Quando eu era miúdo, muitos dos meus colegas iam para a escola descalços e, para além da sacola onde levavam os livros, levavam também uma panela numa alcofa para, mal tocasse a sineta, correrem para a fila da Sopa dos Pobres, que funcionava na rua de Campolide. Nessa altura, cidadão que falasse da fome que havia em Portugal, arriscava-se a bater com os ossos nas masmorras que a PIDE reservava para esses «oportunistas» políticos, na altura rotulados de perigosos subversivos anti-patriotas. Os jornais também não falavam da miséria existente, porque havia uma coisa chamada Censura. E desde muito cedo, o meu pai ensinou-me a ter cuidado com conversas sobre a situação política e, principalmente, a nunca revelar o que, a propósito dela, se dizia em nossa casa.
O fascismo não se traduz só por isto, mas estes factos – a fome e a opressão – estão gravados na minha memória como a marca de um sistema político desumano, opressor e caquéctico. Já homem maduro, vivi o 25 de Abril como um radioso despertar de um pesadelo vestido de negro e sujo de sangue. Um respirar de ar puro a plenos pulmões, depois de anos de asfixia numa cave infecta e putrefacta. Homem maduro, mas ingénuo quanto baste para ter julgado, na altura, que a fome, a desigualdade e a opressão seriam coisas do passado. Que a Liberdade e a democracia nos garantiriam uma vida digna, livre da fome e das misérias – físicas e morais – que causticaram a maioria do povo português durante quase meio século. Que não seria assim, em breve Mário Soares se encarregou de nos explicar, mal se apanhou com as rédeas do país nas mãos. Daí para cá, não só se meteram na gaveta as ideias de justiça social, equidade e humanismo, como uma chusma de políticos, devassos e oportunistas, se encarregou de devolver o país à velha ordem social e económica que imperara até Abril de 1974.
De Mário Soares a Sócrates, o PS foi o diapasão dessa reentrega da vida e do futuro dos portugueses – do próprio país, afinal – nas mãos do grande capital financeiro, e a própria Liberdade passou a ser uma coisa sem sentido, pois nada mais resta que o voto induzido e condicionado pela manipulação ideológica – pela propaganda – e o «poder falar-se», mas desde que não sirva para mais que desabafar, ou seja, desde que não ponha em causa a natureza do sistema económico em que vivemos, assente na sangria das classes trabalhadores. Desde que não faça tremer a exploração da mão-de-obra que enriquece o capitalismo reinante – e cada vez mais selvagem.
Sócrates é o pináculo dessa chusma de políticos rascas e debochados que assaltaram o 25 de Abril, com o voto iludido de uma sociedade hipnotizada pelos malabaristas dos principais partidos que, tal como os toureiros aprenderam a conhecer as deficiências congénitas dos touros, também eles aprenderam a levar o povo no engano dos seus passes e volteios.
Por isso, a Sopa dos Pobres aí está, em todo o seu trágico esplendor. E, tal como Salazar queria que a fome e a pobreza não fossem destapadas, também Sócrates, seguindo a mesma cartilha, já fez o favor de avisar que não tolera que elas – a fome e a pobreza – sejam tema do debate político.
Entre o negro do fascismo e o cor-de-rosa destes falsos socialistas, se outras diferenças há, para além da cor, elas são – e tão só – de estilo.
A Sopa dos Pobres de Sócrates e do PS só é diferente da Sopa dos Pobres de Salazar, porque, por enquanto, ainda ninguém anda descalço. Mas é só por enquanto…
O fascismo não se traduz só por isto, mas estes factos – a fome e a opressão – estão gravados na minha memória como a marca de um sistema político desumano, opressor e caquéctico. Já homem maduro, vivi o 25 de Abril como um radioso despertar de um pesadelo vestido de negro e sujo de sangue. Um respirar de ar puro a plenos pulmões, depois de anos de asfixia numa cave infecta e putrefacta. Homem maduro, mas ingénuo quanto baste para ter julgado, na altura, que a fome, a desigualdade e a opressão seriam coisas do passado. Que a Liberdade e a democracia nos garantiriam uma vida digna, livre da fome e das misérias – físicas e morais – que causticaram a maioria do povo português durante quase meio século. Que não seria assim, em breve Mário Soares se encarregou de nos explicar, mal se apanhou com as rédeas do país nas mãos. Daí para cá, não só se meteram na gaveta as ideias de justiça social, equidade e humanismo, como uma chusma de políticos, devassos e oportunistas, se encarregou de devolver o país à velha ordem social e económica que imperara até Abril de 1974.
De Mário Soares a Sócrates, o PS foi o diapasão dessa reentrega da vida e do futuro dos portugueses – do próprio país, afinal – nas mãos do grande capital financeiro, e a própria Liberdade passou a ser uma coisa sem sentido, pois nada mais resta que o voto induzido e condicionado pela manipulação ideológica – pela propaganda – e o «poder falar-se», mas desde que não sirva para mais que desabafar, ou seja, desde que não ponha em causa a natureza do sistema económico em que vivemos, assente na sangria das classes trabalhadores. Desde que não faça tremer a exploração da mão-de-obra que enriquece o capitalismo reinante – e cada vez mais selvagem.
Sócrates é o pináculo dessa chusma de políticos rascas e debochados que assaltaram o 25 de Abril, com o voto iludido de uma sociedade hipnotizada pelos malabaristas dos principais partidos que, tal como os toureiros aprenderam a conhecer as deficiências congénitas dos touros, também eles aprenderam a levar o povo no engano dos seus passes e volteios.
Por isso, a Sopa dos Pobres aí está, em todo o seu trágico esplendor. E, tal como Salazar queria que a fome e a pobreza não fossem destapadas, também Sócrates, seguindo a mesma cartilha, já fez o favor de avisar que não tolera que elas – a fome e a pobreza – sejam tema do debate político.
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(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 22/12/2010.
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