Porque o técnico de promoção comercial José Sócrates já não consegue vender por cá o seu peixe, ou melhor, o seu Magalhães, ele agora está a tentar colocar o produto em outras regiões tão desenvolvidas como Portugal, contando com o apoio da Fundação privada com dinheiros públicos que ele próprio criou.
domingo, 28 de junho de 2009
quarta-feira, 24 de junho de 2009
DO LOBO MAU AO CORDEIRINHO BOM
Se ele fosse um garoto, eu até compreendia a coisa. Mas ele é um homem em idade madura que, ainda por cima, anda na vida política há vários anos. E é licenciado em engenharia, a fazer fé no que consta no diploma que a Universidade Independente lhe passou, era uma vez num certo domingo… Enfim, por muito lerda que uma pessoa seja, há barreiras que nunca pode atravessar, sob pena de cair no ridículo. Por isso, há por aí quem diga que das duas uma: ou ele teve um AVC na sequência do desaire eleitoral do dia 7 de Junho; ou, então, a sua idade cerebral anda aí pelos três quatro aninhos, não mais do que isso, coisa que só agora se revelou.
Mas também é certo que as trapalhadas em que um tipo se mete ao longo da vida – e que, mais tarde ou mais cedo, desabam sobre a sua cabeça – a par das vicissitudes próprias da política e da ocupação do poder, podem, a certa altura, dar-lhe a volta ao miolo, descompensá-lo, infantilizá-lo, retirá-lo da realidade. E se isso acontece e não se tomam os comprimidos certos, as consequências podem ser desastrosas e irreversíveis.
Haveria ainda, é certo, a hipótese de se tratar de um doente bipolar, não fosse tão longo o período em que um dos aspectos do seu humor ocultou o outro, nada mais, nada menos do que quatro longuíssimos anos. Normalmente, o estado eufórico alterna frequentemente com uma fase depressiva, de inibição. Ora, perante esse grande período contínuo de euforia, de agressividade, de incontinência verbal, de uma obsessão maníaca à volta do seu ego, é de crer que não se tratará desse transtorno das células nervosas, mas de outro, designado por egocentrismo. Ou seja: salvo melhor opinião, ele não será um doente maníaco-depressivo, mas será, com certeza, um egocêntrico feroz. Ora, sabendo nós que o egocentrismo é a característica que define as personalidades que consideram que todo o mundo e todas as pessoas giram ao seu redor, sabemos também que, por exemplo, a criança com cerca de 3 anos passa pelo período chamado teimoso, pois ainda não compreende que faz parte de uma sociedade, imaginando-se o centro do mundo. Mas o que aconteceu ao egocêntrico para, de súbito, parecer curado? A criança, cresce. E o adulto?
Seja como for, o lobo mau que apareceu por aí em 2005, uivando e mostrando a dentuça arreganhada até ao dia 6 de Junho de 2009, transformou-se, no dia a seguir, num manso cordeirinho branco, dócil, de suaves balidos, incapaz de comer até as mais tenras ervinhas.
Porque me sinto emaranhado num mar de dúvidas – e não encontro nenhuma explicação fácil para esta súbita e radical mudança de personalidade – pergunto-me quem é, afinal, o verdadeiro Sócrates? O político arrogante, vaidoso e autoritário que pôs os portugueses a comer o pão que o diabo amassou, ou o delicodoce anjinho que estende a mão à palmatória, vestindo o hábito do mais humilde dos franciscanos?
E se eu me deixasse desta conversa fiada e pusesse a questão em termos mais vulgares? Exactamente assim: Sócrates é um imbecil, ou pensa – e ele lá saberá com que razões – que está a lidar com cerca de 10 milhões de imbecis? Que me desculpem os ouvintes ou os leitores mais sensíveis, mas a manobra é tão rasca, tão tosca, tão infantil, tão ridícula e tão evidente, que não consigo pôr a questão de modo mais generoso. De facto, só alguém completamente desfocado da realidade, e que perdeu por completo a noção do ridículo, é que se atreve, do dia para a noite, a interpretar a farsa do político humilde, dialogante, gentil, paciente e tolerante, exactamente o contrário do que demonstrou ser durante quatro anos.
Perante tão espantosa manifestação de infantilidade, condição que faltava acrescentar ao interessante currículo da personalidade de Sócrates, a comunicação social não pôde deixar de, praticamente em coro, glosar a impostura. Uma das estações televisivas, não me lembro qual, entremeou trechos das suas diversas intervenções antes e depois do 7 de Junho. Garanto-vos que foram os momentos mais grotescos – e, simultaneamente, mais cómicos – a que assisti nos últimos tempos. Outro exemplo. Um colunista do Correio da Manhã, João Coutinho, escreveu o seguinte:
«José Sócrates enfrenta o dilema clássico: ser ou não ser, eis a questão. Deve o primeiro-ministro continuar a trilhar o caminho da arrogância e do autoritarismo? Ou deve moderar a sua encantadora personalidade e apresentar-se ao País como a Madre Teresa do Largo do Rato?
Em entrevista à SIC, Sócrates já respondeu. Se a ideia é reconquistar a maioria, Sócrates não se importa de vender uma humildade que comove. Acontece que a estratégia tem dois problemas: com férias pelo meio, será difícil a Sócrates apagar em dois meses o que andou a cultivar durante quatro anos. E, adicionalmente, os portugueses não parecem dispostos a comprar a encenação, que obviamente fede a hipocrisia.
Ao pretender ser o que não é, Sócrates arrisca-se a parecer o que não pode: um oportunista que muda de pele ao sabor das circunstâncias.»
E fica tudo dito sobre este político socialista, da esquerda moderna, que os portugueses, para desgraça sua, um dia puseram a governar o país. Esta ridícula e – insisto em frisar – infantil tentativa de vestir a pele do manso cordeiro, só mostra, com absoluta e inquestionável clareza, que tanto o carácter como o temperamento de José Sócrates estão vazios daquilo que define um verdadeiro HOMEM.
E foi assim que as eleições europeias, para além dos estimulantes resultados que tiveram, nos deram a descobrir, como bónus, esta faceta oculta da personalidade de Sócrates: um sacripanta que a si próprio se renega, seja por ambição, seja por cobardia, seja pelas duas coisas simultaneamente.
E se pelo mal que nos fez em quatro anos de governação já havia fartos motivos para o rejeitarmos, ele acaba de nos dar o derradeiro: o de ser devidamente desprezado.
A menos que queiramos ser nós os imbecis desta história.
Mas também é certo que as trapalhadas em que um tipo se mete ao longo da vida – e que, mais tarde ou mais cedo, desabam sobre a sua cabeça – a par das vicissitudes próprias da política e da ocupação do poder, podem, a certa altura, dar-lhe a volta ao miolo, descompensá-lo, infantilizá-lo, retirá-lo da realidade. E se isso acontece e não se tomam os comprimidos certos, as consequências podem ser desastrosas e irreversíveis.
Haveria ainda, é certo, a hipótese de se tratar de um doente bipolar, não fosse tão longo o período em que um dos aspectos do seu humor ocultou o outro, nada mais, nada menos do que quatro longuíssimos anos. Normalmente, o estado eufórico alterna frequentemente com uma fase depressiva, de inibição. Ora, perante esse grande período contínuo de euforia, de agressividade, de incontinência verbal, de uma obsessão maníaca à volta do seu ego, é de crer que não se tratará desse transtorno das células nervosas, mas de outro, designado por egocentrismo. Ou seja: salvo melhor opinião, ele não será um doente maníaco-depressivo, mas será, com certeza, um egocêntrico feroz. Ora, sabendo nós que o egocentrismo é a característica que define as personalidades que consideram que todo o mundo e todas as pessoas giram ao seu redor, sabemos também que, por exemplo, a criança com cerca de 3 anos passa pelo período chamado teimoso, pois ainda não compreende que faz parte de uma sociedade, imaginando-se o centro do mundo. Mas o que aconteceu ao egocêntrico para, de súbito, parecer curado? A criança, cresce. E o adulto?
Seja como for, o lobo mau que apareceu por aí em 2005, uivando e mostrando a dentuça arreganhada até ao dia 6 de Junho de 2009, transformou-se, no dia a seguir, num manso cordeirinho branco, dócil, de suaves balidos, incapaz de comer até as mais tenras ervinhas.
Porque me sinto emaranhado num mar de dúvidas – e não encontro nenhuma explicação fácil para esta súbita e radical mudança de personalidade – pergunto-me quem é, afinal, o verdadeiro Sócrates? O político arrogante, vaidoso e autoritário que pôs os portugueses a comer o pão que o diabo amassou, ou o delicodoce anjinho que estende a mão à palmatória, vestindo o hábito do mais humilde dos franciscanos?
