quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

OS INIMPUTÁVEIS


Não sou eu que o digo. Ou melhor: não sou só eu que o digo. Portugal está de rastos. O país atravessa uma crise tremenda. Toda a gente o diz. Dizem-no, antes de mais, aqueles que não sentem a crise, a começar pela casta política, da esquerda à direita. Dizem-nos os banqueiros, os grandes empresários, os senhores de Bruxelas e os do FMI. Dizem-no, até, os padres e os bispos. E dizem-no – porque a sentem na pele, nos ossos, no estômago e nos bolsos – os desgraçados que trabalham, os ainda mais desgraçados que estão no desemprego, os pensionistas que auferem pensões infames, enfim, o populacho que sustenta as elites dirigentes e enche os vários alforges de aquém e além mar – ou seja, os off-shores. Dizem-no os pequenos e médios empresários, devorados por Belmiros, Amorins e outros magnatas. Portanto, se todos o dizem – e a grande maioria o sente – não há dúvida que o país está em adiantado estado de decomposição. Certo? Certíssimo!

Agora, vamos lá apurar responsáveis, já que nada acontece sem uma causa, um porquê. Serão os que recebem baixos salários, ou salários assim-assim? Os que recebem pensões miseráveis, ou quase? Os dois milhões de pobres? Os cerca de oitocentos mil desempregados? Enfim, os mais de 9 milhões de portugueses que vegetam ao sabor das venetas de quem manda? Sem medo de desmentido, venha ele do mais fino analista político, comentador diplomado, ideólogo doutorado do neo-liberalismo, ou qualquer economista com lugar cativo nos ecrãs televisivos, garanto que não. Se a cambada tem alguma culpa no cartório, ela resulta do simples facto de ter enfiado nas urnas os papelinhos errados.

Se não é a cambada que tem culpa – e não é – serão os senhores banqueiros e afins, já que são eles que têm nas mãos os cordelinhos da alta finança? Nem pensar! – respondem em coro. São eles que mantêm a economia de pé. Serão, então, os senhores que têm governado o país? Que blasfémia! Basta ouvi-los. Cada um governou melhor que o outro. De Mário Soares a Sócrates, passando por Cavaco, Guterres, Durão, Santana, Eanes, Sampaio, seja como governantes, seja como chefes supremos da nação – venerandos chefes de Estado, como se dizia em tempos que já lá vão – todos eles têm receitas infalíveis para retirar o país do atoleiro onde comprovadamente está. São virgens imaculadas, puríssimas.

Ouve-se falar Sócrates, e ninguém diria que está a governar o país há vários anos, quatro deles com maioria absoluta. Tudo o que fez foi bem feito. Ri-se, no seu estilo de truão compulsivo e sem vergonha na cara – já que nem tudo pode ser imputado a problemas de neurónios. Volta não volta, múmias ressuscitadas por uma televisão impiedosa, vêm opinar sobre a crise. Soares, Eanes, Sampaio, esgotados e repetitivos, parecem personagens absurdas de um filme de Antonioni. Nada de falar sobre o que fizeram – ou deixaram de fazer. Apenas sabem o que deve ser feito. São velhos sábios fora de prazo. Ridículos. Quase trágicos.

Não podendo imputar-se ao povo – porque não manda, não governa – as culpas pela situação que se vive, e recusando os actuais e antigos governantes qualquer responsabilidade na matéria (do poder económico nem é bom falar, porque são os mais inocentes nisto tudo, já que se limitam a fazer a sua obrigação de acumular lucros aos milhões), então, quem são os responsáveis pela desgraça a que chegámos?

Ninguém! Estamos no país dos inimputáveis!


(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 15/12/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

2 comentários:

Anónimo disse...

A imagem deste texto é bem elucidativa daquilo que somos: UNS FANTOCHES.
Os inimputáveis fazem o que querem, como querem e ainda se riem de todos nós.
Hoje começou o julgamento de um tal Costa que se fez banqueiro para ele e os amigos se abotoarem com aquilo que somos obrigados a pagar, graças a um governo que apara estas golpadas porque tem de servir a sua família política.

Anónimo disse...

Nunca - nem no tempo do fascismo - se assistiu a uma pouco vergonha desta dimensão. Políticos corruptos e desavergonhados, reles vigaristas de esquina, incompetentes e trafulhas, gente sem ética e sem escrúpulos, e banqueiros/grandes empresários sem estatura e sem moral. Nunca - nem no tempo do fascismo - o país esteve tão a saque e tão ao Deus-dará como agora.