quarta-feira, 15 de julho de 2009

DE MADOFF E DOS MADOFFEZINHOS

Um norte-americano chamado Bernard Madoff, autor de uma gigantesca fraude financeira, foi detido e julgado em poucos meses. Cumpriria 150 anos de prisão efectiva, se a tanto lhe chegasse a vida. Não chega. Mas vai passar os anos que lhe restam atrás das grades. Consta que ao recusar recorrer da sentença, Madoff explicou que não valeria a pena, pois o recurso não seria apreciado em Portugal, onde os vários Madoffezinhos cantam de galo, e mesmo o que está detido vai ser posto em liberdade brevemente, já que o xadrez é apenas para arraia-miúda.

Por cá, realmente, mandam os padrinhos instalados na classe política e nos gabinetes do grande capital financeiro. Até um senhor chamado Vítor Constâncio, que deveria ter percebido as fraudes de muitos milhões de euros, há vários anos em curso em três bancos nacionais – o BCP, o BPP e o BPN – nada viu, nada ouviu e nada percebeu do que se estava a passar. Arrogante, e com as costas quentes pela rapaziada socialista, insultou deputados que o inquiriam, mas viu, como já se esperava, o inquérito parlamentar à sua incompetência – pelo menos… – dar em águas de bacalhau. Se a maioria socialista não servir para ajudar os camaradas – especialmente aqueles que a ajudam – então serve para quê? Resumindo: somos o paraíso dos ladrões de colarinho branco, dos corruptos e dos incompetentes. Condição essencial: estar bem encostado partidariamente.

Mesmo a propósito: o juiz Carlos Alexandre, responsável pelos mais quentes e mediáticos processos em curso – que vão do caso BPN ao gang do Multibanco, e que tem à sua guarda matéria incriminatória e probatória da casos como a Operação Furacão e o escaldante processo Freeport – tem o seu gabinete exposto aos olhares de quem passa no novíssimo Parque da Justiça. Isto é: o juiz trabalha numa bela montra, de vidro amplo, ao alcance dos olhares inocentes do mais pacato cidadão, mas também da objectiva oportuna de um fotógrafo. Ou, eventualmente, de alguém disposto a qualquer coisa menos pacífica. Da pedra, ao míssil. Quem colocou ali o juiz? E com que objectivos? Foi apenas alguém muito estúpido? Ou foi alguém, apenas, muito inteligente. Face a situação tão aberrante, posso pensar o que quiser.

Continuando na área da Justiça, a mulher que matou o filho recém-nascido, sufocando-o e escondendo o corpo numa arca congeladora, está em liberdade. Foi condenada com pena suspensa, devido a sofrer de perturbações mentais. É uma boa decisão, se pensarmos que matar um filho antes de nascer, mesmo que a mulher esteja de perfeita saúde física e mental, deixou de ser crime. Deixou mesmo de ser condenável. Passou a ser um direito. Felizmente, estamos a sair da barbárie nalguma coisa.

Também na Saúde as coisas vão de vento em popa. Mais de 300 doentes oncológicos morreram antes de serem submetidos à operação de que estavam à espera. Há que gerir orçamentos e, bem vistas as coisas, doentes destes já nada podem dar aos banqueiros, aos orçamentos do Estado e ao aparelho produtivo, no seu geral. Para além de que, morrendo, poupa-se nos tratamentos e nas pensões. E ainda há quem diga que o governo é incompetente…

Continuemos na Saúde. Uma ouvinte nossa, daquelas que, por timidez, nunca entram em linha, contou-me o seguinte. Tem 67 anos de idade e é pensionista por invalidez, auferindo uma pensão de 299,49 euros. Tem várias doenças, próprias da idade e de uma vida bem sofrida, pelo que parte da sua pensão fica na farmácia. Recentemente, o seu médico receitou-lhe um medicamento, chamado Idecortex, destinado a tratar as sequelas de enfarte, hemorragia ou arteriosclerose cerebrais. Acontece que este medicamento, à semelhança de um número cada vez maior de muitos outros, não é comparticipado, pelo que esta vítima de Sócrates e comandita pagou 43,94 euros (15% da sua pensão) pela embalagem. Não sei se existe no mercado outro medicamento, comparticipado, para os mesmos fins. Sei – isso sim – é que se o médico lhe receitou este medicamento é porque, no seu entender, ele é necessário para a saúde da doente. Não se trata de um produto de higiene, beleza, ou para fins supérfluos. Não se trata de um medicamento ou tratamento para reduzir ou aumentar os seios ou as nádegas, para eliminar a celulite, tirar rugas ou adelgaçar as coxas. Então, se o médico entendeu que este era o fármaco indicado para aquela doente e para as suas maleitas, porque não o comparticipa o Estado? Ou será que a sacrossanta liberdade de escolha, a santíssima concorrência e outras virtudes da economia de mercado não são de aplicação geral?

