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Bom Natal! Não vai ser, mas ele vai desejar que seja. Não acredita, mas vai desejar. Fica bem desejar Bom Natal, com ar sério, ligeiramente comovido e com um sorriso de bem-aventurança. Especialmente se, atrás, estiver um belo motivo natalício. Por isso, repetirá: Bom Natal! Ele quer ser tido como uma português suave, quase santo, politicamente correcto, civilizado e doce, de acordo com a época. Sabe que não vamos ter um bom Natal, mas isso não importa. Não lhe importa. Quer é que nós pensemos que faz os possíveis e os impossíveis para que o Natal seja aquilo que nos deseja: bom. Aprendeu que, em política, o que parece, é. Se parecer que nos deseja, do fundo do coração, um Bom Natal, todos passaremos um Natal feliz. Ou, se não passarmos, nenhum de nós pensará que a culpa é dele. Bem pelo contrário. Dito daquela maneira, até parece que aquele senhor bem vestido e engravatado, de ar lavado e voz delicodoce, tudo fez, tudo faz e tudo fará para que cada português tenha sempre um bom e santo Natal.
Acabou, aliás, de nos dar uma prenda. Aquilo por que todos aspirávamos há largos anos. Iremos ter no sapatinho os primeiros quilómetros do TGV. Assim, dentro de alguns anos, quando formos passar o Natal ao Porto, ou, se do Porto formos, desejarmos passar o Natal em Lisboa, ou em Badajoz, por exemplo, já poderemos ir e vir de TGV. Pouparemos vinte minutos para lá, mais vinte minutos para cá o que, contas feitas – e se o que ele aprendeu quando se licenciou na Universidade Independente ainda está em vigor – dá qualquer coisa como quarenta minutos bem contados. E ele sabe que tempo é dinheiro. É com tempo – e muita tarimba – que se faz dinheiro. No governo, nos bancos, nas sucatas. Nas adjudicações, em suma.
Os inimigos do desenvolvimento, os derrotistas, os que nada fazem e vivem de braços cruzados, não se cansam de denegrir esta grande obra, que vai, definitivamente – e a grande velocidade – meter Portugal mesmo no meio da Europa. Dizem, por exemplo, que na Escandinávia, não há TGV, apesar de qualquer um dos três países daquela península – a Suécia, a Noruega e Finlândia – ser várias vezes maior do que o nosso país. A Suécia e a Noruega, que são dos países mais desenvolvidos da Europa e do mundo, não querem, nem precisam, de TGVs. Mas referir isto é produzir afirmações maldosas e, também elas, fazendo parte de monstruosa cabala, pois os suecos e noruegueses, por razões históricas e geográficas, não têm o espírito de conquista, de descoberta e, principalmente, de miscigenação que nós, os portugueses, sempre tivemos. Nós queremos continuar a dar novos mundos ao mundo, e quanto mais depressa chegarmos a Madrid, a Paris, a Milão e Roma, a Berlim ou a Bruxelas, mais depressa espalharemos o Magalhães por toda a parte, essa obra prima da capacidade inventiva portuguesa, já que invenção não deixa de ser uma monstruosa intrujice azulada, pirateada da Intel, e destinada, fundamentalmente, a desenrascar uns camaradas com dívidas ao fisco.
Ele quer que acreditemos que o TGV representa, no nosso tempo, aquilo que representaram as caravelas para a época dos Descobrimentos. Longe dele comparar-se ao Infante de Sagres, pois é pessoa humilde, de sangue plebeu e, principalmente, falta-lhe um título nobiliárquico, algo que, infelizmente, a Universidade Independente ainda não tinha no seu cardápio. Apesar disso, há quem lhe chame o Marquês de Freeport, certamente em homenagem ao seu honrado esforço e desinteressada desenvoltura em despachar, num abrir e fechar de olhos, um complicadíssimo processo do licenciamento em Alcochete, essa maravilha da actividade mercantil, que um dia a Natureza, cujas leis não se compram nem se pagam com libras, euros ou outra moeda humana, há-de reconquistar. Já a divisa escolhida por mentes conturbadas e facciosas para este novel marquês – Minto com a Facilidade com que Respiro – denota apenas raivas incontidas e invejas que só os iluminados suscitam.
É verdade que o défice está descontrolado, que a dívida pública é galopante e o endividamento externo parece um incêndio em dia de vento. É verdade que o desemprego é um cavalo com o freio nos dentes, que a fome alastra como uma maré negra, tal como é verdade que, para que milhares de famílias tenham algo de comer na consoada, e milhares de crianças um brinquedo pelo Natal, é necessário andar-se por aí de mão estendida, a apelar à caridadezinha, seja na televisão, seja à porta dos hipermercados, seja a bater à porta das pessoas. É verdade que andamos a mendigar uns para os outros.
É verdade que temos estádios de futebol magníficos – a maioria às moscas – mas o Instituto Português de Oncologia está a rebentar pelas costuras e todos os anos é necessário pedir esmola (é mais fino dizer-se: fazer um peditório) para que aos doentes oncológicos não falte mais do que já falta.
