Falemos de eleições. O primeiro e-mail que recebi após a divulgação dos resultados eleitorais dizia o seguinte: «O povo português tem o que merece. Incrível!». Corresponde àquilo que eu penso, tal como um amigo meu, que dizia, há dias, que se a maioria do povo português gosta de se rebolar na caca, só porque ela é quente e macia, então que se rebole. Pena é que os que não gostam acabem por ficar sujos na mesma borrada. Mais uma vez subscrevo.
É verdade que o PS perdeu meio milhão de votos. É verdade que o PSD encalhou numa votação muito abaixo das suas expectativas. Mas os dois partidos, que sempre estiveram às rédeas da governação de 1976 até hoje – trinta e três aninhos de recuos e sofrimentos, trinta e três aninhos a roubar o que o 25 de Abril deu ao povo português, trinta e três aninhos de vingança dos banqueiros e companhia, apadrinhada por Mário Soares, Cavaco, Guterres, Durão e Sócrates, entre outros – esses dois partidos, dizia eu, receberam mais de 66% dos votos, prova de duas coisas indiscutíveis: a primeira, é que o crime compensa; a segunda, é que o povo português não tem uma perspectiva social e política da vida, mas deixa-se levar, de maneira mais ou menos acéfala, pela via das simpatias pessoais ou afectos partidários, sem cuidar de saber se eles correspondem aos seus interesses enquanto cidadãos. Enquanto seres humanos.
Os resultados eleitorais – especialmente a votação maioritária nesses dois partidos – é tanto mais incompreensível quanto é certo que eles se acusaram mutuamente, e com toda a razão, de responsáveis pelo descalabro a que o país chegou. Mais desemprego, uma economia de rastos, o país e os cidadãos endividados até aos cabelos, a agricultura e as pescas destruídas, a indústria paralisada, baixos salários, péssimo poder de compra, má Saúde, pior Educação, péssimas reformas e prestações sociais. Com o PSD e, especialmente, com o PS, só cresceram os lucros da banca, a corrupção, a criminalidade, o fosso entre ricos e pobres e a distância entre Portugal e os parceiros europeus.
Esta percepção da vida, da realidade, que todos os portugueses deveriam ter quando se apresentam a votar, é impedida, na prática, pela manipulação ideológica desenvolvida pela maioria da comunicação social e, principalmente, pelo facto de estar instituída, entre o eleitorado, a ideia de que um partido é como o nosso clube. Esta é uma ideia estúpida e, em termos sociais e políticos, verdadeiramente suicida.
É verdadeiramente assustador que o presente e futuro de cada um de nós – e de nós todos, enquanto povo – estejam dependentes de simpatias ou antipatias pessoais, de factores subjectivos e emocionais, e por isso, facilmente manipuláveis, ou da capacidade que um ou outro líder partidário possa ter para intrujar melhor o eleitorado, sem que este possa ou saiba ver e julgar para além das aparências e da poalha espalhada por palavras ditas com a convicção do mais exímio vendedor de banha da cobra.
É verdadeiramente assustador que milhares de eleitores, apenas porque um dia decidiram, por razões puramente aleatórias e emotivas, aderir a um partido, possam a ele fidelizar-se de tal modo que lhe suportem – ou nem sequer as percebam – todas as suas acções, mesmo as que atentam contra os seus interesses mais fundamentais. É pavoroso pensar-se como pode um eleitor do PS ou do PSD aceitar como bom, no seu partido, aquilo que, convictamente, condena no outro. É esta irracionalidade quase imbecil que leva a que os líderes partidários façam gato-sapato do eleitorado e que, no fim, quem fique a rir sejam os grandes beneficiários das políticas que PS e PSD desenvolvem há mais de três décadas, ou seja, o grande patronato, o capital financeiro, em suma, o sistema económico e político que privilegia o capital em desfavor do trabalho.
Por isso, aí estão as gerações dos call-centers, das empresas de prestação de serviços, das cozinhas e balcões dos Mac Donnalds, dos contratos a prazo, da precariedade generalizada, do desemprego, da vida sem horizontes, dos ordenados miseráveis, também chamadas as gerações dos Quinhentos (euros), cada vez mais dependentes da casa dos pais e de trabalhos ocasionais. São, na maioria, peixinhos de aquário que não sabem, sequer, que há rios e mares. Nisso os transformaram.
