I Acto – A palhaçada do costume
Abriu a caça ao voto. Basta ter a televisão ligada para se perceber o ruído das máquinas partidárias. É o ritual do costume. Nesta época, os partidos que têm governado o país aparecem de roupa limpa e cara e mãos lavadas. O passado, aliás, não existe. Nunca existiu. Ninguém tem culpas no cartório, ninguém é responsável pelo estado lastimável a que o país chegou. O passado não é com eles. Só o futuro.
É entusiasmante verificar, agora, como todos eles sabem como se deve governar o país. Como se vai acudir à pobreza, cuidar da Educação, melhorar os cuidados na Saúde, garantir uma Segurança Social digna desse nome, aumentar a produção de riqueza e distribui-la melhor. Acabar com o desemprego e com o trabalho precário. É preciso é que votem neles. Desta vez é que vai ser. Não falha.
É verdade que as coisas estão mal – estão péssimas, mesmo – mas isso é culpa dos outros. É sempre dos outros. Ou da crise. Ou da crise e dos outros, ao mesmo tempo. Por isso, senhoras e senhores, aqui estamos nós para vos servir, rapazes e raparigas capazes, honestos, iluminados, competentes e totalmente dedicados à causa pública, a pedir o vosso voto para, em troca, vos resolvermos todos os vossos problemas. Ou quase todos, porque perfeito… só Deus, nosso Senhor.
É a democracia no seu esplendor. Ou seja: quando milhões de adultos são tratados como crianças atrasadas mentais… e parecem não dar por isso.
II Acto – O mistério das escutas
O primeiro sinal foi dado pela presença (inexplicável), em certa comitiva presidencial, de um elemento estranho. Era um boy socialista, que ninguém tinha convidado, e que se dedicava a ver e ouvir, com muita atenção, tudo o que se passava, e que, pelo seu comportamento, deu claramente a entender que era os olhos e os ouvidos do Partido Socialista. Como o governo estava devidamente representado por um dos seus ministros, evidente se tornou que a comitiva e, principalmente, o Presidente da República, estavam a ser alvo de marcação cerrada.
Seguiu-se a rábula das escutas. O PS descobriu – ou disse ter descoberto – que assessores de Belém haviam colaborado na elaboração do programa eleitoral do PSD. Tanto bastou para constar que Belém estava sob escuta. Para ser franco, tanto se me dá que os assessores de Belém participem na elaboração do programa eleitoral do PSD, como imaginar que assessores do governo participem na feitura do programa eleitoral do PS.
E para ser ainda mais franco, não me custa nada acreditar que o PS ande a escutar toda a gente, pois estou farto de saber o que a casa gasta. Eles são todos muito democratas, muito sérios, muito amigos da liberdade e, principalmente, incapazes de violarem os princípios constitucionais, mas Sócrates já mostrou, sem margem para dúvidas ou hesitações, que não olha a meios para atingir os seus fins.
Dali, espero tudo. Como se verá no próximo acto.
III Acto – O regresso da PIDE?
A vocação pidesca do PS não é, para mim, nenhuma novidade. Nem o seu gosto pela mais reles bufaria. No Arsenal do Alfeite, na Lisnave, na Siderurgia Nacional ou na Sorefame, por exemplo, eram os activistas sindicais do PS que entregavam às administrações e aos conselhos de gestão as listas com os nomes dos trabalhadores que deveriam ser dispensados na primeira oportunidade, ou colocados na prateleira, fosse por se oporem às políticas de privatizações, fosse por liderarem – ou apoiarem – as lutas reivindicativas. Fosse, mais singelamente, por serem comunistas ou afectos à Intersindical.
Mais recentemente, ficou célebre a matrona socialista que lidera a Direcção Regional de Educação do Norte, Margarida Moreira, por ter denunciado as opiniões do professor Charrua a respeito de Sócrates. Lembram-se?
Agora, e de acordo com o jornal Correio da Manhã, «os serviços secretos estão a celebrar protocolos com os organismos públicos com vista à colocação de agentes do Serviço de Informações da República e do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa, com identidade codificada, em instituições do Estado».
Aí está, com toda a clareza, a vocação ditatorial de Sócrates. Para que servem «espiões», com nomes falsos, disfarçados de trabalhadores comuns, em instituições do Estado? Será porque se supõe que é por dentro, pelos locais de trabalho, que a segurança nacional é posta em causa? Não me façam rir!
O que Sócrates e o PS querem – tal como Salazar quis – é controlar pelo medo e travar pela repressão quaisquer veleidades de contestação ao seu poder e às suas políticas.
Depois das escutas telefónicas e dos chips nos automóveis – um grande negócio, para além de ser um atentado à nossa privacidade – e de um conjunto de medidas avulsas que, sob a desculpa do combate á criminalidade, nos afectam a todos (aliás, se quisessem combater a sério os criminosos, não os punham em liberdade tão depressa nem colocavam tantos obstáculos à sua prisão e julgamento), vem agora Sócrates recuperar a polícia política do antigamente. Se há por aí quem se espante, eu não.
E não me digam que a medida é bem intencionada, pois é tomada em vésperas de eleições, ou seja, perante a possibilidade de outra força política ocupar o poder. Só pensará isto quem desconhecer os meandros da política e os seus alçapões. Neste momento, toda a estrutura dos serviços secretos, quer em termos de organização, quer de quadros, é controlada pelo PS. E fica tudo dito.
IV Acto – Cerejas sem caroço
No PS, contudo, nem tudo cheira a tragédia. Também há a parte ridícula, cómica, quase incrível. Que, apesar disso, não deixa de ter um acentuado matiz burguês. E matriz também. Gente fina é outra coisa, não é verdade?
Ora, acontece que uma menina, de seu nome Carolina Patrocínio, é a mandatária do PS para a Juventude, nas eleições que aí vêm. E acontece, também, que a dita menina não gosta de comer cerejas com caroço, nem uvas com grainha. Vai daí, encarrega a sua empregada doméstica de retirar os caroços às cerejas e as grainhas às uvas, que assim degusta sem medos de se engasgar, indo-lhe ao goto. E tudo isto ela nos revelou com uma candura de loura tão loura, que até as louras das anedotas abriram a boca de espanto.
Com grande parte dos jovens deste país desempregada, ou a recibos verdes, ou com trabalho precário, não podendo, por isso, aceder a cerejas ou a uvas – e, muito menos, a empregadas domésticas – a menina Carolina Patrocínio é, de facto, uma excelente representante da juventude.
Benza-a Deus, menina Carolina. Ele deu-lhe em esquisitice o que lhe tirou em inteligência, não foi?
Deixe lá. Não se pode ter tudo…
(João Carlos Pereira)
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 02/09/2009.
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