obras e compras do poder local, para os negócios privados, para a mais simples obra ou compra. Para o excelentíssimo senhor administrador da maior empresa pública ou privada, para o senhor empregado do Fisco, para o senhor ministro, para o senhor presidente da autarquia e respectivos vereadores (especialmente os do urbanismo) esforçados técnicos, assessores, conselheiros e adjuntos e, como não podia deixar de ser, para o senhor José da Silva, reles fiscal da mais insignificante autarquia. Porque ou há moralidade, ou comem todos.
Sem falar, obviamente, na mais colorida e doce corrupção, normalmente vestida de azul e branco, e cuja moeda é o chocolate, as viagens ao Brasil, favores de prostitutas e outros mimos semelhantes.
Viva a corrupção! VIVA!
Viva Portugal corrupto e dinâmico! VIVA!
Viva a degeneração absoluta! VIVA!»
Se a cáustica ironia deste comentário é evidente, não é menos verdade que retrata uma realidade cada vez mais palpável, tal o à-vontade – descaramento nascido da impunidade, direi eu – com que se corrompe e se é corrompido. Quase se pode dizer que o fenómeno, de tão corriqueiro, já se transformou num método legítimo, inerente à actividade económica no seu todo. Ou seja: a corrupção existe, de facto, a um nível tão generalizado e impune, que é como se também já existisse de jure. Com cobertura legal. E porque Portugal perdeu a vergonha, talvez já não falte muito.
Lembro-me, a propósito, do que aconteceu aqui há uns anos com a despenalização do consumo de drogas. Incapazes – ou não querendo ser capazes – de lidarem com o fenómeno do tráfico e consumo, os nossos queridos governantes fizeram passar a mensagem que a melhor maneira de combater o tráfico era deixar os consumidores em paz, levando-os ao tratamento em vez de os levar à cadeia, como se as duas coisa fossem incompatíveis. Disse, na altura, que a vida provaria que se tratava de uma medida facilitadora do consumo e, consequentemente, do tráfico. Em consequência, aumentou o número de consumidores e, embora os preços tenham descido ligeiramente, aumentou o tráfico e o lucro dos traficantes. Mas, o que é dramático, aumentaram as mortes devido ao uso de drogas. E não foi pouco, já que dados recentemente divulgados pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência revelam que as mortes provocadas pela droga subiram 45% em Portugal, só nos anos de 2006 e 2007. Sem orgulho, verifico que a razão estava do meu lado.
Se não me engano – e seguindo o raciocínio que liberalizou o consumo de drogas – um dia destes as brilhantes mentes que dirigem Portugal ainda nos vão dizer que a melhor maneira de combater a corrupção será, precisamente, legalizá-la. Tudo rolará sobre esferas ainda mais lubrificadas e, acima de tudo, a classe política e os grandes empresários deixarão de correr o risco de malhar com os ossos na prisão, que na realidade já é o mínimo, ou de verem o seu nome na praça pública. Medida justíssima, pois, como todos sabemos, o que os senhores políticos e os senhores empresários querem, coitados, é só – e apenas – o desenvolvimento do país. E isso tem um preço.
O outro comentário dizia apenas isto:
«As crónicas do senhor João Pereira têm dois defeitos. Não dão para discutir, porque se limitam a relatar factos e a recordar verdades antigas ou actuais. E não agradam a ninguém, porque todos os que andam metidos na política, de uma maneira geral, se sentem retratados nelas. O meu caro senhor assim não faz amigos».
Igualmente irónico, este leitor, parecendo criticar-me, faz-me um rasgado elogio. Tenho o «defeito» de dizer verdades indiscutíveis, a que acresce o «defeito» de não agradar aos políticos. Logo, não faço amigos entre aqueles que as minhas palavras atingem. Ou seja: faço por aí inimigos em barda, especialmente entre os que fazem da política um modo de vida e, por arrastamento, entre aqueles que são indefectíveis dos políticos ou das políticas que eu costumo visar. Mas como só digo verdades, é para esse lado que eu durmo melhor. Aliás, sentir-me-ia desonrado se certa gentinha que por aí se amanha à conta da política – o mesmo é dizer: com dinheiro sugado aos nossos bolsos – estivesse no rol dos meus amigos ou das pessoas que me estimam. Assim é que eu estou bem.
Entretanto, reabriu o Grande Circo Nacional. Sem os animais ferozes, porque o governo acha que é uma barbaridade usar animais selvagens nas condições que os circos oferecem, embora ache – porque não legisla para o evitar – que não é uma barbaridade andar a exaurir um toiro numa arena e espetar-lhe ferros até o sangue jorrar – ou abatê-lo à estocada, como em Barrancos – só para gáudio daqueles que se excitam com os resquícios da barbárie que ainda os habita. Mas, desculpem-me… parece-me que me perdi. O que eu queria dizer é que reabriu a Assembleia da República, sem o animal feroz da maioria absoluta, mas ainda com o mestre-de-cerimónias enfatuado e convencido de si que, todo empinocado no seu Armani, lá vai esclarecendo os indígenas sobre as bondades das suas políticas.