A abstenção, mais uma vez, venceu a eleições, com uma expressão de quase 40%. E apesar de saber que vou arrepiar os defensores do «o que é preciso é votar», não hesito em dizer que compreendo melhor um abstencionista do que um eleitor desempregado – ou um trabalhador a prazo – que tenha votado PS ou PSD. Se alguém não foi votar (e foram mais de dois milhões) é porque, na maioria dos casos, nenhum partido e nenhum político foram suficientemente capazes de o convencer a isso.
Feitas as contas, Sócrates vai tentar formar governo. A perda da maioria absoluta e de meio milhão de votos vai pôr-lhe, para já, freio nos dentes. Não vejo, à esquerda, quem se disponha a dar-lhe a mão, não só porque, em termos ideológicos, isso significaria que alguém iria negar os seus princípios ideológicos (ou Sócrates, ou a esquerda), e porque dar a mão a um homem como Sócrates, significaria, inevitavelmente, sujá-la.
Estará na direita, naturalmente, a salvação do homem da licenciatura fantasma, do Freeport, das falsas declarações sobre as suas verdadeiras habilitações literárias, das trapalhadas da Cova da Beira, do Magalhães encomendado a rapaziada amiga lá do seu partido (por acaso, a contas com o Fisco), das pressões sobre a justiça e a comunicação social e de todo um rol de trafulhices e mentiras que a história, um dia, julgará.
Mas é preciso ter em atenção que a política, em vez de ser uma arte nobre de servir um povo e um país, é um campo armadilhado. É sempre o poder que está em causa, e nunca os interesses nacionais. Cada manga esconde uma faca, cada sorriso um veneno. Sócrates, como sabemos, está cheio de podres. Não serão as questões políticas que presidirão às negociações que se seguirão, mas os esqueletos que os armários partidários tentam esconder a todo o custo. E, lá por trás, está o verdadeiro poder – o poder económico – a puxar os cordelinhos.
Resumindo: deixarão Sócrates entregue à sua sorte, ou haverá alguém disposto – ou abrigado – a sujar as mãos nas dele?
Entretanto, o país continuará a apodrecer. Coisa que, como vimos, pareceu não incomodar nada mais de três milhões e setecentos mil eleitores.
É verdade que o PS perdeu meio milhão de votos. É verdade que o PSD encalhou numa votação muito abaixo das suas expectativas. Mas os dois partidos, que sempre estiveram às rédeas da governação de 1976 até hoje – trinta e três aninhos de recuos e sofrimentos, trinta e três aninhos a roubar o que o 25 de Abril deu ao povo português, trinta e três aninhos de vingança dos banqueiros e companhia, apadrinhada por Mário Soares, Cavaco, Guterres, Durão e Sócrates, entre outros – esses dois partidos, dizia eu, receberam mais de 66% dos votos, prova de duas coisas indiscutíveis: a primeira, é que o crime compensa; a segunda, é que o povo português não tem uma perspectiva social e política da vida, mas deixa-se levar, de maneira mais ou menos acéfala, pela via das simpatias pessoais ou afectos partidários, sem cuidar de saber se eles correspondem aos seus interesses enquanto cidadãos. Enquanto seres humanos.
Os resultados eleitorais – especialmente a votação maioritária nesses dois partidos – é tanto mais incompreensível quanto é certo que eles se acusaram mutuamente, e com toda a razão, de responsáveis pelo descalabro a que o país chegou. Mais desemprego, uma economia de rastos, o país e os cidadãos endividados até aos cabelos, a agricultura e as pescas destruídas, a indústria paralisada, baixos salários, péssimo poder de compra, má Saúde, pior Educação, péssimas reformas e prestações sociais. Com o PSD e, especialmente, com o PS, só cresceram os lucros da banca, a corrupção, a criminalidade, o fosso entre ricos e pobres e a distância entre Portugal e os parceiros europeus.
Esta percepção da vida, da realidade, que todos os portugueses deveriam ter quando se apresentam a votar, é impedida, na prática, pela manipulação ideológica desenvolvida pela maioria da comunicação social e, principalmente, pelo facto de estar instituída, entre o eleitorado, a ideia de que um partido é como o nosso clube. Esta é uma ideia estúpida e, em termos sociais e políticos, verdadeiramente suicida.