É verdade que não há dinheiro para nada necessário. Mas vamos ter o TGV, pois então. Para todos nós podermos viajar por essa Europa fora. Nós, e os nossos míseros ordenados congelados. Nós, e os nossos empregos precários e a recibos verdes. Nós, e os nossos 700 mil desempregados. Nós, e as nossas pensões de 200 euros. Nós, os pindéricos da Zona Euro, cada vez mais pendurados no último pelo da cauda da Europa. É bonito. E é comovente. Apesar de ser uma paródia.
Ele diz que a construção do TGV vai criar emprego. Pois vai. Mas não diz que vai ser um emprego temporário e restrito, e que o nosso endividamento, que já é galáctico, passará a ser astronómico. Mas não diz que o TGV não vai ser rentável, e que alguém vai ter que pagar, para além da construção, os custos de exploração, para alguns endinheirados se divertirem a dar umas voltinhas a alta velocidade. Mas não diz que os impostos vão ter de aumentar ou, então, pagaremos o TGV com ainda menos saúde, menos educação, menos segurança, menos salários, menos pensões e menos reformas. Com mais fome, mais doença e mais atraso.
Ele não diz que, à semelhança de todas as obras públicas, a construção do TGV vai custar três ou quatro vezes mais do que for orçamentado, pois o saque dos dinheiros públicos é uma norma e uma constante da nossa economia, e que a autorização para o saque, se não for recompensada em euros, vale, pelo menos, um tabuleiro de xadrez ou uma dúzia de robalos.
Ele não diz que os interessados em que se façam estas obras são os governantes que as adjudicarem, são os partidos do poder, são os banqueiros, são os donos das empresas de construção, são os vendedores de equipamentos. Esses é que esfregam as mãos com o TGV. Os portugueses, vão pagar a factura e só esfregarão as mãos… para as aquecer.
E não diz que quando ele desaparecer da cena política, e nós ainda estivermos a pagar o TGV – e outros criminosos destemperos – por muitos e muitos anos, ele e os seus rapazes de estimação estarão bem da vida, a gozar os resultados das suas adjudicações em qualquer recanto do mundo.
Caso, como é previsível, a Justiça, para além de cega, se mantenha surda, muda, coxa e devidamente algemada pelo poder político.
Porque nos graúdos ninguém toca. Como convém, aliás, à ordem natural das coisas.
Acabou, aliás, de nos dar uma prenda. Aquilo por que todos aspirávamos há largos anos. Iremos ter no sapatinho os primeiros quilómetros do TGV. Assim, dentro de alguns anos, quando formos passar o Natal ao Porto, ou, se do Porto formos, desejarmos passar o Natal em Lisboa, ou em Badajoz, por exemplo, já poderemos ir e vir de TGV. Pouparemos vinte minutos para lá, mais vinte minutos para cá o que, contas feitas – e se o que ele aprendeu quando se licenciou na Universidade Independente ainda está em vigor – dá qualquer coisa como quarenta minutos bem contados. E ele sabe que tempo é dinheiro. É com tempo – e muita tarimba – que se faz dinheiro. No governo, nos bancos, nas sucatas. Nas adjudicações, em suma.
Os inimigos do desenvolvimento, os derrotistas, os que nada fazem e vivem de braços cruzados, não se cansam de denegrir esta grande obra, que vai, definitivamente – e a grande velocidade – meter Portugal mesmo no meio da Europa. Dizem, por exemplo, que na Escandinávia, não há TGV, apesar de qualquer um dos três países daquela península – a Suécia, a Noruega e Finlândia – ser várias vezes maior do que o nosso país. A Suécia e a Noruega, que são dos países mais desenvolvidos da Europa e do mundo, não querem, nem precisam, de TGVs. Mas referir isto é produzir afirmações maldosas e, também elas, fazendo parte de monstruosa cabala, pois os suecos e noruegueses, por razões históricas e geográficas, não têm o espírito de conquista, de descoberta e, principalmente, de miscigenação que nós, os portugueses, sempre tivemos. Nós queremos continuar a dar novos mundos ao mundo, e quanto mais depressa chegarmos a Madrid, a Paris, a Milão e Roma, a Berlim ou a Bruxelas, mais depressa espalharemos o Magalhães por toda a parte, essa obra prima da capacidade inventiva portuguesa, já que invenção não deixa de ser uma monstruosa intrujice azulada, pirateada da Intel, e destinada, fundamentalmente, a desenrascar uns camaradas com dívidas ao fisco.
Ele quer que acreditemos que o TGV representa, no nosso tempo, aquilo que representaram as caravelas para a época dos Descobrimentos. Longe dele comparar-se ao Infante de Sagres, pois é pessoa humilde, de sangue plebeu e, principalmente, falta-lhe um título nobiliárquico, algo que, infelizmente, a Universidade Independente ainda não tinha no seu cardápio. Apesar disso, há quem lhe chame o Marquês de Freeport, certamente em homenagem ao seu honrado esforço e desinteressada desenvoltura em despachar, num abrir e fechar de olhos, um complicadíssimo processo do licenciamento em Alcochete, essa maravilha da actividade mercantil, que um dia a Natureza, cujas leis não se compram nem se pagam com libras, euros ou outra moeda humana, há-de reconquistar. Já a divisa escolhida por mentes conturbadas e facciosas para este novel marquês – Minto com a Facilidade com que Respiro – denota apenas raivas incontidas e invejas que só os iluminados suscitam.