E se eu me deixasse desta conversa fiada e pusesse a questão em termos mais vulgares? Exactamente assim: Sócrates é um imbecil, ou pensa – e ele lá saberá com que razões – que está a lidar com cerca de 10 milhões de imbecis? Que me desculpem os ouvintes ou os leitores mais sensíveis, mas a manobra é tão rasca, tão tosca, tão infantil, tão ridícula e tão evidente, que não consigo pôr a questão de modo mais generoso. De facto, só alguém completamente desfocado da realidade, e que perdeu por completo a noção do ridículo, é que se atreve, do dia para a noite, a interpretar a farsa do político humilde, dialogante, gentil, paciente e tolerante, exactamente o contrário do que demonstrou ser durante quatro anos.
Perante tão espantosa manifestação de infantilidade, condição que faltava acrescentar ao interessante currículo da personalidade de Sócrates, a comunicação social não pôde deixar de, praticamente em coro, glosar a impostura. Uma das estações televisivas, não me lembro qual, entremeou trechos das suas diversas intervenções antes e depois do 7 de Junho. Garanto-vos que foram os momentos mais grotescos – e, simultaneamente, mais cómicos – a que assisti nos últimos tempos. Outro exemplo. Um colunista do Correio da Manhã, João Coutinho, escreveu o seguinte:
«José Sócrates enfrenta o dilema clássico: ser ou não ser, eis a questão. Deve o primeiro-ministro continuar a trilhar o caminho da arrogância e do autoritarismo? Ou deve moderar a sua encantadora personalidade e apresentar-se ao País como a Madre Teresa do Largo do Rato?
Em entrevista à SIC, Sócrates já respondeu. Se a ideia é reconquistar a maioria, Sócrates não se importa de vender uma humildade que comove. Acontece que a estratégia tem dois problemas: com férias pelo meio, será difícil a Sócrates apagar em dois meses o que andou a cultivar durante quatro anos. E, adicionalmente, os portugueses não parecem dispostos a comprar a encenação, que obviamente fede a hipocrisia.
Ao pretender ser o que não é, Sócrates arrisca-se a parecer o que não pode: um oportunista que muda de pele ao sabor das circunstâncias.»
E fica tudo dito sobre este político socialista, da esquerda moderna, que os portugueses, para desgraça sua, um dia puseram a governar o país. Esta ridícula e – insisto em frisar – infantil tentativa de vestir a pele do manso cordeiro, só mostra, com absoluta e inquestionável clareza, que tanto o carácter como o temperamento de José Sócrates estão vazios daquilo que define um verdadeiro HOMEM.
E foi assim que as eleições europeias, para além dos estimulantes resultados que tiveram, nos deram a descobrir, como bónus, esta faceta oculta da personalidade de Sócrates: um sacripanta que a si próprio se renega, seja por ambição, seja por cobardia, seja pelas duas coisas simultaneamente.
E se pelo mal que nos fez em quatro anos de governação já havia fartos motivos para o rejeitarmos, ele acaba de nos dar o derradeiro: o de ser devidamente desprezado.
A menos que queiramos ser nós os imbecis desta história.
(João Carlos Pereira)
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Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 24/06/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).
quarta-feira, 17 de junho de 2009
ABSTENÇÃO, VOTOS BRANCOS E VOTOS ESTÚPIDOS
A primeira das três eleições que os portugueses vão enfrentar este ano, foi aquilo que se esperava – que eu esperava. O PS foi muito bem castigado, a abstenção foi enorme e os votos brancos, tal como os nulos, duplicaram. Se mais não houvesse – e houve – tanto me bastaria para sorrir.
Antes, almas generosas, de Cavaco Silva a todos os líderes partidários, comentadores, analistas e toda uma paleta de figuras que vivem da política, onde se destacam anafados chupistas da democracia em curso, apelaram ao voto e à participação cívica, não se cansando de referir que o voto é a arma do povo. Que só pelo voto é que isto vai lá. Que, se não votarmos, não nos podemos, depois, queixar. Que frito e que cozido. Realmente, não percebo a teoria, tanto mais que se vota há 34 anos e isto não só não vai lá, como está cada vez mais longe. E cheira cada vez pior.
A maioria da rapaziada, é claro, fez-lhes um real – mas democrático – manguito. Em primeiro lugar, dos 9.679.250 eleitores inscritos, 6.118.131 (isto é: mais de 63%) resolveram não aparecer. Dos que apareceram, 164.915 decidiram votar em branco. E os votos nulos, apesar de se poder considerar que muitos deles resultam de erros e confusões dos eleitores, também passaram para o dobro do que é costume, atingindo os 71.158.
Como referi há oito dias, não considero que a abstenção e o voto em branco sejam tragédias ou resultem de falta de espírito cívico ou consciência democrática. É curioso notar que as forças de direita não gostam de votos à esquerda, tal como a esquerda considera que os votos na direita são votos perigosos, mas que todos estão de acordo quanto aos perigos que o sistema democrático corre perante uma abstenção fortíssima e a mensagem ensurdecedora traduzida por mais de 150 mil votos em branco.
Até parece – e talvez seja verdade – que temem mais a abstenção e os votos em branco do que os votos nas forças adversárias. Será apenas amor à democracia? Ou será porque lêem, na abstenção e nos votos em branco, esta mensagem claríssima: nenhum de vocês me diz nada, portanto nenhum de vocês merece o meu voto. Esta mensagem de repúdio, por ser seguramente mais livre e independente que o voto expresso numa qualquer força política, tem o peso esmagador de uma opção conscientemente assumida, de um voto de censura muitíssimo eloquente.
Pode afirmar-se, por outro lado, que estas eleições – as Europeias – dizem pouco aos europeus, naturalmente condicionados por uma visão nacionalista – ou regional – da política. É verdade. Mas não se diz o resto: que elas são eleições para um órgão distante, pouco mais do que virtual, num quadro político onde tudo está antecipadamente definido pelas grandes potências europeias. E, dizendo isto, quero dizer que a União Europeia, tal como existe, mais não é do que um instrumento jurídico e administrativo dos grandes interesses económicos, cuja principal função é impor a todo o rebanho – leia-se: a todos os europeus – as regras da sacrossanta economia de mercado. Nenhum carneirinho poderá balir fora do redil.
É neste quadro de uniformização legislativa (definindo limites políticos, económicos e sociais), que retira aos povos a sua independência e, cinicamente, desresponsabiliza os governantes nacionais das malfeitorias que advierem, que se tenta criar uma super constituição europeia e – vejam lá se se lembram – que Sócrates recusou submeter à apreciação dos portugueses, porque, dizia ele e os papagaios a seu mando, se tratava de um texto muito complexo e que poderia não ser entendido pelo eleitorado. Pois é. Mas para votar agora para esse tal parlamento Europeu, a carneirada já estava esclarecida e, portanto, capaz de optar. Viu-se. Talvez não tenha sido a melhor resposta, mas foi uma resposta respeitável – e compreensível.
Por outro lado, estou mais do que convencido que dos cerca de 3 milhões e 500 mil eleitores que foram às urnas, nenhum votou a pensar em propostas políticas ao nível europeu. Todos – ou quase todos, vá lá – os que votaram nas forças concorrentes o fizeram por fidelidade ou simpatia partidária, em defesa da sua dama, por mera militância. A Europa, coitada, foi coisa de que ninguém se lembrou. Nem, claro está, esta vinha para o caso. Os portugueses estão-se nas tintas para o projecto Europeu, coisa que é tarefa de uns tipos engravatados, pagos a peso de ouro lá para Bruxelas ou coisa assim, mas que não se come à mesa, não aumenta o ordenado ou a pensão, não enche o depósito do carro, nem paga a educação dos filhos. Há essa coisa dos fundos comunitários, pois há, mas a isso dizem que quem nos dá um chouriço acaba sempre por levar o porco. Neste caso, o porco são os têxteis, as pescas, a indústria siderúrgica e metalomecânica pesada, as quotas de leite e da carne, da vinha e do olival, etc. etc.
Aliás, a Europa, tal como os europeístas a definem, não existe – e nunca existirá. A Europa é uma diversidade de povos e culturas que não pode ser fundida e uniformizada à força, por mera imposição legislativa ou pela política monetária. Uma Europa integrada, debaixo de um projecto político, económico, social e cultural comum não é possível, coisa que, valha a verdade, os defensores da ideia sabem até deitar por fora. Na realidade, não é isso que eles pretendem, como à frente explicarei.
