quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

A GREVE, OS CÍNICOS E OS ASNOS

Andam por aí alguns cavalheiros a carpir a sua indignação pelos prejuízos que a Greve Geral terá causado ao país. Não os ouvi carpir quando um binómio tenebroso, constituído pela alta finança e o poder político, vendeu ao desbarato a nossa capacidade produtiva e endividou o país até aos cabelos. Caladinhos que nem ratos, viram as empresas estratégicas nacionais e os sectores básicos da nossa economia serem – e, se deixarmos, o que resta também será – saborosas pechinchas para a voracidade do capital financeiro. Mas da greve argumentaram que é apenas uma face da luta partidária, não passando, em suma, de atentado ilegítimo ao interesse nacional.

Por mero acaso – e só por mero acaso – são os mesmos cavalheiros que achavam que as greves promovidas pelo senhor Walesa, na Polónia, eram o último grito do poder sindical. Por mero acaso – e só por mero acaso – são os mesmos cavalheiros que acham que todo o património é intocável – sagrado, até – com uma só excepção: o património que resulta da venda do trabalho, ou seja, os ordenados e as pensões. Por mero acaso – e só por mero acaso – são os mesmos cavalheiros que acham legítimo um empresário fechar a sua empresa e ir reabri-la no estrangeiro, ou fazer dos offshores um delicioso refúgio da riqueza conseguida à custa de quem trabalha ou da mais nauseabunda especulação. Não, nada disso incomoda os grandes patriotas. Só as greves.

Não os incomoda que as políticas de austeridade, impostas por estrangeiros, provoquem um estado de recessão crónica, com a economia a contrair, segundo a OCDE, 3,2% em 2012, ano em que o desemprego atingirá novos máximos, acrescentando aos actuais mais 75 mil novos desempregados.

Não incomoda estes cínicos – ou asnos chapados – que a par da perda do poder de compra, seja pelo aumentos dos preços, seja pelo roubo de parte das remunerações e da quebra dos direitos básicos dos portugueses – como o acesso à Saúde, à Educação, ao Trabalho e à Cultura – se pretenda transformar cada trabalhador num mero instrumento do interesse empresarial, aumentando-lhe a carga horária e colocando-o numa quase permanente disponibilidade face ao seu empregador, como se em vez de um ser humano não passasse de um escravo «democrático», algo que nem um tipo nascido em Santa Comba Dão, e que aperreou o país por mais de quatro décadas, foi capaz sequer de imaginar.

Um por cento da população portuguesa dá-se bem com este estado de coisas – e até acha pouco. Compreende-se. São os eternos vampiros insaciáveis, cínicos que gostariam que as vítimas se deixassem sangrar sem um queixume.

O que não se compreende é que entre os 99% de vítimas existam tantos asnos.



(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 07/12/2011.

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