É verdade que o défice está descontrolado, que a dívida pública é galopante e o endividamento externo parece um incêndio em dia de vento. É verdade que o desemprego é um cavalo com o freio nos dentes, que a fome alastra como uma maré negra, tal como é verdade que, para que milhares de famílias tenham algo de comer na consoada, e milhares de crianças um brinquedo pelo Natal, é necessário andar-se por aí de mão estendida, a apelar à caridadezinha, seja na televisão, seja à porta dos hipermercados, seja a bater à porta das pessoas. É verdade que andamos a mendigar uns para os outros.
É verdade que temos estádios de futebol magníficos – a maioria às moscas – mas o Instituto Português de Oncologia está a rebentar pelas costuras e todos os anos é necessário pedir esmola (é mais fino dizer-se: fazer um peditório) para que aos doentes oncológicos não falte mais do que já falta.
É verdade que não há dinheiro para nada necessário. Mas vamos ter o TGV, pois então. Para todos nós podermos viajar por essa Europa fora. Nós, e os nossos míseros ordenados congelados. Nós, e os nossos empregos precários e a recibos verdes. Nós, e os nossos 700 mil desempregados. Nós, e as nossas pensões de 200 euros. Nós, os pindéricos da Zona Euro, cada vez mais pendurados no último pelo da cauda da Europa. É bonito. E é comovente. Apesar de ser uma paródia.
Ele diz que a construção do TGV vai criar emprego. Pois vai. Mas não diz que vai ser um emprego temporário e restrito, e que o nosso endividamento, que já é galáctico, passará a ser astronómico. Mas não diz que o TGV não vai ser rentável, e que alguém vai ter que pagar, para além da construção, os custos de exploração, para alguns endinheirados se divertirem a dar umas voltinhas a alta velocidade. Mas não diz que os impostos vão ter de aumentar ou, então, pagaremos o TGV com ainda menos saúde, menos educação, menos segurança, menos salários, menos pensões e menos reformas. Com mais fome, mais doença e mais atraso.
Ele não diz que, à semelhança de todas as obras públicas, a construção do TGV vai custar três ou quatro vezes mais do que for orçamentado, pois o saque dos dinheiros públicos é uma norma e uma constante da nossa economia, e que a autorização para o saque, se não for recompensada em euros, vale, pelo menos, um tabuleiro de xadrez ou uma dúzia de robalos.
Ele não diz que os interessados em que se façam estas obras são os governantes que as adjudicarem, são os partidos do poder, são os banqueiros, são os donos das empresas de construção, são os vendedores de equipamentos. Esses é que esfregam as mãos com o TGV. Os portugueses, vão pagar a factura e só esfregarão as mãos… para as aquecer.
E não diz que quando ele desaparecer da cena política, e nós ainda estivermos a pagar o TGV – e outros criminosos destemperos – por muitos e muitos anos, ele e os seus rapazes de estimação estarão bem da vida, a gozar os resultados das suas adjudicações em qualquer recanto do mundo.
Caso, como é previsível, a Justiça, para além de cega, se mantenha surda, muda, coxa e devidamente algemada pelo poder político.
Porque nos graúdos ninguém toca. Como convém, aliás, à ordem natural das coisas.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/12/2009.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.
4 comentários:
Os sinceros votos de um Feliz Natal e bom Ano Novo.
Deseje-se o que se desejar - e é sempre bom ouvir, ou ler, votos sinceros de festas felizes - a verdade é que em Portugal não as teremos como desejamos. Teremos festas felizes para uns poucos milhares, festas razoáveis para outros tantos e, a partir daí, serão festas aungustiadas, ensombradas, tristes ou desesperadas para vários milhões.
O sistema político e económico que nos amachuca, assim determina, quer - e faz. Não tem nada de cristão. Não tem nada de santo, não tem nada de paz. Tem tudo de de violento, injusto, falso e sanguinário.
E não peço perdão para eles - os donos desse sistema - porque eles sabem bem o que fazem.
A começar pelo Papa.
Porque eu não me esqueço que desde o Concílio de Niceia, no ano em 325DC,convocado por Constantino, imperador romano, que a Igreja se colocou ao lado do império contra os cristãos e os seus ideais de liberdade, justiça e solidariedade. O Dinheiro e poder político haviam comprado a Fé e a Verdade.
Até hoje!
Se não te conhecesse, até ficava a pensar que tinhas sido tu a escrever a mensagem de Sua Excelência na noite de Natal, já que na crónica fizeste a antevisão perfeita daquilo que ele disse.
"Os portugueses sabem que podem contar, da minha parte, com confiança, energia e determinação na resolução dos problemas do País. É com este espírito e com esta atitude que encaro o ano de 2010."
Amigo Celino.
O homem(?) é tão previsível...
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