A fome alastra na Grécia, onde já se registaram casos de crianças que desmaiam durante as aulas, em consequência de carências alimentares. Afecta ao poder, a maioria da comunicação social silenciou – ou desvalorizou – esta situação, porque o que interessa é que a austeridade não provoque mais indignação e leve o povo a levantar-se contra os governantes e o poder económico – os investidores, ou os mercados, ou os especuladores, ou os agiotas – pois são eles os pais da crise. Não importa o que as crianças sofrem, seja na Grécia, seja na Serra Leoa, seja em Portugal, desde que os senhores investidores possam ver bem remunerados os empréstimos que nos fazem com o dinheiro que acumularam à custa do nosso trabalho. Com o dinheiro que nos roubaram.
Por cá, entusiasmado com a mansidão do bom povo português, sempre à espera que a senhora de Fátima (ou D. Sebastião) faça o milagre de salvar o país, o garotelho que o PSD pôs à experiência em S. Bento já veio dizer que daqui a 20 anos as pensões de reforma estarão reduzidas a metade. Acrescenta o salafrário que o melhor é os portugueses começarem a poupar, constituindo reservas em instituições públicas ou privadas, de maneira a que as suas pensões sejam menos miseráveis do que ele, em tom de ameaça, já vaticina. Para além de confessar o fracasso do sistema económico e financeiro em que vivemos, o mariola – qual coelho escondido com tudo de fora – vai, sub-repticiamente, empurrando a maralha para subscrever produtos financeiros dos bancos e das seguradoras, que por acaso – e só por mero acaso – estão nas mãos dos senhores capitalistas, os tais que ajudaram à festa e que, assim, alargarão a sua manjedoura. E que, depois, darão emprego, com boas reformas no fim, aos tratantes dos governantes e deputados que lhes animarem o negócio.
Poupar? Mas poupar o quê? E como? Não saberá o biltre que ele tem, acolitado pelo carniceiro Gaspar, rapado os últimos cêntimos dos bolsos dos portugueses, e que todos os dias promete mais e melhor rapinanço?
Alguém disse, há dias, esta coisa muito certa: «Esta é uma crise do capitalismo e foi criada pela sobre-exploração da força de trabalho, com os imensos lucros do grande capital e a sua acumulação. O capitalismo é um sistema que está podre e obsoleto. Não pode ser corrigido. Enquanto o capitalismo existir, trará sempre consigo desemprego, fome, guerra, exploração brutal para as classes trabalhadoras e a população em geral».
Parece claro que – e as palavras do rapazola não deixam margem para dúvidas – com os facínoras que há trinta e cinco anos nos governam, só nos resta ver os nossos filhos a cair de fome.
Por muito menos a Maria da Fonte veio para a rua de pistolas nas mãos. E nós? Estamos à espera de quê?
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 28/12/2011.