quarta-feira, 6 de outubro de 2010

PALAVRAS DO SENHOR


Em 24 de Novembro de 2009, o chefe do bando que, a soldo do grande capital e da sacrossanta economia de mercado, governa o país há mais de cinco anos, dizia: «A principal preocupação da política económica do Governo é a recuperação económica e o emprego. Nesse sentido, não é compaginável com esses dois objectivos um aumento de impostos».

E a 2 de Fevereiro de 2010: «Vamos fazer uma consolidação orçamental baseada na redução da despesa e não através de aumento de impostos, porque isso seria negativo para a economia portuguesa».

Em 8 de Março de 2010, era assim: «O Governo vai concentrar-se na redução da despesa do Estado, tarefa que é provavelmente a mais difícil e exigente. Mais fácil seria aumentar impostos, mas isso prejudicaria a nossa economia».

No dia 30 de Abril de 2010, a criatura garante que não há aumento de IVA: «O que vamos fazer – diz – é o que está no PEC. A senhora deputada vê lá o aumento do IVA? Não vê». Palavras do Senhor – ou seja, do primeiro-ministro – no debate quinzenal no Parlamento, perante a insistência da deputada do Partido Ecologista Os Verdes, Heloísa Apolónia. E acrescenta: «Estamos confiantes e seremos fiéis ao nosso programa. São essas medidas que importam tomar».

Em 12 de Maio de 2010, ouvem-se as trombetas triunfais: «Portugal registou o maior crescimento económico da Europa no primeiro trimestre deste ano. Portugal foi o primeiro país a sair da condição de recessão técnica e o que melhor resistiu à crise». Palavras do Senhor. Hoje e sempre.

A 16 de Junho de 2010, José Sócrates rejeita, em Bruxelas, o cenário de redução de salários na função pública, afirmando acreditar que as medidas já adoptadas pelo Governo são suficientes para atingir os objectivos orçamentais em 2010 e 2011.

Em 24 de Agosto de 2010, garante, numa acção de propaganda, em Vale de Cambra: «Entre Janeiro e Junho, a nossa economia cresceu 1,4%, face às estimativas de 0,7% para o ano inteiro. Nestes seis meses, o crescimento da economia que se verificou em Portugal foi o dobro do previsto pelo Governo no início do ano».

Eram estas, até há poucos dias, as palavras do Senhor. Mas de um Senhor sem palavra, sem moral e sem pingo de vergonha. Do político mais incompetente e trapaceiro que alguma vez, desde que me lembro – e a História recente nos conta – teve nas mãos os destinos dos portugueses.

O país desfazia-se, vítima, em parte, do neo-liberalismo reinante e da crise congénita do capitalismo, mas, acima de tudo, desfazia-se às mãos do Partido Socialista e do homem que o domina e coloca o seu ego e as suas fantasias em confronto permanente com a realidade. Levado na vertigem que a detenção do poder lhe provoca, vogando já ao sabor de um delírio que roça a pura insanidade, Sócrates encurralou-se entre as suas opções ideológicas, retintamente neoliberais, e os resultados inevitáveis e devastadores dessas opções na economia e, por arrasto, nas contas públicas.

Ao fim de vários meses de desvairada alucinação, ele aí está, confrontado com uma realidade que, no entanto, continua a recusar ser obra sua – como se os governantes tivessem sido outros, e não ele e a respectiva seita. Ignorantes, maldosos, profetas da desgraça, irresponsáveis, velhos do Restelo, gente sem ideias, foram mimos, entre outros, com os quais rotulou quem não lia pela sua tresloucada cartilha. Forçado, finalmente, a reconhecer a enormidade do buraco para onde atirou Portugal e os portugueses – e cuja dimensão, criminosa e estupidamente quis esconder até ao fim – nada mais lhe resta que pôr em prática as receitas do catecismo neoliberal e apresentar, como sempre, a factura à arraia-miúda.

Não confessa – como homem de direita que realmente é – que as crises resultam de acumulação da riqueza produzida nas mãos de poderosos grupos financeiros, que assim controlam os povos e as nações, como estamos a senti-lo, agora mesmo. Não lhe entra no bestunto que elas, as crises, se possam resolver com outras medidas que não seja agravar sempre – e cada vez mais – a vida da população trabalhadora, dos reformados, dos desempregados e dos marginalizados por uma sociedade desequilibrada e desumana. Por isso, apesar de garantir, meses a fio, que o aumento de impostos e a redução dos salários estava fora do horizonte, por serem negativos para a economia e os portugueses, ei-lo a aplicar, como remédio, o veneno fatal que antes recusava.

Irónica e tragicamente, a vida vai dar razão – mas por outros motivos – ao que disse nos últimos tempos. Nenhuma destas medidas vai salvar o país. O desemprego vai aumentar, a fome alastrará, a economia definhará ainda mais, as falências vão multiplicar-se, a instabilidade e os conflitos sociais suceder-se-ão e a insegurança será o pão nosso de cada dia. Vem aí, em suma, mais um ciclo de recessão e pobreza, em vez da salvação do país. Dos nossos bolsos sairão os últimos cêntimos, direitinhos para os cofres da alta finança.

Culpados? O sistema capitalista, que é da exaustão dos povos que vive e prospera. E José Sócrates e o PS, pois se o capitalismo é péssimo, muito pior se torna quando interpretado por gente de tão baixo nível moral e intelectual. Por gente medíocre e desprezível. Por tartufos.


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 06/10/2010.
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