Há muitos anos que
o mais célebre livro de Gabriel García Márquez – Cem Anos de Solidão – é um dos meus objectos de culto no
plano literário. Não vou contar – ou comentar – toda a história que García
Márquez magistralmente nos relata, mas dizer que a interpretei como um
fantástico tratado sobre os labirintos em que os seres humanos gostam de se
perder. Ou a tal parece estrarem condenados. O homem, que pode ter nas mãos a
possibilidade de decidir do seu destino, não raramente utiliza essa liberdade –
o seu poder – contra si próprio. Num dado momento, o livro toca nas guerras
entre conservadores e liberais, conflito que assolava vários países
hispano-americanos em meados do século XIX.
No fundo, trata-se
do eterno conflito entre exploradores e explorados, sendo que os conservadores
tinham como apoio a Igreja e o Exército, consideravam-se inspirados por um
poder divino – o que os absolvia de todas as sevícias que praticavam – e
lutavam pela manutenção da estrutura do antigo regime, inspirado ainda na velha
ordem colonial. Já os liberais perseguiam o fim das bases ideológicas e
materiais que sustentavam o poder conservador, lutando pela revisão dos títulos
de propriedade de terra, pela laicização da sociedade e do Estado, pelo fim dos
privilégios da classe dominante, por uma legislação que promovesse a justa
distribuição da riqueza e, naturalmente, pela tomada do poder político.
O pior é que no
caldeirão da luta partidária, rapidamente o povo é deixado para trás, a tal
ponto que à derrota dos liberais sucede um acordo que permite aos seus
partidários ocupar cargos no governo conservador. É então que o Coronel
Aureliano Buendía resume esse facto – bem pior que a derrota militar – numa
única observação: «A única diferença actual entre liberais e conservadores,
é que os liberais vão a missa das cinco e os conservadores à missa das oito».
Aqui temos as
consequências de os povos deixarem os seus destinos nas mãos de caudilhos,
razão pela qual García Márquez acaba assim o seu livro: «… e que tudo o que estava
escrito neles (nos
pergaminhos) era irrepetível
desde sempre e para todo o sempre, porque as estirpes condenadas a cem anos de
solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a Terra».
Quase 48 anos de
ditadura formal, mais 35 anos de ditadura mascarada de democracia, conduzida
por caciques liberais como Soares, Cavaco, Guterres, Durão, Sócrates e Passos,
eis-nos já com oitenta e três anos de solidão. Ou de servidão, tanto faz. Está
quase esgotado o nosso prazo.
É hora, pois, de
enfrentar o futuro e tomar as opções que têm de ser tomadas. Interessa-nos a
manutenção de Portugal no euro e na UE, ou a recuperação da soberania
monetária, com o lançamento de uma nova moeda de emissão estatal, sem a mão
usurária dos banqueiros privados? Interessa-nos a renegociação da dívida – ou
mesmo a cessação de pagamentos aos agiotas e de empréstimos cada vez mais
ruinosos? Interessa-nos a renacionalização do sector financeiro e de grandes
grupos económicos e a verdadeira democratização de Portugal?
Em suma:
interessa-nos tomar o nosso futuro nas nossas mãos, ou enfrentar a sina da
eterna servidão?
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio
Baía em 08/08/2012.
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