É verdadeiramente assustador que o presente e futuro de cada um de nós – e de nós todos, enquanto povo – estejam dependentes de simpatias ou antipatias pessoais, de factores subjectivos e emocionais, e por isso, facilmente manipuláveis, ou da capacidade que um ou outro líder partidário possa ter para intrujar melhor o eleitorado, sem que este possa ou saiba ver e julgar para além das aparências e da poalha espalhada por palavras ditas com a convicção do mais exímio vendedor de banha da cobra.
É verdadeiramente assustador que milhares de eleitores, apenas porque um dia decidiram, por razões puramente aleatórias e emotivas, aderir a um partido, possam a ele fidelizar-se de tal modo que lhe suportem – ou nem sequer as percebam – todas as suas acções, mesmo as que atentam contra os seus interesses mais fundamentais. É pavoroso pensar-se como pode um eleitor do PS ou do PSD aceitar como bom, no seu partido, aquilo que, convictamente, condena no outro. É esta irracionalidade quase imbecil que leva a que os líderes partidários façam gato-sapato do eleitorado e que, no fim, quem fique a rir sejam os grandes beneficiários das políticas que PS e PSD desenvolvem há mais de três décadas, ou seja, o grande patronato, o capital financeiro, em suma, o sistema económico e político que privilegia o capital em desfavor do trabalho.
Por isso, aí estão as gerações dos call-centers, das empresas de prestação de serviços, das cozinhas e balcões dos Mac Donnalds, dos contratos a prazo, da precariedade generalizada, do desemprego, da vida sem horizontes, dos ordenados miseráveis, também chamadas as gerações dos Quinhentos (euros), cada vez mais dependentes da casa dos pais e de trabalhos ocasionais. São, na maioria, peixinhos de aquário que não sabem, sequer, que há rios e mares. Nisso os transformaram.
A abstenção, mais uma vez, venceu a eleições, com uma expressão de quase 40%. E apesar de saber que vou arrepiar os defensores do «o que é preciso é votar», não hesito em dizer que compreendo melhor um abstencionista do que um eleitor desempregado – ou um trabalhador a prazo – que tenha votado PS ou PSD. Se alguém não foi votar (e foram mais de dois milhões) é porque, na maioria dos casos, nenhum partido e nenhum político foram suficientemente capazes de o convencer a isso.
Feitas as contas, Sócrates vai tentar formar governo. A perda da maioria absoluta e de meio milhão de votos vai pôr-lhe, para já, freio nos dentes. Não vejo, à esquerda, quem se disponha a dar-lhe a mão, não só porque, em termos ideológicos, isso significaria que alguém iria negar os seus princípios ideológicos (ou Sócrates, ou a esquerda), e porque dar a mão a um homem como Sócrates, significaria, inevitavelmente, sujá-la.
Estará na direita, naturalmente, a salvação do homem da licenciatura fantasma, do Freeport, das falsas declarações sobre as suas verdadeiras habilitações literárias, das trapalhadas da Cova da Beira, do Magalhães encomendado a rapaziada amiga lá do seu partido (por acaso, a contas com o Fisco), das pressões sobre a justiça e a comunicação social e de todo um rol de trafulhices e mentiras que a história, um dia, julgará.
Mas é preciso ter em atenção que a política, em vez de ser uma arte nobre de servir um povo e um país, é um campo armadilhado. É sempre o poder que está em causa, e nunca os interesses nacionais. Cada manga esconde uma faca, cada sorriso um veneno. Sócrates, como sabemos, está cheio de podres. Não serão as questões políticas que presidirão às negociações que se seguirão, mas os esqueletos que os armários partidários tentam esconder a todo o custo. E, lá por trás, está o verdadeiro poder – o poder económico – a puxar os cordelinhos.
Resumindo: deixarão Sócrates entregue à sua sorte, ou haverá alguém disposto – ou abrigado – a sujar as mãos nas dele?
Entretanto, o país continuará a apodrecer. Coisa que, como vimos, pareceu não incomodar nada mais de três milhões e setecentos mil eleitores.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 30/09/2009.
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