Em 1 de Abril de 2011, dizia o candidato Passos Coelho: «É um disparate dizer que o PSD quer acabar com o 13.º mês».
Dois meses depois, o mesmo senhor, já eleito, informava o país que seria necessário um corte temporário de 50% no subsídio de Natal de 2011.
Aqui, lembrei-me dos PEC’s de Sócrates, que Passos Coelho criticava porque nunca mais acabavam, sendo cada um pior que o anterior.
Quatro meses mais tarde, ou seja, em Outubro de 2011, o governo, pela voz do infalível e clarividente coveiro das Finanças, garantia, sonolenta mas peremptoriamente, o seguinte: «Vamos eliminar os subsídios de férias e de Natal até 2013». Mais uma vez me veio à memória a tenebrosa época socialista, e pus-me a pensar no que diriam agora os que julgavam que as coisas, se fossem em tons laranja, seriam melhor que em tons cor-de-rosa.
Em 5 de Abril deste ano, depois de Bruxelas e o FMI terem adiantado que essa coisa de subsídios de férias e de Natal deviam mas era acabar (esquecendo-se de dizer que mesmo com subsídios os nossos rendimentos estão na cauda da Europa), o senhor doutor Gaspar, confrontado com as suas declarações de Outubro de 2011, saiu-se com esta: «Foi um lapso: sempre dissemos que o corte nos subsídios era até 2015».
Eu sabia – e disse-o – que passar do PS para o PSD, em termos de práticas políticas, era passar da fome para a vontade de comer (ou vice-versa), mas julgava que, com a saída de Sócrates e do bando socialista que o acolitava, passaria a haver alguma decência na condução da coisa pública e que a palhaçada, a pulhice, a malandrice refinada e a intrujice rasteira deixariam de ser o pão-nosso de cada dia. Enganei-me. Mas julgo não me enganar se disser que se os portugueses continuarem a aparar este jogo – uns, porque agora são aqueles em quem votaram que estão a ir-lhes ao bolso; outros, porque acreditam que os seus sacrifícios são para resolver a crise e que as coisas voltarão a compor-se um dia destes; outros, ainda, porque não têm qualquer sentido crítico e já nasceram burros de carga –, daqui a uns tempos nada teremos do que o 25 de Abril trouxe, mais o que o próprio fascismo deu, e voltaremos às trevas da Praça de Jorna. E se alguém pensa que nos devolverão pacificamente o que agora nos estão a tirar, prepare-se para jamais o ter.
Todas as épocas têm os seus tiranos e os seus fornos crematórios, só a nomenclatura é que muda: hoje, os tiranos, chamam-se democratas; e o gás Zyklon 8, agora chama-se Crise.
É verdade: não interessa exterminar os que podem trabalhar. Basta mantê-los em estado vegetativo.
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 18/04/2012.
Um pensionista grego suicidou-se à frente do parlamento, em Atenas, devido à degradação da sua situação económica. O homem, um farmacêutico de 77 anos, gritou: “Tenho dívidas, não aguento mais! Não quero deixar as dívidas ao meu filho”. E deu um tiro na cabeça.
A polícia divulgou um bilhete deixado pelo pensionista, onde este atribuiu à crise económica e ao governo as razões para decidir pôr fim à vida. Nele, o pensionista escreveu que o governo “eliminou qualquer esperança de sobrevivência”, acrescentando que este era o único “final digno, para não ter de começar a remexer o lixo para conseguir comida”.
Em Portugal, talvez porque somos infinitamente mais mansos e imensamente mais estúpidos – a maioria até acha que a crise não é culpa de ninguém, muito menos dos governantes e dos senhores capitalistas – ainda ninguém decidiu suicidar-se à frente da Assembleia da República, forma de conferir ao acto alguma utilidade. Não: prefere-se fazê-lo sem espalhafatos e sem proveito. Mas a verdade é que as mortes por suicídio, em Portugal, ultrapassaram, pela primeira vez, os óbitos provocados por acidentes rodoviários. Números do Instituto Nacional de Estatística dizem-nos que ocorreram, em Portugal, 1.101 óbitos «por lesões auto-provocadas voluntariamente», mais 86 do que as mortes registadas em acidentes nas estradas durante igual período, dizendo o director do Plano Nacional de Saúde Pública, que os casos de suicídio são muito superiores aos que as estatísticas apontam.
Segundo o DN, face a estes números, o governo decidiu antecipar a criação de uma comissão que vai desenvolver o programa de prevenção dos suicídios. Esta medida segue-se a um alerta da Comissão Europeia e da Organização Mundial de Saúde para o aumento das depressões em situações de crise.
Se o governo me permite uma sugestão, ela aqui vai: a melhor medida para esse programa de prevenção dos suicídios provocados pela crise, seria a do governo suicidar-se em bloco, numa bela cerimónia transmitida em directo pela TV, em horário nobre. E se o não fizer, mais dia, menos dia, alguém vai ter que os suicidar. Porque já se diz por aí, à boca cheia, que isto às boas não vai lá.
Coisas lindas, as metáforas.
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 11/04/2012.
Quando eu for grande, quero ser gestor de uma empresa pública, do tipo daquela que se chama Parque Escolar. Para ser gestor de uma empresa assim, a principal competência reside em saber escolher o partido certo e, principalmente, saber cair nas graças do seu manda-chuva. A partir daí, passo a gerir um orçamento ilimitado, a poder falhar todas as metas orçamentadas e assumir encargos incomportáveis para o país, sempre tranquilo da vida. Se, nessa altura, a boa ordem natural das coisas ainda for o que é, a empresa que ganhará a maior fatia das obras adjudicadas será aquela que tiver a dirigi-la um antigo ministro das Obras Públicas, saído do partido a que pertenço, coisa sempre muito confortável em termos técnicos e financeiros. Não sei se me faço entender.
Em alternativa a uma empresa pública, não me importarei nada de passar primeiro pelo governo, aí com um cargo de ministro ou secretário de estado, desde que possa tomar medidas que dinamizem o sector privado, especialmente na área financeira, ou no campo da energia, ou das telecomunicações, ou das acessibilidades. Estou a pensar em cenas como o BCP, BPN, Galp, Lusoponte, Portugal Telecom, EDP, Petrogal, coisas destas. É claro que, face aos meus méritos e espírito de iniciativa, se alguma destas empresas decidir que, após um mandato indeclinável, mas prenhe de sacrifício – como exige, aliás, a causa pública – poderei ser útil nos quadros da sua administração, estarei sempre disponível para continuar a sacrificar-me em prol da economia e, naturalmente – e por consequência – em prol do país, pensamento primeiro de qualquer grande empresário, apesar de, maldosamente, se dizer por aí que eles, os grandes empresários, só pensam é em aumentar os seus lucros. Não sei se continuo a fazer-me entender.Outra coisa que eu também não me importarei de ser quando for grande, no caso de falharem as anteriores, é intermediário em processos de licenciamento – coisas assim parecidas com o Freeport –, ou ter poder de decisão em matéria de urbanismo, pois acho que são áreas que exigem uma grande capacidade de análise e uma aptidão argumentativa acima da média, dado que tudo tem o seu preço, e nós não andamos cá a ver andar os comboios.
Se no meio disto tudo – ou por causa disto tudo – alguma coisa der para o torto, porreiro, pá, chama-se a Troika.
Não sei se me faço entender.
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 04/04/2012.