A malandragem foi fotografada com a boca na botija e, como resposta, faz-se de prostituta ofendida na sua alegada virtude, gritando que o malandro é o fotógrafo, mais quem publicou as fotografias. Ela – a malandragem – é que sabe se mamou ou não. E como jura que não mamou, ponto final, está o assunto resolvido.
Os acólitos, que chupam na mesma botija, juntam-se ao coro, desatam aos berros e vão mais longe – Aqui d’el rei!, que ninguém estava a mamar, é tudo uma fotomontagem.
O guardião-mor do templo olha para as fotos e não vislumbra nenhum crime em mamar, e até acha que o fotógrafo viu mal a cena. Foi tudo um erro de paralaxe. Arquive-se.
Os manteigueiros, também conhecidos como engraxadores, género de pessoas a quem os brasileiros tratam por puxa-saco – e que, acima de tudo, também gostariam de mamar alguma coisa à conta – desdobram-se em opiniões destinadas a fazer crer que a malandragem é incapaz de mamar, que a botija não existe, e que, por isso mesmo, ninguém mamou. Um houve que chegou ao extremo de dizer que se trata de matéria irrelevante, coisa de fofoquice para vender jornais, e que daqui a uns tempos estará tudo esquecido. Os manteigueiros não têm a noção do ridículo.
Porém, um manteigueiro assim faz sempre falta, quanto mais não seja para nos fazer rir e, apanhando-lhe as palavras e desmontando-lhe as maroscas, ensinarmos as nossas crianças e os nossos jovens a serem pessoas sérias e cidadãos responsáveis. A não serem, por exemplo, manteigueiros.
Realmente, uma pessoa que desvalorize o facto de se poder conseguir uma licenciatura por vias reconhecida e indesmentivelmente impróprias – ou, se quisermos, fraudulentas – é alguém que fez o mesmo, ou que não desdenharia fazê-lo. É alguém cujos valores morais pecam por defeito. Será alguém, ainda, que não transmitirá aos seus filhos ou netos, caso os tenha, os princípios básicos da honestidade e da moral. Pobres crianças, se tal educador tiverem. E pobre país, que tresanda a manteigueiros.
Alguém que não vê ou não entende – ou finge que não vê ou não entende – nada de censurável ou anormal nas inúmeras embrulhadas em que José Sócrates e os seus boys – e todo o PS, pelo que parece – estão metidos, é alguém cuja sanidade mental ou sentido da ética e da decência andam ao nível do charco.
Um cidadão que não seja atrasado mental, mas que desvalorize – ou negue – os escândalos que por aí aparecem debaixo de cada pedra, envolvendo figuras públicas, altos magistrados judiciais, empresários e gestores que os conluios partidários içaram ao topo das empresas públicas e privadas, não pode ser mais que alguém sem qualquer sentido de honra, alguém capaz – e provavelmente desejoso – de entrar para a quadrilha.
Estava eu nestas lucubrações, quando me passou pelos olhos a transcrição de uma escuta onde o Penedos (filho) e um tal Marcos Perestrello falam da compra do apoio de Luís Figo a José Sócrates. Esclareço que Marcos Perestrello é, actualmente, secretário de Estado da Defesa, que Paulo Penedos é um dos arguidos do processo Face Oculta, exercendo funções, na PT, na dependência do não menos famoso ex-administrador Rui Pedro Soares (que também estava ligado à administração do Taguspark), e que é o tal que tentou impedir que o semanário Sol pusesse cá fora a transcrição das escutas, demitindo-se, depois, na sequência do escândalo. O mesmo, sem tirar nem pôr, que agora é acusado de ter comprado o apoio de Figo. Esclareço que toda esta rapaziada tem em comum a sua ligação ao PS. Tudo boys com belos jobs.
Vamos à conversa escutada, uma verdadeira pérola da nacional bagunça:
MARCOS PERESTRELLO – O teu superior hierárquico (o referido Rui Pedro Soares) foi para Barcelona ou Milão...
PAULO PENEDOS – Não, está no Algarve. Não foi para um sítio, nem para outro.
M.P. – Mas depois vai, acho eu.
P.P. – Vai para Milão, segunda-feira. Vai-se lá encontrar com o Figo, para com ele celebrar uma coisa um bocado pornográfica, mas pronto.
M.P. – Que é o quê?