Podem, de facto, os estados europeus coexistir e cooperar de forma mais ou menos aprofundada, mas os povos continuarão a procurar os seus próprios destinos, a ritmos diferentes, com bússolas diferentes, com sonhos diferentes, produzidos por passados diferentes, caracterizados por idiossincrasias diferentes. Numa coisa se poderão unir, para além do idioma, da religião, da latitude, da cor ou da etapa de desenvolvimento em que se encontrem: é na busca solidária de um futuro onde nenhum ser humano seja dependente do poder económico que alguns senhores seguram, como rédeas impiedosas: os senhores da banca, dos mercados financeiros, da especulação bolsista, enfim, do grande capital financeiro.
Mas é precisamente isso – e só isso – que este modelo de construção da Europa quer evitar a todo o custo. O que Barroso, Sócrates, Berlusconi, Cavaco, Sarkozi, Zapatero, Ângela Merkel, Brown ou qualquer outro figurão querem é subordinar todos os europeus ao modelo político e económico neoliberal, afastando do horizonte toda a possibilidade de se poder optar por outro modelo qualquer. O que se pretende – e mais nada – é impedir a emancipação dos povos através de uma sistema económico de cooperação e de solidariedade, pondo a economia ao serviço das pessoas – e não o contrário. Não perceber isto, é não perceber o essencial da luta política.
Mas voltando à abstenção e aos votos brancos – e aqui vai a minha provocação de hoje – sou da opinião de que são opções válidas, úteis e respeitáveis. Tão ou mais válidas, úteis e respeitáveis do que votar numa qualquer força política. Não quero dizer que um cidadão que se reveja neste ou naquele partido, seja porque acredita nas propostas políticas que este lhe oferece, seja – como é a maioria dos casos – por simples simpatia «clubista» deva deixar de o fazer. Que vote cada um como quiser, se pensa que assim está a contribuir para melhorar a sua vida e a de todos os seus concidadãos.
Mas o que deve fazer um eleitor que não reconhece em nenhum dos partidos concorrentes algo que coincida com a sua visão de sociedade? E o que deve fazer um eleitor que se fartou de promessas vãs, de conversa fiada, de teorias que não correspondem, depois, às práticas, e que vê os políticos servirem-se, em vez de servirem, que está fartinho de ver a corrupção alastrar, seja a nível do poder central, seja a nível do poder local? Votar, mesmo assim? Mas em quem, se ninguém lhe merece respeito ou confiança? O que deve fazer um eleitor que esteja desiludido com todo o quadro partidário que se lhe apresente num acto eleitoral, depois de se ter desiludido com meses e anos de conversa fiada, enquanto a vida de todos se vai degradando sem remédio? Que vê a corrupção presidir aos grandes negócios do Estado, aos mais pequenos negócios autárquicos, enfim, à transformação da acção política numa coisa infame e sem remédio à vista? Que vê a Justiça ser manipulada pelo poder político, deixando impunes os grandes criminosos, evitando tocar nas altas figuras do Estado, ou tratá-las acima de qualquer suspeita, mesmo que a realidade, nua e crua, aponte para o lado contrário?
Diz-se que o voto é a arma do povo. Será. Mas é, também, a capa dos políticos, sob a qual se sentem, depois, legitimados para fazer aquilo que andam a fazer há mais de 30 anos. Disse o senhor presidente da República que ninguém, abstendo-se, tem depois legitimidade para se queixar. Mas de que tem servido a queixa aos que votam e, depois, ficam desempregados, recebem salários e pensões miseráveis, ficam sem acesso à saúde, à educação e assistem, impotentes, ao alastrar da corrupção, ao abandalhamento da Justiça?
Por isso, considero que o voto em branco ou a abstenção são sinais evidentes de protesto, de descontentamento e são votos mais informados, conscientes e lúcidos do que, por exemplo, o voto arregimentado – e não estou a dizer que todos o sejam. Que sentido faz, afinal, um eleitor votar num partido cujas políticas lhe destruíram a vida e, mesmo assim, porque é partido no qual se filiou, ou com o qual simpatiza, lhe dá o voto como o carneiro dá o pescoço à degola? Que sentido tem, milhares de eleitores socialistas criticarem as políticas do PSD, quando o PSD governa, e depois aplaudirem – ou calarem-se – quando as mesmas medidas, ou piores, são postas em prática pelo PS? E vice-versa, claro. O que valem estes votos. Qual o seu conteúdo democrático?
Como deve votar, por exemplo, nas eleições autárquicas, um militante ou simpatizante de um partido qualquer, se o candidato local desse partido se transformou num verbo-de-encher e nada o distingue, pela acções e pelas omissões – pelas práticas, enfim – dos seus pares de outras forças políticas? Se era um pardacento cidadão antes de ser autarca, e é hoje um senhor com um belo património imobiliário, como há por aí vários exemplos?
As questões que aqui deixo – e que isso fique bem claro – não são apelos à abstenção ou ao voto em branco, tal como nunca fiz – nem farei – qualquer apelo ao voto em qualquer força política. Apenas quis deixar claro que não podemos considerar a abstenção ou o voto em branco como tumores malignos da democracia, já que me parecem muito mais conscientes e informados que, por exemplo, o voto de um trabalhador nos partidos que pariram e aprovaram o Código do Trabalho.
Ou não será?
Antes, almas generosas, de Cavaco Silva a todos os líderes partidários, comentadores, analistas e toda uma paleta de figuras que vivem da política, onde se destacam anafados chupistas da democracia em curso, apelaram ao voto e à participação cívica, não se cansando de referir que o voto é a arma do povo. Que só pelo voto é que isto vai lá. Que, se não votarmos, não nos podemos, depois, queixar. Que frito e que cozido. Realmente, não percebo a teoria, tanto mais que se vota há 34 anos e isto não só não vai lá, como está cada vez mais longe. E cheira cada vez pior.
A maioria da rapaziada, é claro, fez-lhes um real – mas democrático – manguito. Em primeiro lugar, dos 9.679.250 eleitores inscritos, 6.118.131 (isto é: mais de 63%) resolveram não aparecer. Dos que apareceram, 164.915 decidiram votar em branco. E os votos nulos, apesar de se poder considerar que muitos deles resultam de erros e confusões dos eleitores, também passaram para o dobro do que é costume, atingindo os 71.158.
Como referi há oito dias, não considero que a abstenção e o voto em branco sejam tragédias ou resultem de falta de espírito cívico ou consciência democrática. É curioso notar que as forças de direita não gostam de votos à esquerda, tal como a esquerda considera que os votos na direita são votos perigosos, mas que todos estão de acordo quanto aos perigos que o sistema democrático corre perante uma abstenção fortíssima e a mensagem ensurdecedora traduzida por mais de 150 mil votos em branco.
Até parece – e talvez seja verdade – que temem mais a abstenção e os votos em branco do que os votos nas forças adversárias. Será apenas amor à democracia? Ou será porque lêem, na abstenção e nos votos em branco, esta mensagem claríssima: nenhum de vocês me diz nada, portanto nenhum de vocês merece o meu voto. Esta mensagem de repúdio, por ser seguramente mais livre e independente que o voto expresso numa qualquer força política, tem o peso esmagador de uma opção conscientemente assumida, de um voto de censura muitíssimo eloquente.
Pode afirmar-se, por outro lado, que estas eleições – as Europeias – dizem pouco aos europeus, naturalmente condicionados por uma visão nacionalista – ou regional – da política. É verdade. Mas não se diz o resto: que elas são eleições para um órgão distante, pouco mais do que virtual, num quadro político onde tudo está antecipadamente definido pelas grandes potências europeias. E, dizendo isto, quero dizer que a União Europeia, tal como existe, mais não é do que um instrumento jurídico e administrativo dos grandes interesses económicos, cuja principal função é impor a todo o rebanho – leia-se: a todos os europeus – as regras da sacrossanta economia de mercado. Nenhum carneirinho poderá balir fora do redil.
É neste quadro de uniformização legislativa (definindo limites políticos, económicos e sociais), que retira aos povos a sua independência e, cinicamente, desresponsabiliza os governantes nacionais das malfeitorias que advierem, que se tenta criar uma super constituição europeia e – vejam lá se se lembram – que Sócrates recusou submeter à apreciação dos portugueses, porque, dizia ele e os papagaios a seu mando, se tratava de um texto muito complexo e que poderia não ser entendido pelo eleitorado. Pois é. Mas para votar agora para esse tal parlamento Europeu, a carneirada já estava esclarecida e, portanto, capaz de optar. Viu-se. Talvez não tenha sido a melhor resposta, mas foi uma resposta respeitável – e compreensível.
