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Uma senhora deputada chamou palhaço a um senhor deputado. E caiu o Carmo e a Trindade. Segundo percebi, a intenção da senhora era ofender o senhor deputado – e a maioria das pessoas também assim pensou. Se a intenção era essa, falhou. Aquilo foi um elogio. Ofensa seria chamar deputado a um honesto palhaço.
Incapaz de perceber o elogio, o senhor deputado retorquiu que a senhora deputada se vendia por qualquer preço para conseguir um lugar, expressão que tem, como sabemos, certas leituras nada laudatórias. No entanto, se o deputado queria ofender a deputada, nada mais fez do que elogiá-la. Ofensa grave, isso sim, seria chamar deputada a uma mulher que vende esforçadamente o que tem – e que é dela e só dela – para sobreviver.
Não percebendo isto, a senhora deputada voltou à carga, lembrando que outro ilustre deputado, da mesma trupe socialista do senhor deputado em causa, havia dito que os não menos distintos – e ainda mais ilustres – deputados da oposição tinham comportamentos esquizofrénicos.
Ora, chamar esquizofrénico a alguém, mesmo que este o não seja, jamais pode ser considerada uma ofensa por aí além. Cá para mim, não é mesmo uma ofensa, de todo. Seria, quando muito, um mau diagnóstico. E chamar esquizofrénico a quem o é, só pode ser, no máximo, uma pura manifestação de mau gosto e crueldade. Mas ofensa não é, certamente.
Porém, chamar deputado a um esquizofrénico, caso este não seja parlamentar, aí já estamos perante um insulto dos fortes, se não se tratar mesmo de uma difamação gravíssima, passível de agravar o estado clínico do doente, podendo levá-lo, até, a actos desesperados.
Como vemos, não insulta quem quer, mas quem sabe. Contudo, fiquei com a vaga ideia, depois destas brilhantes pérolas de debate parlamentar, que muitos dos senhores e senhoras deputadas pensam que a Assembleia da República – a casa mãe da nossa insigne democracia – não passa de um circo, um prostíbulo ou um hospício. Enfim, eles lá sabem…
Já estou a ver e a escutar as reacções negativas dos devotos deste estado de coisas, ao lerem – ou ouvirem – as minhas palavras. Rangem os dentes, roem as unhas, ruminam insultos, imaginam cruzes ou fogueiras inquisitoriais onde puniriam os meus desaforos, pensam, talvez, nos velhos cárceres de Caxias ou Peniche. Que se danem. Por enquanto, ainda posso ter opiniões políticas e debatê-las. É aproveitar enquanto há. Mas antes que alguém pense o que não deve, por míngua de massa cinzenta ou simples má-formação, deixem-me explicar porque digo que é preferível ser palhaço, prostituta ou esquizofrénico (se não forem, também deputados, é bom de ver…) a ser um eminente deputado da nação.
O palhaço faz rir, ameniza o nosso sobrolho carregado pelo peso da vida difícil que nos é imposta. O palhaço faz a alegria das crianças, desperta o seu riso puro e deslumbrado, enche de brilho os seus olhos. O palhaço ensina como a vida é, de um modo colorido e bem disposto, pintando de tons risonhos e insólitos as coisas do nosso quotidiano. Se nos lembrarmos das cenas do palhaço rico e do palhaço pobre, veremos que ali está retratada a nossa sociedade desigual e, principalmente, que é para o palhaço pobre que vai a nossa atenção e a nossa maior simpatia. O palhaço ganha honestamente a vida, espalhando risos e úteis esquecimentos. E, apesar dos seus disfarces, não engana. Não mente. Não mata. Não rouba. Não espalha a miséria e desigualdade. Um palhaço é útil à sociedade.
A prostituta – a mulher que se vende – é também ela, de certa forma, um palhaço. Vende momentos de prazer. Vende a ilusão do amor. E quem a ela vai, sabe ao que vai. Porque, tal como o palhaço, representa mas não engana. Nunca será por ela que o mundo explodirá em guerras, e definhará com o desemprego, a miséria e a desigualdade. Uma prostituta é útil à sociedade. Por isso, vive da mais antiga profissão do mundo, que também será, certamente, a última. Quando já ninguém se lembrar do que era um deputado.
Um esquizofrénico é um doente. A esquizofrenia é uma doença do cérebro, que atinge uma em cada cem pessoas, independentemente da sua raça, condição social e cultura. No essencial, esta doença interfere com a capacidade de uma pessoa pensar de uma forma clara, de lidar com as suas emoções, de tomar decisões e de se relacionar com os outros. E, ao contrário de um deputado, não é esquizofrénico quem quer.