Mas o que vimos e ouvimos durante os debates? Se foi circo, foi do pior. Se foi farsa, não deu para rir. O que foi, então? Uma desgraçada reposição do espectáculo do costume, com as mesmas frases, as mesmas tiradas, as mesmas rábulas, os mesmos tiques, os mesmos actores – ou muito parecidos – enfim, uma deslavada e saturante liturgia, que se repete sempre e sempre, como se ali estivesse a ser discutido e decidido o futuro de todos nós. Do país.
Meus amigos, ali não se resolve nada. Ali só se representa um espectáculo indecoroso e caro, onde os actores repetem vezes sem conta os seus papéis, enquanto cá fora, no mundo real, a tragédia que é a vida de muitos milhões de portugueses continua a decorrer, com sangue a sério, com lágrimas a sério, com suor a sério, sem Armanis, sem águas de colónia caríssimas, sem gravatas de seda, sem senhas de presença, sem bons ordenados e reformas rápidas e nutridas, sem ar condicionado e cadeirões estufados, sem esperança e sem futuro.
Se na Assembleia da República se resolvesse alguma coisa, Portugal não seria o país atrasado que é, o desemprego não bateria recordes atrás de recordes, os baixos salários e reformas não seriam o único suporte da economia, o trabalho precário e mal pago não seria a norma, a economia não estaria de rastos, a justiça e a educação não seriam a anedota que são, os ricos não parariam de enriquecer e os pobres não parariam de aumentar em número e em pobreza. Se na Assembleia da República só tivessem lugar portugueses sérios e dedicados ao seu país – em vez de lá se sentarem, maioritariamente, portugueses chicos-espertos e dedicados, apenas, à sua vidinha e aos seus partidos – Portugal seria um país mais desenvolvido, justo e respeitável, em vez de ser uma coisa indecifrável pendurada na cauda da Europa.
Mas aí, meus amigos, voltamos sempre à mesma conversa. Eles estão lá porque alguém votou neles.
Eu estou inocente, de mãos e consciência limpas. Por isso, como disse aquele leitor, não faço amigos entre essa gente.
Nem quero.
«A corrupção é essencial aos negócios do Estado. Nada funcionava neste país se não se pagasse por debaixo da mesa. Tudo está organizado e elaborado, incluindo os orçamentos públicos e privados, para o dinheiro vivo que é necessário pagar em pesados envelopes. Não teríamos sequer políticos nem partidos políticos, porque eles são pagos e financiados pelos dinheiros da corrupção. Isto vale para as obras e compras do poder central, para as obras e compras do poder local, para os negócios privados, para a mais simples obra ou compra. Para o excelentíssimo senhor administrador da maior empresa pública ou privada, para o senhor empregado do Fisco, para o senhor ministro, para o senhor presidente da autarquia e respectivos vereadores (especialmente os do urbanismo) esforçados técnicos, assessores, conselheiros e adjuntos e, como não podia deixar de ser, para o senhor José da Silva, reles fiscal da mais insignificante autarquia. Porque ou há moralidade, ou comem todos.
Sem falar, obviamente, na mais colorida e doce corrupção, normalmente vestida de azul e branco, e cuja moeda é o chocolate, as viagens ao Brasil, favores de prostitutas e outros mimos semelhantes.
Viva a corrupção! VIVA!
Viva Portugal corrupto e dinâmico! VIVA!
Viva a degeneração absoluta! VIVA!»
Se a cáustica ironia deste comentário é evidente, não é menos verdade que retrata uma realidade cada vez mais palpável, tal o à-vontade – descaramento nascido da impunidade, direi eu – com que se corrompe e se é corrompido. Quase se pode dizer que o fenómeno, de tão corriqueiro, já se transformou num método legítimo, inerente à actividade económica no seu todo. Ou seja: a corrupção existe, de facto, a um nível tão generalizado e impune, que é como se também já existisse de jure. Com cobertura legal. E porque Portugal perdeu a vergonha, talvez já não falte muito.
Lembro-me, a propósito, do que aconteceu aqui há uns anos com a despenalização do consumo de drogas. Incapazes – ou não querendo ser capazes – de lidarem com o fenómeno do tráfico e consumo, os nossos queridos governantes fizeram passar a mensagem que a melhor maneira de combater o tráfico era deixar os consumidores em paz, levando-os ao tratamento em vez de os levar à cadeia, como se as duas coisa fossem incompatíveis. Disse, na altura, que a vida provaria que se tratava de uma medida facilitadora do consumo e, consequentemente, do tráfico. Em consequência, aumentou o número de consumidores e, embora os preços tenham descido ligeiramente, aumentou o tráfico e o lucro dos traficantes. Mas, o que é dramático, aumentaram as mortes devido ao uso de drogas. E não foi pouco, já que dados recentemente divulgados pelo Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência revelam que as mortes provocadas pela droga subiram 45% em Portugal, só nos anos de 2006 e 2007. Sem orgulho, verifico que a razão estava do meu lado.