Por outro lado, estou mais do que convencido que dos cerca de 3 milhões e 500 mil eleitores que foram às urnas, nenhum votou a pensar em propostas políticas ao nível europeu. Todos – ou quase todos, vá lá – os que votaram nas forças concorrentes o fizeram por fidelidade ou simpatia partidária, em defesa da sua dama, por mera militância. A Europa, coitada, foi coisa de que ninguém se lembrou. Nem, claro está, esta vinha para o caso. Os portugueses estão-se nas tintas para o projecto Europeu, coisa que é tarefa de uns tipos engravatados, pagos a peso de ouro lá para Bruxelas ou coisa assim, mas que não se come à mesa, não aumenta o ordenado ou a pensão, não enche o depósito do carro, nem paga a educação dos filhos. Há essa coisa dos fundos comunitários, pois há, mas a isso dizem que quem nos dá um chouriço acaba sempre por levar o porco. Neste caso, o porco são os têxteis, as pescas, a indústria siderúrgica e metalomecânica pesada, as quotas de leite e da carne, da vinha e do olival, etc. etc.
Aliás, a Europa, tal como os europeístas a definem, não existe – e nunca existirá. A Europa é uma diversidade de povos e culturas que não pode ser fundida e uniformizada à força, por mera imposição legislativa ou pela política monetária. Uma Europa integrada, debaixo de um projecto político, económico, social e cultural comum não é possível, coisa que, valha a verdade, os defensores da ideia sabem até deitar por fora. Na realidade, não é isso que eles pretendem, como à frente explicarei.
Podem, de facto, os estados europeus coexistir e cooperar de forma mais ou menos aprofundada, mas os povos continuarão a procurar os seus próprios destinos, a ritmos diferentes, com bússolas diferentes, com sonhos diferentes, produzidos por passados diferentes, caracterizados por idiossincrasias diferentes. Numa coisa se poderão unir, para além do idioma, da religião, da latitude, da cor ou da etapa de desenvolvimento em que se encontrem: é na busca solidária de um futuro onde nenhum ser humano seja dependente do poder económico que alguns senhores seguram, como rédeas impiedosas: os senhores da banca, dos mercados financeiros, da especulação bolsista, enfim, do grande capital financeiro.
Mas é precisamente isso – e só isso – que este modelo de construção da Europa quer evitar a todo o custo. O que Barroso, Sócrates, Berlusconi, Cavaco, Sarkozi, Zapatero, Ângela Merkel, Brown ou qualquer outro figurão querem é subordinar todos os europeus ao modelo político e económico neoliberal, afastando do horizonte toda a possibilidade de se poder optar por outro modelo qualquer. O que se pretende – e mais nada – é impedir a emancipação dos povos através de uma sistema económico de cooperação e de solidariedade, pondo a economia ao serviço das pessoas – e não o contrário. Não perceber isto, é não perceber o essencial da luta política.
Mas voltando à abstenção e aos votos brancos – e aqui vai a minha provocação de hoje – sou da opinião de que são opções válidas, úteis e respeitáveis. Tão ou mais válidas, úteis e respeitáveis do que votar numa qualquer força política. Não quero dizer que um cidadão que se reveja neste ou naquele partido, seja porque acredita nas propostas políticas que este lhe oferece, seja – como é a maioria dos casos – por simples simpatia «clubista» deva deixar de o fazer. Que vote cada um como quiser, se pensa que assim está a contribuir para melhorar a sua vida e a de todos os seus concidadãos.
Mas o que deve fazer um eleitor que não reconhece em nenhum dos partidos concorrentes algo que coincida com a sua visão de sociedade? E o que deve fazer um eleitor que se fartou de promessas vãs, de conversa fiada, de teorias que não correspondem, depois, às práticas, e que vê os políticos servirem-se, em vez de servirem, que está fartinho de ver a corrupção alastrar, seja a nível do poder central, seja a nível do poder local? Votar, mesmo assim? Mas em quem, se ninguém lhe merece respeito ou confiança? O que deve fazer um eleitor que esteja desiludido com todo o quadro partidário que se lhe apresente num acto eleitoral, depois de se ter desiludido com meses e anos de conversa fiada, enquanto a vida de todos se vai degradando sem remédio? Que vê a corrupção presidir aos grandes negócios do Estado, aos mais pequenos negócios autárquicos, enfim, à transformação da acção política numa coisa infame e sem remédio à vista? Que vê a Justiça ser manipulada pelo poder político, deixando impunes os grandes criminosos, evitando tocar nas altas figuras do Estado, ou tratá-las acima de qualquer suspeita, mesmo que a realidade, nua e crua, aponte para o lado contrário?
Diz-se que o voto é a arma do povo. Será. Mas é, também, a capa dos políticos, sob a qual se sentem, depois, legitimados para fazer aquilo que andam a fazer há mais de 30 anos. Disse o senhor presidente da República que ninguém, abstendo-se, tem depois legitimidade para se queixar. Mas de que tem servido a queixa aos que votam e, depois, ficam desempregados, recebem salários e pensões miseráveis, ficam sem acesso à saúde, à educação e assistem, impotentes, ao alastrar da corrupção, ao abandalhamento da Justiça?
Por isso, considero que o voto em branco ou a abstenção são sinais evidentes de protesto, de descontentamento e são votos mais informados, conscientes e lúcidos do que, por exemplo, o voto arregimentado – e não estou a dizer que todos o sejam. Que sentido faz, afinal, um eleitor votar num partido cujas políticas lhe destruíram a vida e, mesmo assim, porque é partido no qual se filiou, ou com o qual simpatiza, lhe dá o voto como o carneiro dá o pescoço à degola? Que sentido tem, milhares de eleitores socialistas criticarem as políticas do PSD, quando o PSD governa, e depois aplaudirem – ou calarem-se – quando as mesmas medidas, ou piores, são postas em prática pelo PS? E vice-versa, claro. O que valem estes votos. Qual o seu conteúdo democrático?
Como deve votar, por exemplo, nas eleições autárquicas, um militante ou simpatizante de um partido qualquer, se o candidato local desse partido se transformou num verbo-de-encher e nada o distingue, pela acções e pelas omissões – pelas práticas, enfim – dos seus pares de outras forças políticas? Se era um pardacento cidadão antes de ser autarca, e é hoje um senhor com um belo património imobiliário, como há por aí vários exemplos?
As questões que aqui deixo – e que isso fique bem claro – não são apelos à abstenção ou ao voto em branco, tal como nunca fiz – nem farei – qualquer apelo ao voto em qualquer força política. Apenas quis deixar claro que não podemos considerar a abstenção ou o voto em branco como tumores malignos da democracia, já que me parecem muito mais conscientes e informados que, por exemplo, o voto de um trabalhador nos partidos que pariram e aprovaram o Código do Trabalho.
Ou não será?
(João Carlos Pereira)
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 17/06/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).
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domingo, 14 de junho de 2009
A INVEJA DE GOEBBELS
Escutava ontem a Mesa-redonda onde era analisado, entre outros temas, a Operação Peter Pan, um dos actos de agressão moral mais repugnantes levados a cabo contra o nosso país. O tema do pátrio poder é extremamente sensível. Foi um golpe baixo e abominável. Num dos romances de Mijaíl Shólojov que li anos depois, é mencionada essa calúnia que já tinha sido usada contra a Revolução de Outubro de 1917.
O artífice da operação contra Cuba foi Monsenhor Walsh, um padre católico norte-americano que respondia ao bispo de Miami.
Decorria o ano 1960 quando a operação começou. Como é conhecido, a nossa Revolução não tinha colocado nenhum obstáculo às saídas do país. Devia ser a obra voluntária de um povo livre. A resposta imperialista, entre outras muitas agressões graves, foi Peter Pan.
Quando Taladrid comentava aquele facto, mencionou o nome de um professor de Economia, Ángel Fernández Varela. Lembrei-me que quando eu estudava no último curso do Liceu no Colégio de Belém, um professor laico dava-nos aulas de uma das disciplinas, Economia Política. Não se tratava, é claro, de um curso de Marxismo-leninismo que foi o tema ideológico utilizado 18 anos depois para nos expulsar da OEA. Eram aulas simples e bastante elementares sobre economia política burguesa. Que outra coisa éramos nós os alunos brancos que ali estudávamos? O professor que as leccionava duas ou três vezes por semana era pontual e ele nunca deixou de comparecer às aulas.
Fiquei surpreendido com o que ouvi na Mesa-redonda. Será por acaso aquele professor?, perguntava-me. Telefonei para Taladrid à procura de dados. Comprovei-o com ele, pois sabia que foi professor do Colégio de Belém. Luís Báez assegura igualmente que eu vi aquele professor em algum lugar de Havana no ano de 1959 e que lhe tinha criticado a sua atitude, mas não lembrava aquele pormenor.
Walsh foi condecorado “post morten” há alguns dias pela sua "proeza" com a Operação Peter Pan. Tinha declarado há anos atrás que recebeu telefonemas para o começo da operação e coordenou tudo com a CIA.
