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Submarinos, Freeport, Face Oculta, Operação Furacão, sobreiros da Portucale, paquetes da Expo, BCP, BPN, BPP, eu sei lá que mais! Os escândalos são tantos, que é fácil algum ser esquecido. É verdade que as generalizações são perigosas, mas será demais concluir que o país está nas mãos de gente sem escrúpulos, tanto ao nível da alta finança como – e principalmente – ao nível da chamada classe política? E que a Justiça, claramente dependente do poder político – e infiltrada por agentes partidários sem a mínima noção de honra – é incapaz de cumprir as suas funções? Que já não é só uma Justiça de classe (a classe dos poderosos) mas, também, uma Justiça onde a rédea partidária arrepanha a verdade e a conduz para onde quer?
Dizer-se que, em Portugal, a culpa morre sempre solteira, já é um lugar comum. Perdeu a graça. Afirmar-se que há uma Justiça para os pobres e outra para os ricos, só provoca um desalentado encolher de ombros. Portugal é um país dividido em dois extractos sociais: de um lado, os senhores do grande capital, da alta finança e dos grandes negócios e, com eles mancomunado, um poder político atento e serviçal, dividindo entre si a riqueza produzida. Partem e repartem o PIB a seu bel-prazer, forjando leis que lhes garantam a opulência e a tornem intocável. Sem decoro ou hesitação, reservam para si benesses e proveitos vitalícios, traduzidos em lucros inimagináveis e em ordenados e pensões ilimitados. Não contentes com isso, não raramente se deixam apanhar pela febre do ouro, cometendo excessos a que nem a mais afável das leis dá cobertura. É aí que a Justiça é manietada, pois a fazem permeável e obediente aos seus desígnios e interesses; do outro lado, milhões de seres humanos a quem estão reservadas as dificuldades da vida, o lado mau da existência, a muitos se negando as condições básicas da simples sobrevivência. Sobre estes, a Justiça tem mão de ferro – e rápida.
De um país assim não se pode dizer que seja uma república. Nem se pode dizer que seja um país democrático. E correndo o risco de me tornar fastidioso, lá volto eu a dizer que, tal como no feudalismo, a uns compete trabalhar e suportar o rigor das leis, enquanto outros se refastelam com o produto desse trabalho e se colocam acima de qualquer regra.
Para aqueles que sejam levados a pensar que estou a ser exagerado e imbuído de má-fé, deixem-me dar-vos um exemplo, pelo qual verificaremos que as regras e as leis não se aplicam de igual a todos os portugueses e – o que é pior – há leis feitas de propósito para beneficiar certas castas da população.
Soubemos, há tempos atrás, que uma professora, doente oncológica, foi considerada apta pela Junta Médica que avaliou a sua pretensão de passar á reforma. Morreu passado algum tempo. Entretanto, um senhor que era administrador do BCP, e que perdeu o lugar na sequência das trapalhadas que assolaram aquele banco, foi considerado inapto para o trabalho, apesar de já ter um emprego bem remunerado numa conhecida consultora financeira – e apesar de ser perfeitamente saudável. Pelo meio, o senhor em causa ainda recebeu do BCP perto de 10 milhões de euros. Resumindo: um trabalhador com cancro não pode reformar-se e é obrigado a trabalhar até à morte. Um senhor ex-administrador de um banco, em perfeito estado de saúde, que saiu com perto de 10 milhões de euros de indemnização por rescisão do contrato (o despedimento com justa causa é só para os trabalhadores…) e que já tinha arranjado outro emprego, vê uma solícita Junta Médica considerá-lo inapto para o trabalho. O valor da pensão atribuída ronda os 35.000 euros mensais. Para os menos atentos a estas coisas, recordo o nome do senhor em questão: Paulo Teixeira Pinto.
Claro que tudo isto aconteceu dentro da mais estrita legalidade, dentro do mais rigoroso cumprimento das leis. O que, se me dão licença, torna as coisas ainda mais perversas, já que para os senhores legisladores é tão normal obrigar-se um professor com cancro a trabalhar até à morte, como conceder a um saudável (e mau) administrador – e já bem recompensado pela incompetência – uma pensão milionária… por suposta invalidez.
Tudo isto é, visto na sua espantosa nudez, uma infâmia inconcebível. Mas é o pão-nosso de cada dia. Tudo para os senhores, nada para os servos. A moral e os valores republicanos que levaram à queda da monarquia e à implantação da república, que este ano festeja o seu centenário, são há muito letra morta. Os valores que balizam e definem um estado democrático, onde a liberdade se conjuga com a fraternidade, a solidariedade, a justiça e a decência, foram, trinta e seis anos depois da queda da ditadura, ostensivamente desprezados e espezinhados por uma elite económica e política que rapina o país e apresenta a conta às classes trabalhadoras.
Abúlico, o povo português parece disposto a suportar tudo. Parece, de resto, nada ser capaz de entender, nada ser capaz de analisar. Qualquer jumento escoiceia e abana as orelhas, se espicaçado ou atacado pelas moscas. O povo português, pelo contrário, suporta a canga sem um lampejo de dignidade, de resistência, sem um berro, sem saber dizer basta.
Trinta e seis anos depois de Abril, só os herdeiros do fascismo e a plutocracia reinante podem – e com toda a razão – festejar a Revolução dos Cravos. Nunca as coisas estiveram tanto ao seu jeito.