Se não me engano – e seguindo o raciocínio que liberalizou o consumo de drogas – um dia destes as brilhantes mentes que dirigem Portugal ainda nos vão dizer que a melhor maneira de combater a corrupção será, precisamente, legalizá-la. Tudo rolará sobre esferas ainda mais lubrificadas e, acima de tudo, a classe política e os grandes empresários deixarão de correr o risco de malhar com os ossos na prisão, que na realidade já é o mínimo, ou de verem o seu nome na praça pública. Medida justíssima, pois, como todos sabemos, o que os senhores políticos e os senhores empresários querem, coitados, é só – e apenas – o desenvolvimento do país. E isso tem um preço.
O outro comentário dizia apenas isto:
«As crónicas do senhor João Pereira têm dois defeitos. Não dão para discutir, porque se limitam a relatar factos e a recordar verdades antigas ou actuais. E não agradam a ninguém, porque todos os que andam metidos na política, de uma maneira geral, se sentem retratados nelas. O meu caro senhor assim não faz amigos».
Igualmente irónico, este leitor, parecendo criticar-me, faz-me um rasgado elogio. Tenho o «defeito» de dizer verdades indiscutíveis, a que acresce o «defeito» de não agradar aos políticos. Logo, não faço amigos entre aqueles que as minhas palavras atingem. Ou seja: faço por aí inimigos em barda, especialmente entre os que fazem da política um modo de vida e, por arrastamento, entre aqueles que são indefectíveis dos políticos ou das políticas que eu costumo visar. Mas como só digo verdades, é para esse lado que eu durmo melhor. Aliás, sentir-me-ia desonrado se certa gentinha que por aí se amanha à conta da política – o mesmo é dizer: com dinheiro sugado aos nossos bolsos – estivesse no rol dos meus amigos ou das pessoas que me estimam. Assim é que eu estou bem.
Entretanto, reabriu o Grande Circo Nacional. Sem os animais ferozes, porque o governo acha que é uma barbaridade usar animais selvagens nas condições que os circos oferecem, embora ache – porque não legisla para o evitar – que não é uma barbaridade andar a exaurir um toiro numa arena e espetar-lhe ferros até o sangue jorrar – ou abatê-lo à estocada, como em Barrancos – só para gáudio daqueles que se excitam com os resquícios da barbárie que ainda os habita. Mas, desculpem-me… parece-me que me perdi. O que eu queria dizer é que reabriu a Assembleia da República, sem o animal feroz da maioria absoluta, mas ainda com o mestre-de-cerimónias enfatuado e convencido de si que, todo empinocado no seu Armani, lá vai esclarecendo os indígenas sobre as bondades das suas políticas.
Mas o que vimos e ouvimos durante os debates? Se foi circo, foi do pior. Se foi farsa, não deu para rir. O que foi, então? Uma desgraçada reposição do espectáculo do costume, com as mesmas frases, as mesmas tiradas, as mesmas rábulas, os mesmos tiques, os mesmos actores – ou muito parecidos – enfim, uma deslavada e saturante liturgia, que se repete sempre e sempre, como se ali estivesse a ser discutido e decidido o futuro de todos nós. Do país.
Meus amigos, ali não se resolve nada. Ali só se representa um espectáculo indecoroso e caro, onde os actores repetem vezes sem conta os seus papéis, enquanto cá fora, no mundo real, a tragédia que é a vida de muitos milhões de portugueses continua a decorrer, com sangue a sério, com lágrimas a sério, com suor a sério, sem Armanis, sem águas de colónia caríssimas, sem gravatas de seda, sem senhas de presença, sem bons ordenados e reformas rápidas e nutridas, sem ar condicionado e cadeirões estufados, sem esperança e sem futuro.
Se na Assembleia da República se resolvesse alguma coisa, Portugal não seria o país atrasado que é, o desemprego não bateria recordes atrás de recordes, os baixos salários e reformas não seriam o único suporte da economia, o trabalho precário e mal pago não seria a norma, a economia não estaria de rastos, a justiça e a educação não seriam a anedota que são, os ricos não parariam de enriquecer e os pobres não parariam de aumentar em número e em pobreza. Se na Assembleia da República só tivessem lugar portugueses sérios e dedicados ao seu país – em vez de lá se sentarem, maioritariamente, portugueses chicos-espertos e dedicados, apenas, à sua vidinha e aos seus partidos – Portugal seria um país mais desenvolvido, justo e respeitável, em vez de ser uma coisa indecifrável pendurada na cauda da Europa.
Mas aí, meus amigos, voltamos sempre à mesma conversa. Eles estão lá porque alguém votou neles.
Eu estou inocente, de mãos e consciência limpas. Por isso, como disse aquele leitor, não faço amigos entre essa gente.
Nem quero.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/11/2009. Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.
2 comentários:
Boa noite,
Uma fotografia vale mais do que mil palavras!
www.viverpinhaldogeneral.blogspot.com
Um Bem-haja!
Caro António Cardoso
Queria dizer alguma coisa?
Se sim, o que era?
Cumprimentos
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