Nos finais de Maio, Álvaro F. Fernández, filho de Fernández Varela, contou na revista digital Progresso Semanal que "… uns anos antes da sua morte em Miami, meu pai reuniu-nos na presença da minha mãe, da minha irmã Maria, o seu esposo e eu, dizendo-nos que tinha sido ele uma das pessoas responsáveis para redigir a falsa Lei que provocou a histeria da 'eliminação do pátrio poder'. Por essa razão é que eu sei, sem dúvidas, que a Operação Peter Pan foi uma sinistra jogada de imoralidade desenhada e sonhada pela CIA antes da invasão de Baía dos Porcos… "
Um agente da CIA enviou o falso projecto de Lei a Havana desde Miami. O próprio Ángel Fernández Varela contou à revista Contraponto que ele tinha trabalhado para a CIA entre 1959 e 1968.
Cada uma das 14 mil crianças envolvidas no drama seguiram o seu traumático caminho. Elas eram provenientes fundamentalmente das camadas médias da população. Não eram filhos dos fazendeiros nem de grandes burgueses, não havia motivos para arrastá-los a esse drama. Naquela altura existia uma embaixada ianque, que outorgava as permissões para a entrada nos Estados Unidos. As que correspondiam às crianças de Peter Pan, enviavam-nas em pacotes que depois se preenchiam em Cuba com os nomes delas. Nenhuma das crianças precisava de ser salva. Ao longo de muitos anos a Revolução tem facilitado a saída de ao redor um milhão de pessoas que na sua maioria foram para os Estados Unidos, o país mais rico que estimula o roubo de cérebros e o espólio de pessoas instruídas e de força de trabalho qualificada.
Os Estados Unidos não estariam em condições de fazer isso com nenhum outro país da América Latina. A quem poderia favorecer a diabólica operação clandestina?
A professora associada de Ciências Políticas da Universidade DePaul, em Chicago, María de los Angeles Torres, que também foi Peter Pan, embora não seja revolucionária, demandou a CIA para que desclassificasse aproximadamente 1.500 documentos sobre a Operação Peter Pan. A CIA recusa desclassificá-los sob o pretexto da segurança nacional. Cheira tão mal o assunto que não querem dar-lhes publicidade.
Apesar dessa negativa, a professora Torres pediu e conseguiu que a Biblioteca Presidencial Lyndon B. Johnson, desse acesso para ela a um documento do governo de Estados Unidos que rejeitava uma proposta do Alto Comissariado da ONU para Refugiados o qual consistia em que a ONU pagaria o transporte dos pais das crianças que tinham sido enviadas para os Estados Unidos. Esse material foi publicado na imprensa desse país há mais de 15 anos.
Peter Pan foi uma manobra de publicidade cínica que teria sido invejada pelo próprio Goebbels, o ministro de propaganda nazista.
O artífice da operação contra Cuba foi Monsenhor Walsh, um padre católico norte-americano que respondia ao bispo de Miami.
Decorria o ano 1960 quando a operação começou. Como é conhecido, a nossa Revolução não tinha colocado nenhum obstáculo às saídas do país. Devia ser a obra voluntária de um povo livre. A resposta imperialista, entre outras muitas agressões graves, foi Peter Pan.
Quando Taladrid comentava aquele facto, mencionou o nome de um professor de Economia, Ángel Fernández Varela. Lembrei-me que quando eu estudava no último curso do Liceu no Colégio de Belém, um professor laico dava-nos aulas de uma das disciplinas, Economia Política. Não se tratava, é claro, de um curso de Marxismo-leninismo que foi o tema ideológico utilizado 18 anos depois para nos expulsar da OEA. Eram aulas simples e bastante elementares sobre economia política burguesa. Que outra coisa éramos nós os alunos brancos que ali estudávamos? O professor que as leccionava duas ou três vezes por semana era pontual e ele nunca deixou de comparecer às aulas.
Fiquei surpreendido com o que ouvi na Mesa-redonda. Será por acaso aquele professor?, perguntava-me. Telefonei para Taladrid à procura de dados. Comprovei-o com ele, pois sabia que foi professor do Colégio de Belém. Luís Báez assegura igualmente que eu vi aquele professor em algum lugar de Havana no ano de 1959 e que lhe tinha criticado a sua atitude, mas não lembrava aquele pormenor.
Walsh foi condecorado “post morten” há alguns dias pela sua "proeza" com a Operação Peter Pan. Tinha declarado há anos atrás que recebeu telefonemas para o começo da operação e coordenou tudo com a CIA.
Nos finais de Maio, Álvaro F. Fernández, filho de Fernández Varela, contou na revista digital Progresso Semanal que "… uns anos antes da sua morte em Miami, meu pai reuniu-nos na presença da minha mãe, da minha irmã Maria, o seu esposo e eu, dizendo-nos que tinha sido ele uma das pessoas responsáveis para redigir a falsa Lei que provocou a histeria da 'eliminação do pátrio poder'. Por essa razão é que eu sei, sem dúvidas, que a Operação Peter Pan foi uma sinistra jogada de imoralidade desenhada e sonhada pela CIA antes da invasão de Baía dos Porcos… "
Um agente da CIA enviou o falso projecto de Lei a Havana desde Miami. O próprio Ángel Fernández Varela contou à revista Contraponto que ele tinha trabalhado para a CIA entre 1959 e 1968.
Cada uma das 14 mil crianças envolvidas no drama seguiram o seu traumático caminho. Elas eram provenientes fundamentalmente das camadas médias da população. Não eram filhos dos fazendeiros nem de grandes burgueses, não havia motivos para arrastá-los a esse drama. Naquela altura existia uma embaixada ianque, que outorgava as permissões para a entrada nos Estados Unidos. As que correspondiam às crianças de Peter Pan, enviavam-nas em pacotes que depois se preenchiam em Cuba com os nomes delas. Nenhuma das crianças precisava de ser salva. Ao longo de muitos anos a Revolução tem facilitado a saída de ao redor um milhão de pessoas que na sua maioria foram para os Estados Unidos, o país mais rico que estimula o roubo de cérebros e o espólio de pessoas instruídas e de força de trabalho qualificada.
Os Estados Unidos não estariam em condições de fazer isso com nenhum outro país da América Latina. A quem poderia favorecer a diabólica operação clandestina?
A professora associada de Ciências Políticas da Universidade DePaul, em Chicago, María de los Angeles Torres, que também foi Peter Pan, embora não seja revolucionária, demandou a CIA para que desclassificasse aproximadamente 1.500 documentos sobre a Operação Peter Pan. A CIA recusa desclassificá-los sob o pretexto da segurança nacional. Cheira tão mal o assunto que não querem dar-lhes publicidade.
Apesar dessa negativa, a professora Torres pediu e conseguiu que a Biblioteca Presidencial Lyndon B. Johnson, desse acesso para ela a um documento do governo de Estados Unidos que rejeitava uma proposta do Alto Comissariado da ONU para Refugiados o qual consistia em que a ONU pagaria o transporte dos pais das crianças que tinham sido enviadas para os Estados Unidos. Esse material foi publicado na imprensa desse país há mais de 15 anos.
Peter Pan foi uma manobra de publicidade cínica que teria sido invejada pelo próprio Goebbels, o ministro de propaganda nazista.
(Fidel Castro Ruz)
quarta-feira, 10 de junho de 2009
OS VAMPIROS E AS RATAZANAS
A senhora diz que está desempregada, coisa que não me espanta, já que mais de 500 mil portugueses também o estão, e mais não sei quantas centenas de milhares vivem de trabalho precário, podendo, por isso, cair no olho da rua em qualquer momento. Nos dias que correm, até se pode dizer que o espantoso é ter emprego. Se quisesse ser mauzinho, diria mesmo que só tenha pena dos desempregados que não votaram PS. Os que votaram, esses, só têm o que pediram.
Mas a senhora não quer que se fale destas coisas, quer conversa fiada com muitos risinhos e piadas, música alegre, para espairecer. Falar de coisas sérias, isso, não. Jamais. A senhora e o seu desemprego dão-se bem assim, estão felizes, portanto os outros que aprendam com ela como se faz. É levar porrada e cara alegre. Haja música e siga o baile, que Sócrates agradece.
A senhora diz que não gosta de ouvir este programa, porque aqui só falamos de coisas sérias, importantes mas desagradáveis, como corrupção e corruptos. Não vale a pena falar disso, diz ela, porque isso da corrupção é coisa que há em todo o lado, da esquerda à direita, portanto, bico calado. Venha mas é mais música do género «eu tenho dois amores…», mais risinhos e gritinhos de alegria bacoca, e toca a andar, que a malta quer é animação à brava. O povo satisfaz-se com pão e circo, no dizer dos Césares de Roma. Ou com futebol, Fátima e fado, como defendia Salazar. E se Salazar não agradece, porque já morreu, agradecem todos os corruptos e vigaristas que por aí andam à solta.
