quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

ELES

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ELES pagam-nos apenas uma pequena parte daquilo que produzimos. Da riqueza que lhes metemos no bolso, devolvem-nos umas migalhas a que chamam salários. Nós produzimos tijolos, cimento, aço, folha-de-flandres, automóveis, casas, vestuário e calçado, telemóveis, jornais, pão, os pratos e os talheres onde comemos, os lençóis onde dormimos, as cadeiras onde nos sentamos, incluindo os cadeirões do parlamento e dos conselhos de administração. Produzimos os livros que lemos e os cadernos e livros onde as nossas crianças aprendem as primeiras letras e a juntar dois mais dois. Nós arriscamos a vida no alto mar, pescando, e no fundo das minas, extraindo o minério. Trabalhamos estoicamente para arrancar do chão os frutos, os legumes, os cereais e quase tudo o que comemos. Nós mal dormimos para que à vaca, ao porco e à galinha chegue sempre a ração a tempo e horas, do primeiro ao último dia do ano. Nós levamos a água e a electricidade a todo o lado, embora alguns de nós não saibam o que é acender a luz ou abrir a torneira. Construímos todas as estradas, mas não podemos circular em muitas delas se não tivermos dinheiro para pagar o luxo. Nós produzimos todos os electrodomésticos que existem, incluindo uma caixa chamada televisão, pela qual ELES nos dizem, 24 horas por dia, como devemos pensar, agir e ser.

Depois, nós pagamos tudo o que produzimos ao preço que ELES querem. E mais: há coisas que produzimos mas que não podemos comprar, porque só ELES, com os lucros que o nosso trabalho lhes deu, podem consumir. Nós pagámos, com os nossos impostos, a construção dos centros de saúde, dos hospitais, a formação de médicos e enfermeiros, e fomos nós que fabricámos todos os medicamentos que existem. Mas não temos médico sempre que precisamos, nem somos operados quando a operação se impõe, nem conseguimos comprar todos os medicamentos que precisamos, porque às vezes – muitas vezes – mal dá para a bucha. Nós construímos as escolas e pagámos a formação dos professores, mas temos, depois, que gastar o que não temos para que os nossos filhos estudem e possam aspirar a uma vida melhor. Pagamos os livros e os cadernos que fizemos, os lápis que produzimos e uma coisa chamada propinas, como se não tivéssemos já pago, com o nosso trabalho e com os nossos impostos, tudo isso.

E muitos de nós – incluindo os nossos filhos – passamos mal. Não bebemos o leite e carne que produzimos, nem o peixe que pescámos. Mas para que nada falte aos senhores que enriquecemos, ELES são tão bonzinhos que até nos emprestam dinheiro, ao juro que muito bem entendem, para que possamos compensar, deste modo, as carências que resultam de nos pagarem tão pouco.

Para que tudo isto funcione bem, para além da televisão, que nos diz que as coisas são mesmo assim – e se não forem assim, serão muito piores – existem os políticos, que criam as leis que tornam isto tudo legal. E, porque conseguem que votemos neles, é tudo democrático.

Acontece que nós, que produzimos tudo o que há, ganhamos cada vez menos, devemos cada vez mais e, natural – mas democraticamente – vivemos cada vez pior. Reformamo-nos – ao contrário deles – cada vez mais tarde e com pensões cada vez mais magras.

Mas graças a Deus e ao nosso suor, ELES e os nossos políticos podem comprar tudo aquilo que produzimos e têm dinheiro para se tratarem nas melhores clínicas, junto dos melhores médicos, e porem os filhos a estudar nas melhores escolas que há.

Democraticamente.


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 01/12/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

3 comentários:

Anónimo disse...

ELES comem tudo
ELES comem tudo
ELES comem tudo
e
não deixam nada.

E são os pobres dos países ricos que contribuem para os ricos dos países pobres.

Anónimo disse...

Antigamente ELES permitiam que uma sardinha pudesse ser dividida por 4, 5 ou 6 pessoas.
Hoje nem sardinha há a não ser as encontradas nos caixotes do lixo.
Democraticamente...

Anónimo disse...

A eleite dominante - banqueiros, grande patronato, partidos políticos do sistema e os seus incontáveis boys e girls - tomaram o freio nos dentes. Apalparam e sentiram mole e manso. Só vão parar com alguns tiros nos cornos.