Um deputado, contudo, mesmo não sendo esquizofrénico, tem uma enorme incapacidade para se relacionar com os outros, desde que esses sejam de uma bancada diferente, salvo algumas excepções, como Manuel Alegre, que, enquanto deputado, também não se relacionava muito bem com alguns dos seus correligionários. Pelo que se vê, ouve e, principalmente, sente na pele, um deputado também tem uma enorme dificuldades em tomar decisões, pois não se conhece nenhuma – mas nenhuma, mesmo – que tenha contribuído para melhorar o país, transformando-o, pelo menos, num país menos desigual, mais justo e livre das muitas chagas sociais que por aí proliferam e que ninguém, em seu perfeito juízo, pode negar.
Por outro lado, um deputado, pela maneira como fala e age, demonstra uma clara dificuldade em controlar as suas emoções, exaltando-se com facilidade, não dizendo coisa com coisa – ou dizendo uma coisa hoje, e o contrário amanhã, caso passe do governo para a oposição, e vice-versa – esbracejando agora, dormitando logo a seguir, rindo a despropósito, exclamando «apoiados» ou uivando sonoras vaias a torto e a direito.
Bom, posto isto, falta dizer que um deputado é aquele ser humano que, pago pelo bolso de todos nós, passa o tempo espreguiçado nos estofos parlamentares – quando não está cá fora a tratar da sua vida privada ou dos interesses do seu partido – e que manda uns bitaites de vez em quando (devo dizer que bitaite não é um vocábulo com dignidade de acordo ortográfico, tal como bué, por exemplo, mas um calão empregado pelos portugueses há tempo indeterminado, com origem obscura, mas que quer dizer opinião ou palpite). Ou seja – e face aos resultados práticos da actividade parlamentar – um deputado, no geral, é um inútil caríssimo e perigoso.
Assim sendo, só me resta concluir que, ao invés de sustentar o Parlamento, sai mais barato – e é mais saudável – a malta ir ao circo, ir às meninas e comparticipar, a 100%, as despesas com os medicamentos e tratamentos da esquizofrenia.
Pelo menos, enquanto a rebaldaria que vai ali por S. Bento for o que é.
Incapaz de perceber o elogio, o senhor deputado retorquiu que a senhora deputada se vendia por qualquer preço para conseguir um lugar, expressão que tem, como sabemos, certas leituras nada laudatórias. No entanto, se o deputado queria ofender a deputada, nada mais fez do que elogiá-la. Ofensa grave, isso sim, seria chamar deputada a uma mulher que vende esforçadamente o que tem – e que é dela e só dela – para sobreviver.
Não percebendo isto, a senhora deputada voltou à carga, lembrando que outro ilustre deputado, da mesma trupe socialista do senhor deputado em causa, havia dito que os não menos distintos – e ainda mais ilustres – deputados da oposição tinham comportamentos esquizofrénicos.
Ora, chamar esquizofrénico a alguém, mesmo que este o não seja, jamais pode ser considerada uma ofensa por aí além. Cá para mim, não é mesmo uma ofensa, de todo. Seria, quando muito, um mau diagnóstico. E chamar esquizofrénico a quem o é, só pode ser, no máximo, uma pura manifestação de mau gosto e crueldade. Mas ofensa não é, certamente.
Porém, chamar deputado a um esquizofrénico, caso este não seja parlamentar, aí já estamos perante um insulto dos fortes, se não se tratar mesmo de uma difamação gravíssima, passível de agravar o estado clínico do doente, podendo levá-lo, até, a actos desesperados.
Como vemos, não insulta quem quer, mas quem sabe. Contudo, fiquei com a vaga ideia, depois destas brilhantes pérolas de debate parlamentar, que muitos dos senhores e senhoras deputadas pensam que a Assembleia da República – a casa mãe da nossa insigne democracia – não passa de um circo, um prostíbulo ou um hospício. Enfim, eles lá sabem…
Já estou a ver e a escutar as reacções negativas dos devotos deste estado de coisas, ao lerem – ou ouvirem – as minhas palavras. Rangem os dentes, roem as unhas, ruminam insultos, imaginam cruzes ou fogueiras inquisitoriais onde puniriam os meus desaforos, pensam, talvez, nos velhos cárceres de Caxias ou Peniche. Que se danem. Por enquanto, ainda posso ter opiniões políticas e debatê-las. É aproveitar enquanto há. Mas antes que alguém pense o que não deve, por míngua de massa cinzenta ou simples má-formação, deixem-me explicar porque digo que é preferível ser palhaço, prostituta ou esquizofrénico (se não forem, também deputados, é bom de ver…) a ser um eminente deputado da nação.