A senhora diz que neste espaço radiofónico se fala só de política, e com muitos tons de esquerda, o que é aborrecido e desagradável. Não cheguei a perceber se a senhora não gosta que se fale de política, simplesmente, ou se não gosta que se fale de política da maneira que aqui se fala. E como não cheguei a perceber, o melhor é não tirar conclusões precipitadas, embora esteja tentado a pensar do que a senhora não gosta é que se destape aqui a podridão em que se espoja a maioria dos políticos. E os políticos, em geral, esses, agradecem-lhe o recadinho.
Ora, eu não sei que idade tem a senhora que emitiu tão respeitáveis opiniões. Por isso, não sei se ela viveu, com idade adulta, os tempos anteriores ao 25 de Abril, isto é, se viveu, com idade de compreensão, no tempo do fascismo. É que, prezada senhora – e digo isto sem qualquer intuito ofensivo – aquilo que diz é da cartilha dos argumentos que a ideologia fascista então produzia, a pontos de nos ser vedado, nesse tempo, falar de política (a não ser, claro, para dizer bem do regime). Mas falar de desemprego, da fome e da miséria existentes e de corrupção, por exemplo, era coisa rigorosamente fora de questão. Era tabu. Dava prisão. Dava, pelo menos, uma visita à PIDE e uns safanões aplicados a tempo, no dizer gracioso do doutor Oliveira Salazar – que era doutor a sério, justiça lhe seja feita, e não licenciado a martelo numa universidade mafiosa e corrupta.
Não sei se é desse tempo, para se lembrar destas coisas, mas eu sou. E como não sei, só lhe posso dar o benefício da dúvida. Mas sempre lhe digo duas coisas, estimada senhora: se tem mais de 50 anos, deve ser uma saudosa do regime fascista, da PIDE, da Censura, da repressão ideológica, das perseguições políticas, dos tribunais plenários, enfim, das grilhetas e das mordaças de então. Se é mais jovem… nesse caso deve ser uma admiradora de Sócrates e uma cúmplice consciente das desgraças que ele por aí tem espalhado – e da corrupção que por aí vai. Isto no caso de não ser as duas coisas ao mesmo tempo, hipótese que não é de desprezar. Mas que na sua conversa há um inegável e bafiento cheirinho a fascismo, disso eu não tenho a mínima dúvida.
Daqui, salto para uma questão que vem a propósito e que, uma vez por outra, tem vindo a lume: a questão partidária. Tenho dito, repetidamente, que as minhas crónicas, disfarçadas de provocações – ou, se preferirem, as minhas provocações, disfarçadas de crónicas – mais não são do que a intervenção cívica de um cidadão preocupado com o país e o mundo em que vive. Nada mais aqui transmito para além dessa minha visão do mundo e da sociedade, concentrando-me, quase sempre, na realidade nacional.
As minhas Provocações são, por isso, fruto exclusivo do meu modo de ver a vida, que já era assim antes do 25 de Abril e, tenho a certeza, será assim enquanto por cá andar. Ou seja: não estou aqui a fazer nenhum frete partidário, mas, em meu nome pessoal, a defender os meus pontos de vista, a apontar, sem medo de desmentido, as pulhices que por aí são praticadas, as mazelas sociais que por todo o lado alastram, as trafulhices que os poderosos praticam, enfim, denunciando as malfeitorias que estão á vista de todos, mas que uns – como a tal senhora – querem calar e esconder, que outros vêm mas, simplesmente, não percebem, e que os trafulhas e malfeitores detestam que se denuncie na praça pública.
Se, por razões de facciosismo partidário, muitos não gostam das verdades que ouvem, tal como a senhora que inspirou a minha conversa de hoje, também há outros que não gostam do que eu não digo, pois desejariam ouvir, da minha boca, o que eu não quero dizer. A uns e outros digo – e repito – que penso pela minha cabeça, vivo com as minhas convicções e gosto de ser livre e corajoso quanto baste – passe a imodéstia – para dizer o que penso sem papas na língua. Mas de uma coisa ninguém ainda me acusou: de ser mentiroso. Nem por aquilo que escrevi enquanto jornalista, nem por aquilo que digo aos microfones da rádio, nem por aquilo que publico no meu blogue. Por isso, a senhora não negou nada do que eu digo, porque nada há para negar, mas – quem sabe, aconselhada por algum conclave partidário – veio pedir gaitadas e trolaró em vez de conversa séria.
Mas desiluda-se a incomodada senhora a quem a verdade tanto irrita. Desiludam-se, também, os fiéis capatazes ou serventes das várias forças políticas, a quem as carapuças que distribuo possam assentar como luvas. Desiludam-se, ainda, os que gostariam de me transformar num megafone ao seu serviço. Desiludam-se todos os que têm a tentação de, como diz a canção, cortar «a raiz ao pensamento». Nem a bem, nem a mal, nem com argumentos fascistas requentados, nem com aliciantes promessas, nem com miseráveis chantagens conseguirão calar-me.
Aqui, enquanto a Rádio Baía quiser.
Em qualquer lado – e em quaisquer circunstâncias – sempre que me sentir impelido a fazê-lo.
Gostem, ou não, os vampiros. Gostem, ou não, as ratazanas a quem mandam chiar os seus recados.
Mas a senhora não quer que se fale destas coisas, quer conversa fiada com muitos risinhos e piadas, música alegre, para espairecer. Falar de coisas sérias, isso, não. Jamais. A senhora e o seu desemprego dão-se bem assim, estão felizes, portanto os outros que aprendam com ela como se faz. É levar porrada e cara alegre. Haja música e siga o baile, que Sócrates agradece.
A senhora diz que não gosta de ouvir este programa, porque aqui só falamos de coisas sérias, importantes mas desagradáveis, como corrupção e corruptos. Não vale a pena falar disso, diz ela, porque isso da corrupção é coisa que há em todo o lado, da esquerda à direita, portanto, bico calado. Venha mas é mais música do género «eu tenho dois amores…», mais risinhos e gritinhos de alegria bacoca, e toca a andar, que a malta quer é animação à brava. O povo satisfaz-se com pão e circo, no dizer dos Césares de Roma. Ou com futebol, Fátima e fado, como defendia Salazar. E se Salazar não agradece, porque já morreu, agradecem todos os corruptos e vigaristas que por aí andam à solta.
A senhora diz que neste espaço radiofónico se fala só de política, e com muitos tons de esquerda, o que é aborrecido e desagradável. Não cheguei a perceber se a senhora não gosta que se fale de política, simplesmente, ou se não gosta que se fale de política da maneira que aqui se fala. E como não cheguei a perceber, o melhor é não tirar conclusões precipitadas, embora esteja tentado a pensar do que a senhora não gosta é que se destape aqui a podridão em que se espoja a maioria dos políticos. E os políticos, em geral, esses, agradecem-lhe o recadinho.
Ora, eu não sei que idade tem a senhora que emitiu tão respeitáveis opiniões. Por isso, não sei se ela viveu, com idade adulta, os tempos anteriores ao 25 de Abril, isto é, se viveu, com idade de compreensão, no tempo do fascismo. É que, prezada senhora – e digo isto sem qualquer intuito ofensivo – aquilo que diz é da cartilha dos argumentos que a ideologia fascista então produzia, a pontos de nos ser vedado, nesse tempo, falar de política (a não ser, claro, para dizer bem do regime). Mas falar de desemprego, da fome e da miséria existentes e de corrupção, por exemplo, era coisa rigorosamente fora de questão. Era tabu. Dava prisão. Dava, pelo menos, uma visita à PIDE e uns safanões aplicados a tempo, no dizer gracioso do doutor Oliveira Salazar – que era doutor a sério, justiça lhe seja feita, e não licenciado a martelo numa universidade mafiosa e corrupta.
Não sei se é desse tempo, para se lembrar destas coisas, mas eu sou. E como não sei, só lhe posso dar o benefício da dúvida. Mas sempre lhe digo duas coisas, estimada senhora: se tem mais de 50 anos, deve ser uma saudosa do regime fascista, da PIDE, da Censura, da repressão ideológica, das perseguições políticas, dos tribunais plenários, enfim, das grilhetas e das mordaças de então. Se é mais jovem… nesse caso deve ser uma admiradora de Sócrates e uma cúmplice consciente das desgraças que ele por aí tem espalhado – e da corrupção que por aí vai. Isto no caso de não ser as duas coisas ao mesmo tempo, hipótese que não é de desprezar. Mas que na sua conversa há um inegável e bafiento cheirinho a fascismo, disso eu não tenho a mínima dúvida.
