quarta-feira, 9 de março de 2011

UMA LIÇÃO DE POLÍTICA INTERNACIONAL


Para saber se um país vive em ditadura ou em democracia, é necessário, sempre, saber a opinião do governo dos EUA. Para saber se um país respeita – ou não – os direitos humanos, seja dos seus naturais, seja dos que lhe caírem nas mãos, é fundamental esperar que o governo dos EUA se pronuncie sobre o assunto. Para saber se um determinado país representa um perigo para a paz e para a segurança mundiais, basta aguardar que a Casa Branca emita o seu parecer.

Não me perguntem – e não perguntem a ninguém, porque ninguém sabe – quais os padrões, os métodos, os estudos ou as bases científicas que permitem ao governo dos EUA decidir sobre a qualidade da democracia – ou a ausência dela – num determinado país. Nesse aspecto, os desígnios dos EUA são tão insondáveis como os de Deus, nosso Senhor. E igualmente omnipotentes e omniscientes.

Se alguém já está a pensar que um governo é democrático se resultar de eleições democráticas, não vá por aí. O governo de Chávez resulta de eleições democráticas, mas é, para os EUA, uma atroz ditadura. Na Argélia, aqui há uns anos, a FIS ganhou as eleições por larga margem. Não valeram. Na Arábia Saudita não há eleições, o rei lá do sítio quer, pode e manda, as mulheres não têm palavra na matéria, mas jamais ouvimos os EUA chamar àquele país uma monarquia absolutista. Pelo menos, enquanto houver lá petróleo.

Veja-se o caso da Líbia. Não há fome, não há mendigos nos vãos de escada, não há listas de esperas nos hospitais, os índices de desenvolvimento humano são elevados, a esperança de vida atinge os 76 anos, a mortalidade infantil é das mais baixas do continente, mas os direitos humanos, por lá, andam pelas ruas da amargura.

Mas olhe-se para os próprios EUA. Há, segundo as estatísticas, mais de 30 milhões de norte-americanos a viver abaixo dos índices oficiais de pobreza, ou seja na mais democrática miséria. Para enganar a fome, milhões deles recorrem a comida para animais. O direito humano de acesso a cuidados de saúde, independente da condição social ou económica, nem com a iniciativa de Obama – que lhe custou a maioria no Congresso – passou a ser um direito respeitado. É possível um presidente ser eleito com menos votos que o seu opositor. Mas a liberdade é tal, que a prostituição, a droga, o crime organizado e a violência prosperaram tanto, que já se transformaram em verdadeiros ex-libris da sociedade norte-americana.

Os EUA são, assim, o pai e a mãe da democracia e guardiões universais dos direitos humanos. E a tal ponto o são, que exportam a democracia e os valores humanistas de muitas e variadas formas: ou generosa e desinteressadamente, como aconteceu no Chile, com a oferta a Augusto Pinochet de uma democracia novinha em folha; ou de forma mais directa e expedita, como se tentou no Vietname, mas conseguiu nos Balcãs, no Panamá ou no Afeganistão. Exemplo mais recente: o Iraque de Saddam foi, durante anos, um modelo de país democrático e respeitador dos direitos humanos, de tal modo que mereceu o forte apoio dos EUA quando da guerra com o Irão. Depois, porque são, como já vimos, insondáveis os desígnios da Casa Branca, o mesmo Iraque, do mesmíssimo Saddam, passou a ser uma terrível ditadura e um perigo para segurança e a paz no mundo. Hoje, é um próspero e democrático monte de ruínas, governado por impolutos democratas made in USA.
O mesmo radioso futuro que está a ser preparado para a Líbia.

Onde, por acaso, também há petróleo com fartura.

(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 09/03/2011.

4 comentários:

Anónimo disse...

Que moral têm os EUA, os senhores da UE e os senhores que nos governam para falar em direitos humanos, se por aí alastra o desemprego, a fome, a falta de cuidados médicos, se pare em abulâncias, se encerram escolas e urgências e uns engordam à custa de esquemas corruptos e à custa da miséria dos outros? Há Varas e Godinhos na Líbia?

Kadafi é pior? Ora adeus...

Anónimo disse...

Em Angola, mais de 30 milhões (95% da população)vivem abaixo do limiar de muita pobreza... 20mil vivem como os mais ricos de todo o mundo.
E já agora se o senhor é do Seixal pq não fala do Seixal?

Anónimo disse...

Este senhor não fala do Seixal porque não quer beliscar os camaradas dele que governam a câmara há quase 37 anos.
Se o Alfredo Kadafi Monteiro tivesse milicias armadas já as tinha mandado para Pinhal de Frades.

Anónimo disse...

Este senhor fala do que entende falar, tal como os senhores anónimos falam do que entenderem falar. O que este senhor não faz é ser porta voz de oportunistas ressabiados.

Se os senhores anónimos sabem falar e escrever - como parece - sirvam-se à vonatade. Angola, Seixal, Freeport, Independente, escritura do Cavaco, o mundo é vosso.

João Carlos Pereira