O senhor governador do Banco de Portugal, cujo vencimento e respectivos aumentos são decretados por ele, e que, muito patrioticamente, ganha mais que o seu homólogo norte-americano, apesar de só Nova York ter mais habitantes do que Portugal inteiro, pediu realismo e aconselhou que os aumentos salariais não fossem além de 1,5%.
Este socialista – ou dizendo melhor: este militante do PS, que é uma coisa completamente diferente – deve pensar que todos ganham o que ele ganha. Se assim fosse, um aumento de 1,5% não seria nada mau. E quanto ganha o senhor governador do Banco de Portugal? Isso é coisa difícil de saber, porque os vencimentos dos senhores que governam aquela instituição pública… não são públicos. Ou seja: nós pagamos-lhe, mas tenta-se impedir que saibamos quanto é que lhe pagamos. Compreende-se. O descaramento, a desvergonha e a bagunça são de tal ordem, que as cautelas nunca são demais, não vá o povo, um dia destes, acordar e pedir contas. È difícil, mas pode acontecer.
Sendo assim, os últimos dados que tenho disponíveis remontam a 2005, e dizem-me que ele ganha – ou ganhava, se ainda não se aumentou desde aí, coisa em que não acredito – mais de 280.000 euros por ano, sem contar com as várias mordomias inerentes ao cargo. Feitas as contas, são. Em números redondos, 24.000 euros por mês, algo que ronda, na moeda antiga, os 5.000 contos. Um aumento de 1,5% sobre 5 mil contos, vale cerca de 75 contos, o que é superior à maioria das reformas e pensões pagas nesta coisa fétida a que chamamos país.
Já percebemos, então, o que quer dizer a palavra socialismo para o senhor Vítor Constâncio, como percebemos muito bem o grande socialista que ele é. A sorte dele – e de muitos como ele – é que o povo é sereno, resignado, cabisbaixo, medroso, algo cobarde e – diga-se a verdade – é aquela «enorme e possante besta» que, um dia, lhe chamou Erasmo de Roterdão, para explicar a incompreensível mansidão das massas face aos desmandos das elites possidentes.
Vem isto a propósito de duas coisas. A primeira, prende-se com as declarações do médico fundador da AMI, Fernando Nobre, durante o congresso dos economistas que decorreu no Funchal. Fernando Nobre, que é dos poucos portugueses vivos que merece o meu respeito, falava para uma plateia onde se destacavam antigos, actuais e, provavelmente, futuros ministros, tudo gente muito sábia e de mãos limpas, quando disse, entre outras coisas, que «é uma vergonha a pobreza que temos em Portugal», perguntando depois aos presentes quem é que, naquela sala, conseguia viver com 450 euros. Não vi, mas posso jurar, que os dedos médios daqueles senhores se esticaram de imediato, enquanto o indicador e o anelar se curvavam. E se não fizeram o gesto, certamente que o imaginaram.
Fernando Nobre lembrou que sem os apoios sociais e os diversos subsídios, a pobreza em Portugal não estaria nos 18% oficiais, mas nos 40%, o que significa que dois em cada cinco portugueses estão em risco de pobreza. Assim, todos os dias, em Portugal, o sistema económico e a governação que o serve produzem novos pobres, entre os quais estão os jovens com menos de 30 anos, milhares com curso superior, mas que, apesar disso, são as principais vítimas do desemprego ou do emprego precário mal remunerado. E muitos milhares de portugueses são obrigados a emigrar para fugirem à miséria, à insegurança e a uma vida sem esperança.
Fernando Nobre não disse, mas digo eu, que se isto está péssimo para dois em cada cinco portugueses, é porque eles não são, claro está, do grupo para o qual isto está muito bom, ou seja, o grupo do senhor governador do Banco de Portugal, ministros, deputados, autarcas, administradores disto e daquilo, presidentes, vice-presidentes e correspondentes assessores (e respectivos e respeitáveis séquitos) todos bem instalados nos vários organismos do Estado ou nas empresas públicas e privadas, apenas sujeitos às alternâncias provocadas pelas mexidas eleitorais, mas logo compensadas com opulentas reformas previamente legisladas.
Fernando Nobre afirmou, em conclusão: «Não aceito esta vergonha no nosso país». Não estive no Funchal, mas sei que todos o aplaudiram, como se aquilo não fosse nada com eles, principalmente com os antigos e actuais ministros lá presentes. Aliás, como sabemos, a pobreza é uma coisa que acontece, assim como uma tarde de chuva, ninguém tem culpa, ninguém pode impedir. É a vida. Só os alucinados ou os revolucionários idealistas mais ou menos líricos é que pensam o contrário: que a pobreza tem autores humanos, a começar por aqueles que detêm as rédeas da economia, os principais meios de produção, o capital financeiro e, para compor o ramalhete, o poder de fazer as leis pelas quais todos se regem.