Daqui, salto para uma questão que vem a propósito e que, uma vez por outra, tem vindo a lume: a questão partidária. Tenho dito, repetidamente, que as minhas crónicas, disfarçadas de provocações – ou, se preferirem, as minhas provocações, disfarçadas de crónicas – mais não são do que a intervenção cívica de um cidadão preocupado com o país e o mundo em que vive. Nada mais aqui transmito para além dessa minha visão do mundo e da sociedade, concentrando-me, quase sempre, na realidade nacional.
As minhas Provocações são, por isso, fruto exclusivo do meu modo de ver a vida, que já era assim antes do 25 de Abril e, tenho a certeza, será assim enquanto por cá andar. Ou seja: não estou aqui a fazer nenhum frete partidário, mas, em meu nome pessoal, a defender os meus pontos de vista, a apontar, sem medo de desmentido, as pulhices que por aí são praticadas, as mazelas sociais que por todo o lado alastram, as trafulhices que os poderosos praticam, enfim, denunciando as malfeitorias que estão á vista de todos, mas que uns – como a tal senhora – querem calar e esconder, que outros vêm mas, simplesmente, não percebem, e que os trafulhas e malfeitores detestam que se denuncie na praça pública.
Se, por razões de facciosismo partidário, muitos não gostam das verdades que ouvem, tal como a senhora que inspirou a minha conversa de hoje, também há outros que não gostam do que eu não digo, pois desejariam ouvir, da minha boca, o que eu não quero dizer. A uns e outros digo – e repito – que penso pela minha cabeça, vivo com as minhas convicções e gosto de ser livre e corajoso quanto baste – passe a imodéstia – para dizer o que penso sem papas na língua. Mas de uma coisa ninguém ainda me acusou: de ser mentiroso. Nem por aquilo que escrevi enquanto jornalista, nem por aquilo que digo aos microfones da rádio, nem por aquilo que publico no meu blogue. Por isso, a senhora não negou nada do que eu digo, porque nada há para negar, mas – quem sabe, aconselhada por algum conclave partidário – veio pedir gaitadas e trolaró em vez de conversa séria.
Mas desiluda-se a incomodada senhora a quem a verdade tanto irrita. Desiludam-se, também, os fiéis capatazes ou serventes das várias forças políticas, a quem as carapuças que distribuo possam assentar como luvas. Desiludam-se, ainda, os que gostariam de me transformar num megafone ao seu serviço. Desiludam-se todos os que têm a tentação de, como diz a canção, cortar «a raiz ao pensamento». Nem a bem, nem a mal, nem com argumentos fascistas requentados, nem com aliciantes promessas, nem com miseráveis chantagens conseguirão calar-me.
Aqui, enquanto a Rádio Baía quiser.
Em qualquer lado – e em quaisquer circunstâncias – sempre que me sentir impelido a fazê-lo.
Gostem, ou não, os vampiros. Gostem, ou não, as ratazanas a quem mandam chiar os seus recados.
(João Carlos Pereira)
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/06/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).
sexta-feira, 5 de junho de 2009
OS CORRUPTOS
- Histórias feias de uma democracia emporcalhada
Mário Crespo escreveu há dias, a propósito da nova lei do financiamento partidário, um artigo intitulado «Não é a crise que nos destrói. É o dinheiro», do qual não resisto a salientar as seguintes passagens:
«Nada no mundo me faria revelar o nome de quem relatou este episódio. É oportuno divulgá-lo agora, porque o parlamento abriu as comportas do dinheiro vivo para o financiamento dos partidos. O que vou descrever foi-me contado na primeira pessoa. Passou-se na década de oitenta. Estando a haver grande dificuldade na aprovação de um projecto, foi sugerido a uma empresária que um donativo partidário resolveria a situação. O que a surpreendeu foi a frontalidade da proposta e o montante pedido. Ela tinha tentado mover influências entre os seus conhecimentos para desbloquear uma tramitação emperrada num labirinto burocrático, e foi-lhe dito, sem rodeios, que se desse um donativo de cem mil contos "ao partido", o projecto seria aprovado. O proponente desta troca de favores tinha enorme influência na vida nacional. Seguiu-se uma fase de regateio, que durou alguns dias. Sem avançar nenhuma contraproposta, a empresária disse que por esse dinheiro o projecto deixaria de ser rentável e ela seria forçada a desistir. Aí, o montante exigido começou a baixar muito rapidamente. Chegou aos quinze mil contos, com uma irritada referência de que era "pegar ou largar". Para apressar as coisas e numa manifestação de poder, nas últimas fases da negociação o político facilitador surpreendeu novamente a empresária, trazendo consigo aos encontros um colega de partido, pessoa muito conhecida e bem colocada no aparelho do Estado. Este segundo elemento mostrou estar a par de tudo. Acertado o preço, foram dadas à empresária instruções muito específicas. O donativo para o partido seria feito em dinheiro vivo, com os quinze mil contos em notas de mil escudos, divididos em três lotes de cinco mil. Tudo numa pasta. A entrega foi feita dentro do carro da empresária. Um dos políticos estava sentado no banco do passageiro, o outro no banco de trás. O da frente recebeu a pasta, abriu-a, tirou um dos maços de cinco mil contos e passou-a para trás, dizendo que cinco mil seriam para cada um deles e cinco mil seriam entregues ao partido. O projecto foi aprovado nessa semana. Cumpria-se a velha tradição de extorsão que se tornou norma em Portugal e que nesses idos de oitenta abrangia todo o aparelho de Estado.
Rui Mateus no seu livro, Memórias de um PS desconhecido (D. Quixote 1996), descreve extensivamente os mecanismos de financiamento partidário, incluindo o uso de contas em off shore (por exemplo na Compagnie Financière Espírito Santo da Suíça - pags. 276, 277) para onde eram remetidas avultadas entregas em dinheiro vivo. Estamos portanto face a uma cultura de impunidade que se entranhou na nossa vida pública e que o aparelho político não está interessado em extirpar».
Se alguém julga impossível esta história, imaginando-a patranha de um jornalista pouco sério, posso assegurar-vos que, para mim, ela não traz nada de novo. Há anos, um querido amigo, já falecido, quadro superior numa grande empresa de obras públicas, foi encarregado de encontrar local onde pudessem ser despejadas as terras provenientes de um grande empreendimento que estava a ser realizado em Lisboa pela sua empresa. Contactados vários municípios dos arredores da capital, logo se prontificou o presidente de um deles a receber as terras, mas exigindo um donativo de 10 mil contos para, alegadamente, ser construída uma sede do seu partido. Face à situação, a empresa aceitou a exigência, e o valor foi pago em dinheiro vivo, em duas tranches de 5 mil contos, sendo a primeira entregue pelo meu amigo a um assessor do presidente da autarquia, e a segunda entregue ao mesmo cavalheiro por um administrador da empresa.
Noutra ocasião, um conhecido empreiteiro da península de Setúbal confidenciou-me que estava com sérias dificuldades para conseguir a aprovação de um projecto de urbanização, apesar de ter entregue a sua execução a um gabinete de arquitectura sugerido por um alto quadro dos serviços de urbanismo da câmara local, que lhe garantiu que isso iria «facilitar a aprovação». Devo acrescentar que esse gabinete de arquitectura pertencera ao referido técnico camarário, do qual aparentemente se desvinculara para evitar especulações.
As coisas começaram a azedar quando o tal gabinete de arquitectura informou que o pagamento da execução do projecto seria feito metade em dinheiro, passando o respectivo recibo, e a outra metade com a cedência de um lote, sem qualquer recibo. Em contrapartida, seria permitido o aumento da área de construção, através da elevação de mais um piso, ao que equivalia mais uma assoalhada, do tipo estúdio, por inquilino.
Mas o pior foi quando lhe disseram que tudo ainda estaria condicionado ao aumento da área de cedência à câmara, pois o terreno era insuficiente para a construção pretendida. Aí, milagrosamente, a própria autarquia encontrou a devida solução. Mesmo ao lado, confinando com a urbanização do empreiteiro, estava um terreno, por acaso da família de um senhor vereador, que dispunha de terreno a mais. Feitos os contactos, ficou a saber-se que o negócio podia ser feito, mas com a condição de o terreno ser transaccionado por 100 mil contos, dos quais só se passaria, no entanto, um recibo de 50 mil.
Com o investimento feito, só restava ao empreiteiro aceitar, e de bico calado, pois a alternativa era o prejuízo total, com o terreno às moscas. Devo acrescentar que, na minha santa inocência, lhe perguntei se me autorizava a denunciar a situação no jornal Outra Banda, que então dirigia, mas pediu-me, por todos os anjinhos, que não o fizesse, pois se isso acontecesse nunca mais teria um projecto aprovado no concelho em causa.