Submarinos, Freeport, Face Oculta, Operação Furacão, sobreiros da Portucale, paquetes da Expo, BCP, BPN, BPP, eu sei lá que mais! Os escândalos são tantos, que é fácil algum ser esquecido. É verdade que as generalizações são perigosas, mas será demais concluir que o país está nas mãos de gente sem escrúpulos, tanto ao nível da alta finança como – e principalmente – ao nível da chamada classe política? E que a Justiça, claramente dependente do poder político – e infiltrada por agentes partidários sem a mínima noção de honra – é incapaz de cumprir as suas funções? Que já não é só uma Justiça de classe (a classe dos poderosos) mas, também, uma Justiça onde a rédea partidária arrepanha a verdade e a conduz para onde quer?
Dizer-se que, em Portugal, a culpa morre sempre solteira, já é um lugar comum. Perdeu a graça. Afirmar-se que há uma Justiça para os pobres e outra para os ricos, só provoca um desalentado encolher de ombros. Portugal é um país dividido em dois extractos sociais: de um lado, os senhores do grande capital, da alta finança e dos grandes negócios e, com eles mancomunado, um poder político atento e serviçal, dividindo entre si a riqueza produzida. Partem e repartem o PIB a seu bel-prazer, forjando leis que lhes garantam a opulência e a tornem intocável. Sem decoro ou hesitação, reservam para si benesses e proveitos vitalícios, traduzidos em lucros inimagináveis e em ordenados e pensões ilimitados. Não contentes com isso, não raramente se deixam apanhar pela febre do ouro, cometendo excessos a que nem a mais afável das leis dá cobertura. É aí que a Justiça é manietada, pois a fazem permeável e obediente aos seus desígnios e interesses; do outro lado, milhões de seres humanos a quem estão reservadas as dificuldades da vida, o lado mau da existência, a muitos se negando as condições básicas da simples sobrevivência. Sobre estes, a Justiça tem mão de ferro – e rápida.
De um país assim não se pode dizer que seja uma república. Nem se pode dizer que seja um país democrático. E correndo o risco de me tornar fastidioso, lá volto eu a dizer que, tal como no feudalismo, a uns compete trabalhar e suportar o rigor das leis, enquanto outros se refastelam com o produto desse trabalho e se colocam acima de qualquer regra.
Para aqueles que sejam levados a pensar que estou a ser exagerado e imbuído de má-fé, deixem-me dar-vos um exemplo, pelo qual verificaremos que as regras e as leis não se aplicam de igual a todos os portugueses e – o que é pior – há leis feitas de propósito para beneficiar certas castas da população.
Soubemos, há tempos atrás, que uma professora, doente oncológica, foi considerada apta pela Junta Médica que avaliou a sua pretensão de passar á reforma. Morreu passado algum tempo. Entretanto, um senhor que era administrador do BCP, e que perdeu o lugar na sequência das trapalhadas que assolaram aquele banco, foi considerado inapto para o trabalho, apesar de já ter um emprego bem remunerado numa conhecida consultora financeira – e apesar de ser perfeitamente saudável. Pelo meio, o senhor em causa ainda recebeu do BCP perto de 10 milhões de euros. Resumindo: um trabalhador com cancro não pode reformar-se e é obrigado a trabalhar até à morte. Um senhor ex-administrador de um banco, em perfeito estado de saúde, que saiu com perto de 10 milhões de euros de indemnização por rescisão do contrato (o despedimento com justa causa é só para os trabalhadores…) e que já tinha arranjado outro emprego, vê uma solícita Junta Médica considerá-lo inapto para o trabalho. O valor da pensão atribuída ronda os 35.000 euros mensais. Para os menos atentos a estas coisas, recordo o nome do senhor em questão: Paulo Teixeira Pinto.
Claro que tudo isto aconteceu dentro da mais estrita legalidade, dentro do mais rigoroso cumprimento das leis. O que, se me dão licença, torna as coisas ainda mais perversas, já que para os senhores legisladores é tão normal obrigar-se um professor com cancro a trabalhar até à morte, como conceder a um saudável (e mau) administrador – e já bem recompensado pela incompetência – uma pensão milionária… por suposta invalidez.
Tudo isto é, visto na sua espantosa nudez, uma infâmia inconcebível. Mas é o pão-nosso de cada dia. Tudo para os senhores, nada para os servos. A moral e os valores republicanos que levaram à queda da monarquia e à implantação da república, que este ano festeja o seu centenário, são há muito letra morta. Os valores que balizam e definem um estado democrático, onde a liberdade se conjuga com a fraternidade, a solidariedade, a justiça e a decência, foram, trinta e seis anos depois da queda da ditadura, ostensivamente desprezados e espezinhados por uma elite económica e política que rapina o país e apresenta a conta às classes trabalhadoras.
Abúlico, o povo português parece disposto a suportar tudo. Parece, de resto, nada ser capaz de entender, nada ser capaz de analisar. Qualquer jumento escoiceia e abana as orelhas, se espicaçado ou atacado pelas moscas. O povo português, pelo contrário, suporta a canga sem um lampejo de dignidade, de resistência, sem um berro, sem saber dizer basta.
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Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 07/04/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.
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1 comentário:
A culpa festeja o Abril (deles) porque sabe que vai morrer mancomunada com o poder.
Até um dia...
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