O palhaço faz rir, ameniza o nosso sobrolho carregado pelo peso da vida difícil que nos é imposta. O palhaço faz a alegria das crianças, desperta o seu riso puro e deslumbrado, enche de brilho os seus olhos. O palhaço ensina como a vida é, de um modo colorido e bem disposto, pintando de tons risonhos e insólitos as coisas do nosso quotidiano. Se nos lembrarmos das cenas do palhaço rico e do palhaço pobre, veremos que ali está retratada a nossa sociedade desigual e, principalmente, que é para o palhaço pobre que vai a nossa atenção e a nossa maior simpatia. O palhaço ganha honestamente a vida, espalhando risos e úteis esquecimentos. E, apesar dos seus disfarces, não engana. Não mente. Não mata. Não rouba. Não espalha a miséria e desigualdade. Um palhaço é útil à sociedade.
A prostituta – a mulher que se vende – é também ela, de certa forma, um palhaço. Vende momentos de prazer. Vende a ilusão do amor. E quem a ela vai, sabe ao que vai. Porque, tal como o palhaço, representa mas não engana. Nunca será por ela que o mundo explodirá em guerras, e definhará com o desemprego, a miséria e a desigualdade. Uma prostituta é útil à sociedade. Por isso, vive da mais antiga profissão do mundo, que também será, certamente, a última. Quando já ninguém se lembrar do que era um deputado.
Um esquizofrénico é um doente. A esquizofrenia é uma doença do cérebro, que atinge uma em cada cem pessoas, independentemente da sua raça, condição social e cultura. No essencial, esta doença interfere com a capacidade de uma pessoa pensar de uma forma clara, de lidar com as suas emoções, de tomar decisões e de se relacionar com os outros. E, ao contrário de um deputado, não é esquizofrénico quem quer.
Um deputado, contudo, mesmo não sendo esquizofrénico, tem uma enorme incapacidade para se relacionar com os outros, desde que esses sejam de uma bancada diferente, salvo algumas excepções, como Manuel Alegre, que, enquanto deputado, também não se relacionava muito bem com alguns dos seus correligionários. Pelo que se vê, ouve e, principalmente, sente na pele, um deputado também tem uma enorme dificuldades em tomar decisões, pois não se conhece nenhuma – mas nenhuma, mesmo – que tenha contribuído para melhorar o país, transformando-o, pelo menos, num país menos desigual, mais justo e livre das muitas chagas sociais que por aí proliferam e que ninguém, em seu perfeito juízo, pode negar.
Por outro lado, um deputado, pela maneira como fala e age, demonstra uma clara dificuldade em controlar as suas emoções, exaltando-se com facilidade, não dizendo coisa com coisa – ou dizendo uma coisa hoje, e o contrário amanhã, caso passe do governo para a oposição, e vice-versa – esbracejando agora, dormitando logo a seguir, rindo a despropósito, exclamando «apoiados» ou uivando sonoras vaias a torto e a direito.
Bom, posto isto, falta dizer que um deputado é aquele ser humano que, pago pelo bolso de todos nós, passa o tempo espreguiçado nos estofos parlamentares – quando não está cá fora a tratar da sua vida privada ou dos interesses do seu partido – e que manda uns bitaites de vez em quando (devo dizer que bitaite não é um vocábulo com dignidade de acordo ortográfico, tal como bué, por exemplo, mas um calão empregado pelos portugueses há tempo indeterminado, com origem obscura, mas que quer dizer opinião ou palpite). Ou seja – e face aos resultados práticos da actividade parlamentar – um deputado, no geral, é um inútil caríssimo e perigoso.
Assim sendo, só me resta concluir que, ao invés de sustentar o Parlamento, sai mais barato – e é mais saudável – a malta ir ao circo, ir às meninas e comparticipar, a 100%, as despesas com os medicamentos e tratamentos da esquizofrenia.
Pelo menos, enquanto a rebaldaria que vai ali por S. Bento for o que é.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 16/12/2009.
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1 comentário:
Ouvi a sua crónica na Radio Baía, aliás como normalmente faço e até recomendo e depois venho aqui ler com mais atenção. Na realidade e sempre assim pensei que chamar palhaço a outra pessoa é ofender aqueles grandes artistas que nos circos fazer rir a criançada e os adultos, mas só os cobardes empregam este termo.
Que continue com as suas belíssimas crónicas, pois elas são muito claras e objectivas. Tonho Ze
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