quarta-feira, 20 de julho de 2011

A MOODY'S E OS PACÓVIOS

Andam por aí uns senhores indignadíssimos com a Moody’s. Porquê? A Moody’s nem disse mentira nenhuma. Porque é que o disse agora? Já se vai ver. Eu também não gosto da Moody’s, mas é sempre, não é de vez em quando. Em Abril deste ano, outra agência de rating, a Fitch, baixou, de uma só vez, cinco níveis na notação na credibilidade da nossa dívida. Ainda não era lixo, mas quase. O senhor presidente da lixeira saiu em defesa dos mercados, dos investidores e das suas agências de notação. Não valia a pena insultar os mercados, disse o senhor Silva, dado que são eles que sabem da poda e estam dispostos a ajudar-nos. Três mesinhos depois, a Moody’s, vem dizer que a dívida portuguesa já não é quase lixo. É mesmo lixo. E o senhor presidente da lixeira passa-se dos carretos e atira-se às agências de rating como gato a bofe. Passaram de gente porreira a uns filhos da mãe. Vá de excomungá-las. O que mudou em três meses? A cor do governo, claro.

Eu é que não gosto da Moody’s, mas a sério, porque ela é um instrumento dos que mandam na minha vida sem que eu possa fazer nada contra isso. É que eu não sou accionista da Moody’s. Eu não posso votar – ou deixar de votar – na Moody’s. Mas eu estou nas mãos da Moody’s. Melhor: dos donos da Moody’s, o que é diferente. É que a Moody’s é apenas uma ferramenta. Aprendam: a Moody’s – como qualquer agência de rating – é dos investidores e, dentro da mais pura lógica capitalista, faz (diz) aquilo que convém aos donos.

A Moody’s serve os famosos investidores, excelentes e indispensáveis criaturas (na óptica iluminada do senhor Silva), que só existem porque são umas pessoas muito caridosas – e muito ricas – e que, sem saber o que fazer ao dinheiro que lhes saiu no euromilhões, resolvem ver se há algum país por aí com a corda na garganta. E de que vivem os senhores investidores? Como todos os agiotas, vivem das nossas dificuldades. No dia em que toda a malta tiver o suficiente para viver, deixa de ir ao prego. Obviamente. Mas enquanto o tipo da casa de penhores da nossa rua não ingere na nossa vida, os investidores têm a capacidade de provocar, nos países que quiserem, as crises que entenderem, para que, depois, nós lhes vamos bater à porta. Os agiotas de bairro têm muito que aprender…

Para nos endividarem, os queridos investidores têm várias ferramentas. As taxas de juros, as restrições do crédito (o controlo total do sistema financeiro) o preço das matérias-primas (o petróleo, por exemplo), os tratados internacionais (os da UE, por exemplo) que retiram das mãos dos Estados (em nome da Liberdade e da sua prima, a dona Concorrência) os sectores chaves da economia, através das privatizações e, consequentemente, através dos mecanismos que controlam os preços dos bens e serviços e, ainda, a possibilidade de limitarem, através dos mesmos tratados, a nossa capacidade produtiva. E, naturalmente, a ferramenta psicológica: a agência de rating, que canta a música certa na hora certa.

Porque é que a Moody’s cantou agora? Simples: porque já se percebeu que os portugueses estão dispostos a comer e a calar. Porque o governo precisa de mais desculpas para mais medidas de austeridade. Coitados, eles até estavam a esforçar-se, mas vêm agora estes bandidos da Moody’s…

Qual Moody’s, qual caraças! Os escandalizados – em Abril, eram cor-de-rosa, agora são, principalmente, alaranjados – devem é indignar-se por estarmos nas mãos de gente – os generosos senhores investidores/grandes agiotas – cujo milhares de milhões não conseguem explicar-nos. Mas se os indignados voltassem os canhões contra os senhores agiotas, estariam a negar o sistema económico em que vivemos e, naturalmente, a sua lógica: lucro máximo, lucro máximo, lucro máximo.

Então? Gostamos do sistema, ou não gostamos? Se gostamos, é aguentar e cara alegre. Deixem lá a Moody’s em paz, que só está lá para distrair os papalvos.

Mas se é disto que gostam – porque é nisto que votam –, estão a queixar-se de quê?

Da Moody’s? Não me façam rir.





(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 20/07/2011.

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