P.P. – Eh pá… só te posso dizer se tu não disseres a ninguém. Se disseres, não te posso dizer.
M.P. – Se quiseres dizer, dizes! Se disseres que não é para dizer a ninguém eu não digo.
P.P. – Não, não digas que é uma coisa… Ele há dias disse-me, muito contente, que tinha conseguido que o Figo apoiasse o Sócrates e eu disse ‘boa e tal’, claro que é importante. E hoje ligou-me a pedir que eu lhe fizesse um contrato de patrocínio para a Fundação Luís Figo, à razão de 250 mil euros por ano.
M.P. – Pois, imagino…
P.P. – Ah?
M.P. – Claro, claro. E isso, aliás, vale muitos votos! Essa m... em subsídios de desemprego…
P.P. – Ah?
M.P. – Isso em subsídios de desemprego…
P.P. – Eh pá, mas ouve-me… O gajo conhece toda a gente e mais alguma e toda a gente em que ele tropeça, do mundo da bola, de repente estão a apoiar o PS e o Sócrates, mas depois todos têm por detrás contratos… todos têm contratos… Até deve ser alvo de alguma risota, não é.
M.P. – Por acaso não me deram o nome do Figo para os tempos de antena das personalidades para depor!
P.P. – Pronto, faz-te de novas que o nome vai-te aparecer, só que o apoiante espontâneo e fervoroso, primeiro deve querer assinar o contrato, não é?
M.P. – Sim, sim, vamos ver se depois aparece, se é como outros que eu cá sei que acham que é melhor não darem a cara. Acham que é melhor não darem a cara, abrem uma coisa ali, outra ali.
P.P. – Exactamente …
M.P. – Ai..., não aprenderam nada ainda.
Será por estas esclarecedoras conversas – e por outras que tais – que o senhor Procurador-Geral da República chama ao processo Face Oculta uma «armadilha política»? Bem… como as conversas são todas entre rapaziada do PS, o senhor Procurador só pode querer dizer que os socialistas se andam a armadilhar uns aos outros.
Ó senhor Procurador, francamente… Não consegue melhor?
O senhor Procurador, que não fica bem em nenhuma fotografia sempre que pretende justificar-se, também ignora, soberanamente, o facto de no computador do boy Rui Pedro Soares ter sido encontrado o contrato que permitiria à PT comprar a Media Capital, o tal negócio que visava calar Moura Guedes e o Jornal de Sexta. Antes, já a PJ tinha interceptado um mail em que constava a versão final desse contrato, enviada para a Prisa, em Madrid. Os mais altos quadros da PT desmentem o negócio, mas a verdade é que as escutas telefónicas, conjugadas com documentos apreendidos, provam exactamente o contrário. José Sócrates não só sabia do negócio desde o início, como queria mais: queria que aquele se fizesse de forma a disfarçar a ilegalidade da operação.
A manobra passaria por, inicialmente, serem empresários a adquirir 30% dos capitais da empresa, para evitar que a PT aparecesse como principal accionista. O objectivo, mais uma vez, era controlar a informação e acabar com o que era considerado o grande obstáculo à vitória socialista: a permanência de Manuela Moura Guedes e de Eduardo Moniz à frente dos conteúdos informativos da TVI.
Rui Pedro Soares, boy diligente, vai a Madrid, em 3 de Junho, para negociar com os espanhóis da Prisa. A 19 de Junho, pede a Paulo Penedos para enviar a versão definitiva do contrato para um mail em Espanha. Janta depois (é o próprio a afirmá-lo) com José Sócrates, e diz a Penedos que o «chefe estava bem-disposto». Rui Pedro Soares ainda afirma que Sócrates quer que seja a PT a «assumir o controlo da operação».
O senhor Procurador-Geral, Pinto Monteiro, não vê aqui nada de mal. Nem os documentos apreendidos, nem as conversas escutadas, nem o fim do Jornal de Sexta lhe dizem nada. Como lerdo não é, deve pensar que os lerdos somos nós.
Pela minha parte – e com o devido respeito – já não o vejo como Procurador-Geral da República. Parece-me mais um air-bag de Sócrates e do governo socialista.
E enquanto as coisas forem assim, ao nível do pântano e da pantominice, Portugal será sempre uma coisinha siciliana.
E muito mal cheirosa.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 24/02/2010.
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