quarta-feira, 27 de julho de 2011

E SE PRIVATIZASSEM A MAMÃ DELES?

A fúria privatizadora tomou conta do governo. A esse propósito, uso as palavras de Saramago, quando soube que um ladrão, corrupto e assassino que governava o Peru, chamado Fujimori, até as zonas arqueológicas do país queria entregar aos privados. Escreveu, na altura, Saramago:

«A mim parece-me bem. Privatize-se Machu Picchu, privatize-se Chan Chan, privatize-se a Capela Sistina, privatize-se o Pártenon, privatize-se o Nuno Gonçalves, privatize-se a Catedral de Chartres, privatize-se o Descimento da Cruz, de Antonio da Crestalcore, privatize-se o Pórtico da Glória de Santiago de Compostela, privatize-se a Cordilheira dos Andes, privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E, finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... E, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos.»

Podia ficar por aqui, mas sempre acrescento qualquer coisa.

Admite, caro leitor, que tens uma casa com terreno à volta, onde produzes géneros alimentares, crias galinhas, uma vaca, há um furo de água, um forno para fazer pão, fogão, e microondas. De repente, alguém te diz que o melhor para ti era vender o terreno, a vaca, as galinhas, o forno, o fogão, o microondas e o furo de água. Sem fogão, sem microondas, sem leite, sem ovos, sem fruta, sem legumes, sem cereais, sem água e sem pão, passarias a comprar tudo aquilo que agora tens, com melhor qualidade e muito mas barato.

Se, caro leitor, uns figurões quaisquer te fizessem essa proposta, o que é que tu os mandavas fazer?

Cá para mim, exactamente a mesma coisa que Saramago sugeriu: que pusessem eles à venda as rameiras que os deitaram ao mundo.





(João Carlos Pereira)



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 27/07/2011.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A MOODY'S E OS PACÓVIOS

Andam por aí uns senhores indignadíssimos com a Moody’s. Porquê? A Moody’s nem disse mentira nenhuma. Porque é que o disse agora? Já se vai ver. Eu também não gosto da Moody’s, mas é sempre, não é de vez em quando. Em Abril deste ano, outra agência de rating, a Fitch, baixou, de uma só vez, cinco níveis na notação na credibilidade da nossa dívida. Ainda não era lixo, mas quase. O senhor presidente da lixeira saiu em defesa dos mercados, dos investidores e das suas agências de notação. Não valia a pena insultar os mercados, disse o senhor Silva, dado que são eles que sabem da poda e estam dispostos a ajudar-nos. Três mesinhos depois, a Moody’s, vem dizer que a dívida portuguesa já não é quase lixo. É mesmo lixo. E o senhor presidente da lixeira passa-se dos carretos e atira-se às agências de rating como gato a bofe. Passaram de gente porreira a uns filhos da mãe. Vá de excomungá-las. O que mudou em três meses? A cor do governo, claro.

Eu é que não gosto da Moody’s, mas a sério, porque ela é um instrumento dos que mandam na minha vida sem que eu possa fazer nada contra isso. É que eu não sou accionista da Moody’s. Eu não posso votar – ou deixar de votar – na Moody’s. Mas eu estou nas mãos da Moody’s. Melhor: dos donos da Moody’s, o que é diferente. É que a Moody’s é apenas uma ferramenta. Aprendam: a Moody’s – como qualquer agência de rating – é dos investidores e, dentro da mais pura lógica capitalista, faz (diz) aquilo que convém aos donos.

A Moody’s serve os famosos investidores, excelentes e indispensáveis criaturas (na óptica iluminada do senhor Silva), que só existem porque são umas pessoas muito caridosas – e muito ricas – e que, sem saber o que fazer ao dinheiro que lhes saiu no euromilhões, resolvem ver se há algum país por aí com a corda na garganta. E de que vivem os senhores investidores? Como todos os agiotas, vivem das nossas dificuldades. No dia em que toda a malta tiver o suficiente para viver, deixa de ir ao prego. Obviamente. Mas enquanto o tipo da casa de penhores da nossa rua não ingere na nossa vida, os investidores têm a capacidade de provocar, nos países que quiserem, as crises que entenderem, para que, depois, nós lhes vamos bater à porta. Os agiotas de bairro têm muito que aprender…

Para nos endividarem, os queridos investidores têm várias ferramentas. As taxas de juros, as restrições do crédito (o controlo total do sistema financeiro) o preço das matérias-primas (o petróleo, por exemplo), os tratados internacionais (os da UE, por exemplo) que retiram das mãos dos Estados (em nome da Liberdade e da sua prima, a dona Concorrência) os sectores chaves da economia, através das privatizações e, consequentemente, através dos mecanismos que controlam os preços dos bens e serviços e, ainda, a possibilidade de limitarem, através dos mesmos tratados, a nossa capacidade produtiva. E, naturalmente, a ferramenta psicológica: a agência de rating, que canta a música certa na hora certa.

