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Andam por aí mais escutas do Apito Dourado. Ouvi aquilo e quase vomitava. Por tudo o que ali se diz mas, principalmente, porque a Justiça – ou o que disso tem o nome – agiu como se, além de cega, fosse surda, muda e paraplégica. Ou atrasada mental. Melhor: pensasse que os atrasados mentais somos nós. Vimos e ouvimos os vídeos do caso Freeport, ou lemos as transcrições das escutas do processo Face Oculta, e sentimos exactamente a mesma coisa: que há certos figurões a quem a Justiça – ou o que por ela se faz passar – não toca. E que até se enlameia – e se renega – para proteger.
Por isso, sempre que oiço ou vejo Pinto da Costa, lembro-me de Sócrates. E sempre que oiço ou vejo Sócrates, lembro-me de Pinto da Costa. Reflexos condicionados, como diria Pavlov. Ou mera associação de ideias. Dirão alguns – os velhacos ou os imbecis – que a Justiça não pôde agir pois havia uma vírgula que não estava aqui, um rabisco que faltou acolá. Direi eu que a Justiça tem, se quiser, força e meios para, em nome da verdade, da decência, do bem comum e de todos os outros valores que é sua atribuição proteger, ultrapassar eventuais erros de forma e não permitir que eles se transformem em alçapões por onde se escapam os infractores.
A um portista e fã de Sócrates, com quem discutia estas coisas, perguntei, por estas ou outras palavras, o seguinte: «Ouviste ou leste as transcrições das escutas, viste vídeos e soubeste de provas testemunhais, tanto nos processos Apito Dourado, como nos que envolvem Sócrates. Porque te creio um homem honesto – e parvo não és – diz-me uma coisa: acreditas, sinceramente, na inocência destes gajos?». Ele riu-se, olhou demoradamente para mim, e respondeu: «Não, João. Não acredito».
Apeteceu-me dar-lhe um abraço, mas contive-me. Eu sabia que, no fundo, ele continuava a admirar Pinto da Costa e Sócrates, sobrepondo os seus afectos aos valores morais que devem guiar a vida dos homens de bem. Não abraço gente desta.
Infelizmente, o país está cheio disto. Lembro-me, a propósito, da resposta de um político norte-americano – Henry Kissinger, salvo erro – a quem lhe perguntou porque eram os Estados Unidos aliados de Noriega. Ele respondeu: «O tipo é, realmente, um filho da puta, mas é o nosso filho da puta». Que um politico norte-americano pense assim, não me espanta, já que os interesses dos EUA não se dão bem com qualquer tipo de valores morais. A humanidade, para os norte-americanos, é um vasto tabuleiro de xadrez, onde fazem e desfazem as regras a qualquer momento. E ou vencem, ou o tabuleiro vai pelos ares. Mas fidelizar-se um cidadão a quem não prima por ser alguém de conduta intocável e edificante – bem pelo contrário – nomeadamente se a sua adoração se estriba em fervores clubistas ou partidários, aí já estamos perante um puro caso de indigência mental, se não estivermos diante de um promissor aprendiz de trapaceiro.
É este, hoje em dia, o mal de Portugal. Grande parte do povo português não tem sentido crítico, nivela por baixo os padrões morais, seduz-se por aparências sem cuidar dos conteúdos, deslumbra-se com os discursos, em vez de estar atento às práticas. E, especialmente, entrega-se aos partidos, e por eles se deixa crucificar sem o menor sentido de cidadania, como se o seu partido fosse uma divindade a quem deve adorar, em vez de um instrumento ao serviço dos seus direitos e legítimos interesses.
O resultado está à vista.
Por isso, sempre que oiço ou vejo Pinto da Costa, lembro-me de Sócrates. E sempre que oiço ou vejo Sócrates, lembro-me de Pinto da Costa. Reflexos condicionados, como diria Pavlov. Ou mera associação de ideias. Dirão alguns – os velhacos ou os imbecis – que a Justiça não pôde agir pois havia uma vírgula que não estava aqui, um rabisco que faltou acolá. Direi eu que a Justiça tem, se quiser, força e meios para, em nome da verdade, da decência, do bem comum e de todos os outros valores que é sua atribuição proteger, ultrapassar eventuais erros de forma e não permitir que eles se transformem em alçapões por onde se escapam os infractores.
A um portista e fã de Sócrates, com quem discutia estas coisas, perguntei, por estas ou outras palavras, o seguinte: «Ouviste ou leste as transcrições das escutas, viste vídeos e soubeste de provas testemunhais, tanto nos processos Apito Dourado, como nos que envolvem Sócrates. Porque te creio um homem honesto – e parvo não és – diz-me uma coisa: acreditas, sinceramente, na inocência destes gajos?». Ele riu-se, olhou demoradamente para mim, e respondeu: «Não, João. Não acredito».
Apeteceu-me dar-lhe um abraço, mas contive-me. Eu sabia que, no fundo, ele continuava a admirar Pinto da Costa e Sócrates, sobrepondo os seus afectos aos valores morais que devem guiar a vida dos homens de bem. Não abraço gente desta.
Infelizmente, o país está cheio disto. Lembro-me, a propósito, da resposta de um político norte-americano – Henry Kissinger, salvo erro – a quem lhe perguntou porque eram os Estados Unidos aliados de Noriega. Ele respondeu: «O tipo é, realmente, um filho da puta, mas é o nosso filho da puta». Que um politico norte-americano pense assim, não me espanta, já que os interesses dos EUA não se dão bem com qualquer tipo de valores morais. A humanidade, para os norte-americanos, é um vasto tabuleiro de xadrez, onde fazem e desfazem as regras a qualquer momento. E ou vencem, ou o tabuleiro vai pelos ares. Mas fidelizar-se um cidadão a quem não prima por ser alguém de conduta intocável e edificante – bem pelo contrário – nomeadamente se a sua adoração se estriba em fervores clubistas ou partidários, aí já estamos perante um puro caso de indigência mental, se não estivermos diante de um promissor aprendiz de trapaceiro.
É este, hoje em dia, o mal de Portugal. Grande parte do povo português não tem sentido crítico, nivela por baixo os padrões morais, seduz-se por aparências sem cuidar dos conteúdos, deslumbra-se com os discursos, em vez de estar atento às práticas. E, especialmente, entrega-se aos partidos, e por eles se deixa crucificar sem o menor sentido de cidadania, como se o seu partido fosse uma divindade a quem deve adorar, em vez de um instrumento ao serviço dos seus direitos e legítimos interesses.
O resultado está à vista.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 13/10/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.
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2 comentários:
A «nossa» P... deixou uma prole incontável. Esses dois são apenas os 'manos' mais badalados...
Muito bem! Que nunca lhe doa o dedo. Continue.
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