Calei-me, na altura, por não ter o direito de agir contra a vontade de quem confiara em mim e, num desabafo, lamentara o lodaçal onde se tinha deixado atascar. Mas, falando em termos gerais, contei no local próprio e à frente das pessoas certas, uma estranha história que tinha ouvido algures. E querem saber uma coisa? Em duas semanas o projecto estava aprovado!
Há dias, uma ouvinte avisou-me para os perigos do que digo a estes microfones, pedindo-me para ter cuidado. Estranho aviso. Fez-me recordar os tempos de antigamente, quando os amigos ou a família avisavam para a necessidade de não erguer a voz, de calar a revolta, de não tocar no sistema instalado. Essa ouvinte, que estimo muito, avivou-me, na memória, os ecos de então. Percebo-a, agradeço-lhe, mas não lhe vou obedecer. As histórias verídicas que hoje aqui contei, sem pormenores, têm nomes, caras, datas, documentos, testemunhas. São histórias sujas de uma democracia porca – porque foi emporcalhada por senhores de colarinho branco – transformada num regime sem moral, sem valores, sem vergonha.
Um dia, quando for oportuno, as contarei – estas e outras – sem hesitar. Para resgatar Abril e as suas esperanças. Porque no 25 de Abril que vivi há mais de 34 anos, não cabia gente desta. Nem no mais negro dos sonhos.
E se eu não estiver cá para as contar – seja lá porque motivos forem – alguém as contará por mim. E, com toda a certeza, melhor do que eu.
Mário Crespo escreveu há dias, a propósito da nova lei do financiamento partidário, um artigo intitulado «Não é a crise que nos destrói. É o dinheiro», do qual não resisto a salientar as seguintes passagens:
«Nada no mundo me faria revelar o nome de quem relatou este episódio. É oportuno divulgá-lo agora, porque o parlamento abriu as comportas do dinheiro vivo para o financiamento dos partidos. O que vou descrever foi-me contado na primeira pessoa. Passou-se na década de oitenta. Estando a haver grande dificuldade na aprovação de um projecto, foi sugerido a uma empresária que um donativo partidário resolveria a situação. O que a surpreendeu foi a frontalidade da proposta e o montante pedido. Ela tinha tentado mover influências entre os seus conhecimentos para desbloquear uma tramitação emperrada num labirinto burocrático, e foi-lhe dito, sem rodeios, que se desse um donativo de cem mil contos "ao partido", o projecto seria aprovado. O proponente desta troca de favores tinha enorme influência na vida nacional. Seguiu-se uma fase de regateio, que durou alguns dias. Sem avançar nenhuma contraproposta, a empresária disse que por esse dinheiro o projecto deixaria de ser rentável e ela seria forçada a desistir. Aí, o montante exigido começou a baixar muito rapidamente. Chegou aos quinze mil contos, com uma irritada referência de que era "pegar ou largar". Para apressar as coisas e numa manifestação de poder, nas últimas fases da negociação o político facilitador surpreendeu novamente a empresária, trazendo consigo aos encontros um colega de partido, pessoa muito conhecida e bem colocada no aparelho do Estado. Este segundo elemento mostrou estar a par de tudo. Acertado o preço, foram dadas à empresária instruções muito específicas. O donativo para o partido seria feito em dinheiro vivo, com os quinze mil contos em notas de mil escudos, divididos em três lotes de cinco mil. Tudo numa pasta. A entrega foi feita dentro do carro da empresária. Um dos políticos estava sentado no banco do passageiro, o outro no banco de trás. O da frente recebeu a pasta, abriu-a, tirou um dos maços de cinco mil contos e passou-a para trás, dizendo que cinco mil seriam para cada um deles e cinco mil seriam entregues ao partido. O projecto foi aprovado nessa semana. Cumpria-se a velha tradição de extorsão que se tornou norma em Portugal e que nesses idos de oitenta abrangia todo o aparelho de Estado.
Rui Mateus no seu livro, Memórias de um PS desconhecido (D. Quixote 1996), descreve extensivamente os mecanismos de financiamento partidário, incluindo o uso de contas em off shore (por exemplo na Compagnie Financière Espírito Santo da Suíça - pags. 276, 277) para onde eram remetidas avultadas entregas em dinheiro vivo. Estamos portanto face a uma cultura de impunidade que se entranhou na nossa vida pública e que o aparelho político não está interessado em extirpar».
Se alguém julga impossível esta história, imaginando-a patranha de um jornalista pouco sério, posso assegurar-vos que, para mim, ela não traz nada de novo. Há anos, um querido amigo, já falecido, quadro superior numa grande empresa de obras públicas, foi encarregado de encontrar local onde pudessem ser despejadas as terras provenientes de um grande empreendimento que estava a ser realizado em Lisboa pela sua empresa. Contactados vários municípios dos arredores da capital, logo se prontificou o presidente de um deles a receber as terras, mas exigindo um donativo de 10 mil contos para, alegadamente, ser construída uma sede do seu partido. Face à situação, a empresa aceitou a exigência, e o valor foi pago em dinheiro vivo, em duas tranches de 5 mil contos, sendo a primeira entregue pelo meu amigo a um assessor do presidente da autarquia, e a segunda entregue ao mesmo cavalheiro por um administrador da empresa.
Noutra ocasião, um conhecido empreiteiro da península de Setúbal confidenciou-me que estava com sérias dificuldades para conseguir a aprovação de um projecto de urbanização, apesar de ter entregue a sua execução a um gabinete de arquitectura sugerido por um alto quadro dos serviços de urbanismo da câmara local, que lhe garantiu que isso iria «facilitar a aprovação». Devo acrescentar que esse gabinete de arquitectura pertencera ao referido técnico camarário, do qual aparentemente se desvinculara para evitar especulações.
As coisas começaram a azedar quando o tal gabinete de arquitectura informou que o pagamento da execução do projecto seria feito metade em dinheiro, passando o respectivo recibo, e a outra metade com a cedência de um lote, sem qualquer recibo. Em contrapartida, seria permitido o aumento da área de construção, através da elevação de mais um piso, ao que equivalia mais uma assoalhada, do tipo estúdio, por inquilino.
Mas o pior foi quando lhe disseram que tudo ainda estaria condicionado ao aumento da área de cedência à câmara, pois o terreno era insuficiente para a construção pretendida. Aí, milagrosamente, a própria autarquia encontrou a devida solução. Mesmo ao lado, confinando com a urbanização do empreiteiro, estava um terreno, por acaso da família de um senhor vereador, que dispunha de terreno a mais. Feitos os contactos, ficou a saber-se que o negócio podia ser feito, mas com a condição de o terreno ser transaccionado por 100 mil contos, dos quais só se passaria, no entanto, um recibo de 50 mil.
Com o investimento feito, só restava ao empreiteiro aceitar, e de bico calado, pois a alternativa era o prejuízo total, com o terreno às moscas. Devo acrescentar que, na minha santa inocência, lhe perguntei se me autorizava a denunciar a situação no jornal Outra Banda, que então dirigia, mas pediu-me, por todos os anjinhos, que não o fizesse, pois se isso acontecesse nunca mais teria um projecto aprovado no concelho em causa.
Calei-me, na altura, por não ter o direito de agir contra a vontade de quem confiara em mim e, num desabafo, lamentara o lodaçal onde se tinha deixado atascar. Mas, falando em termos gerais, contei no local próprio e à frente das pessoas certas, uma estranha história que tinha ouvido algures. E querem saber uma coisa? Em duas semanas o projecto estava aprovado!
Há dias, uma ouvinte avisou-me para os perigos do que digo a estes microfones, pedindo-me para ter cuidado. Estranho aviso. Fez-me recordar os tempos de antigamente, quando os amigos ou a família avisavam para a necessidade de não erguer a voz, de calar a revolta, de não tocar no sistema instalado. Essa ouvinte, que estimo muito, avivou-me, na memória, os ecos de então. Percebo-a, agradeço-lhe, mas não lhe vou obedecer. As histórias verídicas que hoje aqui contei, sem pormenores, têm nomes, caras, datas, documentos, testemunhas. São histórias sujas de uma democracia porca – porque foi emporcalhada por senhores de colarinho branco – transformada num regime sem moral, sem valores, sem vergonha.
Um dia, quando for oportuno, as contarei – estas e outras – sem hesitar. Para resgatar Abril e as suas esperanças. Porque no 25 de Abril que vivi há mais de 34 anos, não cabia gente desta. Nem no mais negro dos sonhos.
E se eu não estiver cá para as contar – seja lá porque motivos forem – alguém as contará por mim. E, com toda a certeza, melhor do que eu.
(João Carlos Pereira)
Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 03/06/2009.
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