É triste vermos ruir aquilo em que acreditamos? Rejeite-se a realidade.
É doloroso sermos vítimas das políticas que pensávamos que magoariam só os outros? Disfarcemo-nos de patriotas e digamos que estamos dispostos a isto e a muito mais.
Assusta a ideia que o pior ainda está para vir? Aponte-se o dedo a tudo e a todos mas – muita atenção! – Jamais àqueles em quem sempre acreditámos.
Não temos respostas sérias para explicar o que está a acontecer? Ou temos, mas se as dermos estaremos a aceitar o que sempre rejeitámos? Recusemo-nos a responder a isso. Chutemos para fora e assobiemos para o lado.
A verdade é que os lobos entraram no povoado e não assaltam só os galinheiros e os casebres dos pobres. Entraram nos quintais das traseiras, e nos primeiros andares dos prédios. E alguns rondam já os muros de algumas moradias. O regedor, que nada mais é que um lobo com pele de carneiro, aconselha o povo a fechar-se em casa e a deixar comida à porta. Pode ser que assim a alcateia se apazigúe. Mas a alcateia tomou-lhe o gosto, já percebeu que basta uivar e mostrar os dentes. A alcateia está nas suas sete quintas. O povo, tolhido, vai pondo à porta tudo o que tem.
– E quando não tivermos mais?
– Faremos como os nossos ancestrais: sacrificaremos uns dos nossos, para lhes saciarmos a voracidade.
– E se te calhar a ti?
– Não hei-de ter um azar desses.
– Também dizias que os lobos nunca viriam cercar-nos a moradia. Que se contentavam com as galinhas dos outros…
– Olha. Seja o que deus quiser. Mas o regedor vai dar a volta a isto.
– E se matássemos os lobos?
– Credo! Sou contra a violência.
– Mas eles são violentos. Era legítima defesa.
– Se isto continuar assim, votamos noutro regedor.
– No irmão, aquele que esteve lá antes deste?
– Isso.
Nota – Peço desculpa aos lobos verdadeiros se acaso se sentirem ofendidos com as comparações aqui feitas. Teriam todas as razões para isso, já que são animais absolutamente respeitáveis.