quarta-feira, 23 de setembro de 2009

PEQUENA LIÇÃO DE VOTO

No próximo domingo, finalmente, Portugal vai a votos. Passada a agitação da campanha, onde todos os candidatos são os melhores políticos do mundo e apresentam ao povo as receitas infalíveis que salvarão a Pátria do atoleiro para onde a maior parte deles a meteu, seguir-se-á a euforia dos vitoriosos, a alquimia da transformação, pelos vencidos, das derrotas em vitórias e, naturalmente, a análise, pelos especialistas do costume, do futuro político imediato do país. Mais lá para a frente, discutir-se-á a formação do novo governo e as caras dos figurões que, saltando dos seus tachos actuais, vêm preparar os tachos que abocanharão quando, daqui a uns tempos, deixarem as funções.

De tudo o que se passou nas últimas semanas, ficarão cinzas que os ventos outonais levarão. Daqui a meses, os que votaram nos que tiveram mais votos, se já estavam desempregados, desempregados continuarão. Se estavam a prazo lá no empregozinho, a prazo continuarão, se não tiverem ido já para o olho da rua. Se já não podiam pagar a casa e o carro, em breve ficarão sem uma coisa e outra. Mas andarão felizes da vida, porque votaram em quem ganhou. «Ganhámos!», pensarão os idiotas. Outros, como sempre fazem, dirão que nunca mais se deixarão enganar, mas, quatro anos depois, lá voltam a dar a mesma cabeçada. Ou parecida.

Quero eu dizer que, daqui a dois ou três meses, todos estarão esquecidos das promessas eleitorais e das razões porque votaram assim ou assado, e lá andarão eles na vidinha triste de contar os dias que faltam para o fim do mês, num estado perfeitamente vegetativo, nem as orelhas mexendo para sacudir as moscas, como até o mais indolente dos jumentos sabe fazer.

Estou a falar, é claro, na presunção de que o PS ou o PSD ganhem as eleições, com ou sem maioria absoluta, e a esquerda não tenha uma votação que, pela sua grande expressão, seja um sintoma claro de insatisfação popular e possa pôr em sentido os que se querem estabelecer como donos do regime. Também a abstenção e os votos em branco, se forem significativos, poderão representar um forte estremeção na lógica perversa que nos pretende fazer crer que só pelo voto é que isto lá vai. Como as coisas estão, o voto é sempre mais útil a quem o pede do que a quem o dá, pois confere autoridade democrática aos aldrabões que o recebem. Podem aldrabar mais à vontade. Com os milhões de votantes a ver navios.

Verdade seja dita, os únicos que, nos últimos trinta e três anos, têm ganho bastante com a maneira como os portugueses votaram, foram os Belmiros, os Amorins, os Espíritos Santos, os banqueiros em geral e as legiões de boys e girls que, agarradas como lapas aos partidos do poder, sacam o que podem até o poder mudar de mãos. E, naturalmente, os eleitos pelos aparelhos partidários, que pulam dos poisos políticos para os poisos empresariais, as duas faces de uma moeda chamada democracia capitalista. Ou burguesa. Sem esquecer que, pelo meio, embolsam reformas devidas por tanto sacrifício…

Não preciso de vos dizer que, naturalmente, irei votar. Mas não vos direi em que força o farei, porque isso significaria um claro apelo ao voto e, consequentemente, um abuso do privilégio que tenho de aqui poder estar para, como cidadão, falar das minhas preocupações sociais. Não estou aqui em nome de nenhuma força partidária, mas na condição de homem livre que vive e pensa de acordo com os seus ideais.

E deixem-me que vos diga que, sem querer ser exemplo para ninguém, se todos os portugueses pusessem, antes das suas simpatias ou antipatias partidárias, aquilo que são os seus interesses e direitos enquanto elementos integrantes da sociedade – e onde deveriam ser quem mais ordena – nunca certos senhores e senhoras teriam alguma vez deitado mãos às redes do poder político, fosse a nível nacional, fosse a nível local.

E falo nisto porque, como já tenho dito, os tempos que correm obrigam-nos a pesar dois factores para podermos decidir como votar de acordo com o que nos interessa, e não como interessa a quem nos pede o voto.

Esses dois factores são: o factor político, isto é, qual é o modelo de sociedade que resultará das ideias dos candidatos, ajudando muito, para esta análise, aquilo que fizeram anteriormente, caso já tenham detido o poder; e o factor pessoal, ou seja, o seu carácter e o seu temperamento. A sua personalidade, em suma.

Para mim, é impensável votar num político que defenda um modelo de sociedade onde seja o poder económico a condicionar a vida dos cidadãos. Isto é: uma política que coloque a população ao serviço dos interesses económicos, em vez de colocar a economia ao serviço dos cidadãos, conduz ao que temos vindo a sofrer ao longo das últimas três décadas, como sofrêramos já durante o fascismo. Conduz às desigualdades sociais, ao desemprego, ao trabalho precário, aos baixos salários e reformas, a uma política de Saúde de «fecha a porta», a uma política de Educação embrutecedora, ao inquinamento da Justiça, designadamente à impunidade dos crimes e criminosos de colarinho branco, ao consequente aumento da criminalidade, em geral, à corrupção a todos os níveis, à falta de valores éticos. Em resumo, à desmoralização colectiva, propícia a todo o tipo de desmandos e, finalmente, à total decadência.

Veja-se o que aconteceu com a recente crise financeira, quando se fez recair sobre os trabalhadores de todo o mundo as consequências dos desmandos e desbragamento dos grandes capitalistas, que, apesar disso, mantiveram as suas fortunas pessoais e já voltaram aos andares do topo do poder económico – salvo o caso do vigarista freelancer, senhor Madoff, a quem se deixou durante anos encher a arca, mas que nunca fez parte da elite financeira de um sistema que faz praticamente o mesmo que ele fez, mas de costas bem quentes pelo poder político.

Mas, para mim, não basta um político defender – ou dizer que defende – altos valores sociais, proclamando-se «socialista» e de esquerda, como até Sócrates, para nos fazer rir um pouco, diz que é. É preciso que as suas práticas políticas não o desmintam. Ora, Sócrates e o PS já governaram e já mostraram o que são capazes de fazer – e, também, o que são incapazes de fazer. Tal como Manuela Ferreira Leite e o PSD, que, louve-lhes a honestidade, nunca se apresentaram ao eleitorado como sendo de esquerda ou defensores de políticas mais ou menos socialistas. Aí, pelo menos, não aldrabam.

E agora vem, para mim, a questão decisiva. Se é importante que um político que queira o meu voto me faça crer que vai pôr em prática as políticas que eu acho justas e necessárias – e, seguramente, não são estas que temos sofrido – mais importante ainda é eu não duvidar que seja uma pessoa honesta e íntegra.

Ora, se o PSD e Ferreira Leite não me servem, em termos das políticas que defendem e têm praticado, Sócrates e o PS não me servem porque, para além disso, a única garantia que me dão é que, com eles no poder, a verdade, a honradez, a decência, o respeito pela liberdade e demais valores pelos quais se pautam as pessoas e as organizações dignas e merecedoras de respeito e confiança, levaram tratos de polé e passaram a ser coisas inexistentes a nível do exercício do poder político. Para além das trafulhices das suas vidas privadas.

Um partido onde militam – ou militaram – Melancia, Abílio Curto, Fátima Felgueiras, Monterroso, Soares (pai e filho), Armando Vara, Jorge Coelho, Vitorino, Pedroso e, claro, José Sócrates, entre muitos outros, não pode merecer o voto de quem, para além da própria política, exige que ela seja interpretada por quem esteja acima de qualquer suspeita.

E se não vos digo onde voto, já todos ficam a saber em que partidos não votarei – e a que tipo de pessoas jamais confiarei o meu voto.

Seja em eleições legislativas, seja em eleições autárquicas.


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/09/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).

1 comentário:

O Puma disse...

Em nome da transparência

e assinando o teu texto

obviamente

dou a cara pelo meu voto secreto

Voto PCP/CDU