Falando em concorrência. A famosa Autoridade da Concorrência multou onze empresas de moagem por praticarem aumentos concertados nos preços das farinhas. Isto é: por cartelização. Nada a apontar, pelo contrário. Mas deixem-me fazer uma pergunta parva: será mais fácil de provar a prática de cartelização nas moageiras do que, por exemplo, nas petrolíferas? Deve ser. E das duas três: ou as moageiras não a sabem fazer; ou as petrolíferas são especialistas na matéria; ou a Autoridade da Concorrência só vê pelo olho que mais lhe convém. Uma coisa é certa: a marosca das moageiras rendeu, em multas, 9 milhões de euros ao Estado. E valeu aos portugueses pagarem o pão mais caro 30%. Feitas as contas, lá ficou o mexilhão, como sempre, com o rabo em brasa.

E assim vamos vivendo, num mar de rosas. E não se diga que o governo não se pauta por elevados princípios de transparência e virtude democrática. Pode ser uma virtude súbita, mas não deixa de ser virtude. Sócrates – lui-même – (perdoem-me o galicismo, mas hoje, como já perceberam, estou a tentar ser muito punhos de renda) decretou, com o poder próprio de qualquer Rei-Sol, que no PS não serão permitidas duplas candidaturas nas eleições que aí vêm. Isto é: quem for candidato às autárquicas não pode concorrer às legislativas. Fiquei desvanecido. E deliciado com o estrebuchar de alguns boys e girls, que já esfregavam as mãos na expectativa de dois tachitos. Mas lá vieram as más-línguas bramir que o «engenheiro» só mudou de prática depois do cartão laranja das Europeias. Que antes não pensava assim. E até lhe chamam hipócrita, coitadinho. Enfim, já não se pode tomar uma medida certa, mesmo que serôdia, de vez em quando…

Falando de dignificação da vida política, nada melhor para o efeito do que o habitual repasto de Pinto da Costa, impoluto e respeitável dirigente desportivo, com deputados da nação, na própria Assembleia da República. Tratando-se de pessoa de imaculado cadastro, de acção sempre pautada pela virtude e pelos mais elevados padrões do decoro e da decência – recorde-se, a propósito, a sua edificante vida privada – compreende-se que os senhores deputados queiram, através desta iniciativa, mostrar ao país e aos portugueses quem personifica os valores que os regem. Valores dos quais, aliás, eu nunca duvidei.

Para terminar. As televisões têm, agora, repórteres permanentes em Madrid, para nos servirem Cristiano Ronaldo ao pequeno-almoço, ao almoço, ao lanche e ao jantar. E, também, fora das refeições.

Ah! É verdade! Falta a gripe H1N1. Compre máscaras e as pílulas que aí vêm. Não morra da gripe. Se for doente oncológico, aí sim, morra à vontade. Depois, chamam-no para a operação…

(João Carlos Pereira)

Lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 15/07/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

6 comentários:

Anónimo disse...

Então, senhor provocador! Só provoca ao centro e à direita? Não há pecados à esquerda? Não chega nada aos seus ouvidos apurados? Não conhece ninguém que tenha enriquecido à conta do tal «trabalho, honestidade e competência»? E nem precisa de ir procurar muito longe. Ou tem medo que digam que, face aos factos, afinal são todos iguais?

Aprecio a sua coragem. É pena que seja só meia coragem.

Anónimo disse...

É realmente pena que a coragem deste provodador fique só pela metade.
No seixal também existem Madoffes que fazem negócios que hipotecam a Câmara para os próximos 25 anos.

Anónimo disse...

E não só. Esperem pela pancada. Mesquitas Machados há vários, de variados tamanhos, cores e paladares. Mais tarde ou mais cedo, lá estão eles a contas com senhora da venda e da balança. Até ficam brancos...

Anónimo disse...

Se os processos forem entregues à Procuradora amiga, fica tudo em águas de bacalhau.
A Bem da Nação (socialista)

Anónimo disse...

Há rabos de palha por todo o lado. Esperem para ver.

Anónimo disse...

"Neste sítio um ministro pode ir para a rua por um par de cornos infantis ou por uma piada de mau gosto. As roubalheiras, os negócios escuros, os compadrios, a corrupção a céu aberto e o tráfico de influências, não só são tolerados como premiados nas urnas".

António Ribeiro Ferreira, jornalista, "Correio da Manhã", 20-07-2009