Porque é que a Moody’s cantou agora? Simples: porque já se percebeu que os portugueses estão dispostos a comer e a calar. Porque o governo precisa de mais desculpas para mais medidas de austeridade. Coitados, eles até estavam a esforçar-se, mas vêm agora estes bandidos da Moody’s…

Qual Moody’s, qual caraças! Os escandalizados – em Abril, eram cor-de-rosa, agora são, principalmente, alaranjados – devem é indignar-se por estarmos nas mãos de gente – os generosos senhores investidores/grandes agiotas – cujo milhares de milhões não conseguem explicar-nos. Mas se os indignados voltassem os canhões contra os senhores agiotas, estariam a negar o sistema económico em que vivemos e, naturalmente, a sua lógica: lucro máximo, lucro máximo, lucro máximo.

Então? Gostamos do sistema, ou não gostamos? Se gostamos, é aguentar e cara alegre. Deixem lá a Moody’s em paz, que só está lá para distrair os papalvos.

Mas se é disto que gostam – porque é nisto que votam –, estão a queixar-se de quê?

Da Moody’s? Não me façam rir.





(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 20/07/2011.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

A ESTUPIDEZ HUMANA

Albert Einstein disse que só há duas coisas infinitas: o universo e a estupidez humana, acrescentado que, quanto ao primeiro, tinha as suas dúvidas. Vem isto a propósito de, em Portugal, nos dias que correm, só haver uma coisa absolutamente certa: para 90% dos portugueses, o dia de amanhã vai ser pior que o dia de hoje. Há décadas, aliás, que é assim.

Perante um eleitorado incapaz de discernir de acordo com a realidade – ou seja: quem (que pessoas e partidos) conduziu o país à situação em que se encontra, que políticas conduziram ao desastre – e, consequentemente, exigir soluções que invertam essa situação, cerca de 70% dos que ainda votam fazem-no por dois motivos fundamentais: apoiar o partido dos seus afectos, ao qual tudo justificam e aplaudem; derrotar o seu principal opositor, ao qual tudo condenam, mesmo que sejam as práticas políticas – e respectivos resultados – que suportam e justificam no seu.

Em consequência desta absoluta imbecilidade, a vida da maioria dos portugueses, incluindo os tais 70% de eleitores masoquistas, tem vindo a transformar-se num inferno. Paralelamente – e de forma absolutamente perversa e cínica – o poder instalado, pelas vozes e penas de que dispõe em toda a comunicação social, que lhe pertence ou domina, esforça-se por difundir a ideia de que a situação actual do país resulta precisamente do facto de a maioria dos portugueses viver acima das suas posses. Terem muitos «direitos adquiridos». Tenta-se, assim, convencer a população a aceitar, passivamente e de bom grado, os cada vez maiores sacrifícios que lhes são impostos e, principalmente, que não perceba que a resolução da crise não é mais que um mero processo de transferência dos cêntimos que possam existir nos bolsos de milhões de pessoas para as carteiras, contas, cofres e “offshores” de quem domina, de facto, o país: os detentores do poder económico nacional e multinacional.

Como se sabe – alguns fingem que não sabem, e nem gostam que se fale nisso –, Portugal é um paradigma das desigualdades sociais, dos baixos salários e pensões, da pior repartição da riqueza, das piores prestações sociais, do menor peso dos encargos com salários nos custos de produção, enfim, um país onde a miséria alastra de forma assustadora. Mas é um país onde os «direitos adquiridos» das elites fazem inveja aos seus pares por essa Europa fora, ou mesmo ao presidente Obama e ao responsável pela Reserva Federal Norte-Americana. Enfim, algo com que os 70% que votam PS e PSD convivem muito bem, coisa que já não acontece com os «direitos adquiridos» da classe de explorados a que a maioria deles pertence.

Estribado nesta absurda realidade, que Einstein explicou divinalmente, o PSD prepara-se para rapar o fundo ao tacho. Parte do Subsídio de Natal já lá vai. Levado na onda anestésica de um novo ciclo eleitoral (no «agora é que vai ser!») e no enorme suspiro de alívio que foi correr com Sócrates, o pagode vai ser sugado sem dó nem piedade, na crença vã – e estúpida – de que vem aí algo de novo e de melhor.

Daqui a quatro anos estarão a votar em Assis ou Seguro. Mais pobres, mais pindéricos, mas cheios de esperança.






(João Carlos Pereira)




Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía .