quarta-feira, 10 de junho de 2009

OS VAMPIROS E AS RATAZANAS

A senhora diz que está desempregada, coisa que não me espanta, já que mais de 500 mil portugueses também o estão, e mais não sei quantas centenas de milhares vivem de trabalho precário, podendo, por isso, cair no olho da rua em qualquer momento. Nos dias que correm, até se pode dizer que o espantoso é ter emprego. Se quisesse ser mauzinho, diria mesmo que só tenha pena dos desempregados que não votaram PS. Os que votaram, esses, só têm o que pediram.

Mas a senhora não quer que se fale destas coisas, quer conversa fiada com muitos risinhos e piadas, música alegre, para espairecer. Falar de coisas sérias, isso, não. Jamais. A senhora e o seu desemprego dão-se bem assim, estão felizes, portanto os outros que aprendam com ela como se faz. É levar porrada e cara alegre. Haja música e siga o baile, que Sócrates agradece.

A senhora diz que não gosta de ouvir este programa, porque aqui só falamos de coisas sérias, importantes mas desagradáveis, como corrupção e corruptos. Não vale a pena falar disso, diz ela, porque isso da corrupção é coisa que há em todo o lado, da esquerda à direita, portanto, bico calado. Venha mas é mais música do género «eu tenho dois amores…», mais risinhos e gritinhos de alegria bacoca, e toca a andar, que a malta quer é animação à brava. O povo satisfaz-se com pão e circo, no dizer dos Césares de Roma. Ou com futebol, Fátima e fado, como defendia Salazar. E se Salazar não agradece, porque já morreu, agradecem todos os corruptos e vigaristas que por aí andam à solta.

A senhora diz que neste espaço radiofónico se fala só de política, e com muitos tons de esquerda, o que é aborrecido e desagradável. Não cheguei a perceber se a senhora não gosta que se fale de política, simplesmente, ou se não gosta que se fale de política da maneira que aqui se fala. E como não cheguei a perceber, o melhor é não tirar conclusões precipitadas, embora esteja tentado a pensar do que a senhora não gosta é que se destape aqui a podridão em que se espoja a maioria dos políticos. E os políticos, em geral, esses, agradecem-lhe o recadinho.

Ora, eu não sei que idade tem a senhora que emitiu tão respeitáveis opiniões. Por isso, não sei se ela viveu, com idade adulta, os tempos anteriores ao 25 de Abril, isto é, se viveu, com idade de compreensão, no tempo do fascismo. É que, prezada senhora – e digo isto sem qualquer intuito ofensivo – aquilo que diz é da cartilha dos argumentos que a ideologia fascista então produzia, a pontos de nos ser vedado, nesse tempo, falar de política (a não ser, claro, para dizer bem do regime). Mas falar de desemprego, da fome e da miséria existentes e de corrupção, por exemplo, era coisa rigorosamente fora de questão. Era tabu. Dava prisão. Dava, pelo menos, uma visita à PIDE e uns safanões aplicados a tempo, no dizer gracioso do doutor Oliveira Salazar – que era doutor a sério, justiça lhe seja feita, e não licenciado a martelo numa universidade mafiosa e corrupta.

Não sei se é desse tempo, para se lembrar destas coisas, mas eu sou. E como não sei, só lhe posso dar o benefício da dúvida. Mas sempre lhe digo duas coisas, estimada senhora: se tem mais de 50 anos, deve ser uma saudosa do regime fascista, da PIDE, da Censura, da repressão ideológica, das perseguições políticas, dos tribunais plenários, enfim, das grilhetas e das mordaças de então. Se é mais jovem… nesse caso deve ser uma admiradora de Sócrates e uma cúmplice consciente das desgraças que ele por aí tem espalhado – e da corrupção que por aí vai. Isto no caso de não ser as duas coisas ao mesmo tempo, hipótese que não é de desprezar. Mas que na sua conversa há um inegável e bafiento cheirinho a fascismo, disso eu não tenho a mínima dúvida.

Daqui, salto para uma questão que vem a propósito e que, uma vez por outra, tem vindo a lume: a questão partidária. Tenho dito, repetidamente, que as minhas crónicas, disfarçadas de provocações – ou, se preferirem, as minhas provocações, disfarçadas de crónicas – mais não são do que a intervenção cívica de um cidadão preocupado com o país e o mundo em que vive. Nada mais aqui transmito para além dessa minha visão do mundo e da sociedade, concentrando-me, quase sempre, na realidade nacional.

As minhas Provocações são, por isso, fruto exclusivo do meu modo de ver a vida, que já era assim antes do 25 de Abril e, tenho a certeza, será assim enquanto por cá andar. Ou seja: não estou aqui a fazer nenhum frete partidário, mas, em meu nome pessoal, a defender os meus pontos de vista, a apontar, sem medo de desmentido, as pulhices que por aí são praticadas, as mazelas sociais que por todo o lado alastram, as trafulhices que os poderosos praticam, enfim, denunciando as malfeitorias que estão á vista de todos, mas que uns – como a tal senhora – querem calar e esconder, que outros vêm mas, simplesmente, não percebem, e que os trafulhas e malfeitores detestam que se denuncie na praça pública.

Se, por razões de facciosismo partidário, muitos não gostam das verdades que ouvem, tal como a senhora que inspirou a minha conversa de hoje, também há outros que não gostam do que eu não digo, pois desejariam ouvir, da minha boca, o que eu não quero dizer. A uns e outros digo – e repito – que penso pela minha cabeça, vivo com as minhas convicções e gosto de ser livre e corajoso quanto baste – passe a imodéstia – para dizer o que penso sem papas na língua. Mas de uma coisa ninguém ainda me acusou: de ser mentiroso. Nem por aquilo que escrevi enquanto jornalista, nem por aquilo que digo aos microfones da rádio, nem por aquilo que publico no meu blogue. Por isso, a senhora não negou nada do que eu digo, porque nada há para negar, mas – quem sabe, aconselhada por algum conclave partidário – veio pedir gaitadas e trolaró em vez de conversa séria.

Mas desiluda-se a incomodada senhora a quem a verdade tanto irrita. Desiludam-se, também, os fiéis capatazes ou serventes das várias forças políticas, a quem as carapuças que distribuo possam assentar como luvas. Desiludam-se, ainda, os que gostariam de me transformar num megafone ao seu serviço. Desiludam-se todos os que têm a tentação de, como diz a canção, cortar «a raiz ao pensamento». Nem a bem, nem a mal, nem com argumentos fascistas requentados, nem com aliciantes promessas, nem com miseráveis chantagens conseguirão calar-me.

Aqui, enquanto a Rádio Baía quiser.

Em qualquer lado – e em quaisquer circunstâncias – sempre que me sentir impelido a fazê-lo.

Gostem, ou não, os vampiros. Gostem, ou não, as ratazanas a quem mandam chiar os seus recados.

(João Carlos Pereira)


Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 10/06/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

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