Por isso, volto a fazer aquela pergunta simples e básica:
- Então, se a situação do país é péssima para a maioria – e óptima para uma minoria – e é essa minoria que tem governado, mandado, pondo, dispondo e impondo, nem assim é possível saber-se de quem é a culpa pela situação que se vive, continuando a fingir-se que estamos a sofrer, apenas, a fúria dos deuses?
Saramago não acredita em Deus. E eu, francamente, não acredito em deuses. Mas, pelos resultados eleitorais, parece que alguém acredita…
A segunda coisa diz respeito aos Gatos Fedorentos, de quem sou um admirador inabalável. As várias entrevistas que esmiuçaram os políticos e outras figuras, tiveram o mérito de colocar questões importantes e actuais, através de um registo de humor inteligente e relativamente cáustico. Mas o que escapou aos Gatos foi que, nas contas finais, se concluiu que tudo está bem quando acaba bem, ou seja, no meio de umas boas gargalhadas e palmadinhas nas costas. Todos saíram risonhos e com os egos em alta, fossem os esmiuçados, fossem os esmiuçadores.
Gente altamente responsável pela miséria que por aí alastra, impostores de alto gabarito, fazedores e aprovadores de leis que transformaram a vida de milhões de portugueses num inferno, indivíduos ao pé dos quais não devemos deixar estar os nossos filhos ou netos, figuras sinistras e imorais da governação passada e actual, todos eles por ali desfilaram com ar de gente normal, simples, impoluta e virgem de qualquer crime.
Compreendo os Gatos. Eles é que não compreenderam que o resultado final seria o branqueamento e a humanização da malandragem que quiseram esmiuçar. Ou compreenderam e não se importaram. Fizeram-nos rir, é certo, mas transformaram os crimes e os criminosos numa anedota bem contada.
Cá fora, no entanto, o desemprego, a fome e a insegurança continuavam a alastrar.
Este socialista – ou dizendo melhor: este militante do PS, que é uma coisa completamente diferente – deve pensar que todos ganham o que ele ganha. Se assim fosse, um aumento de 1,5% não seria nada mau. E quanto ganha o senhor governador do Banco de Portugal? Isso é coisa difícil de saber, porque os vencimentos dos senhores que governam aquela instituição pública… não são públicos. Ou seja: nós pagamos-lhe, mas tenta-se impedir que saibamos quanto é que lhe pagamos. Compreende-se. O descaramento, a desvergonha e a bagunça são de tal ordem, que as cautelas nunca são demais, não vá o povo, um dia destes, acordar e pedir contas. È difícil, mas pode acontecer.
Sendo assim, os últimos dados que tenho disponíveis remontam a 2005, e dizem-me que ele ganha – ou ganhava, se ainda não se aumentou desde aí, coisa em que não acredito – mais de 280.000 euros por ano, sem contar com as várias mordomias inerentes ao cargo. Feitas as contas, são. Em números redondos, 24.000 euros por mês, algo que ronda, na moeda antiga, os 5.000 contos. Um aumento de 1,5% sobre 5 mil contos, vale cerca de 75 contos, o que é superior à maioria das reformas e pensões pagas nesta coisa fétida a que chamamos país.
Já percebemos, então, o que quer dizer a palavra socialismo para o senhor Vítor Constâncio, como percebemos muito bem o grande socialista que ele é. A sorte dele – e de muitos como ele – é que o povo é sereno, resignado, cabisbaixo, medroso, algo cobarde e – diga-se a verdade – é aquela «enorme e possante besta» que, um dia, lhe chamou Erasmo de Roterdão, para explicar a incompreensível mansidão das massas face aos desmandos das elites possidentes.
Vem isto a propósito de duas coisas. A primeira, prende-se com as declarações do médico fundador da AMI, Fernando Nobre, durante o congresso dos economistas que decorreu no Funchal. Fernando Nobre, que é dos poucos portugueses vivos que merece o meu respeito, falava para uma plateia onde se destacavam antigos, actuais e, provavelmente, futuros ministros, tudo gente muito sábia e de mãos limpas, quando disse, entre outras coisas, que «é uma vergonha a pobreza que temos em Portugal», perguntando depois aos presentes quem é que, naquela sala, conseguia viver com 450 euros. Não vi, mas posso jurar, que os dedos médios daqueles senhores se esticaram de imediato, enquanto o indicador e o anelar se curvavam. E se não fizeram o gesto, certamente que o imaginaram.
Fernando Nobre lembrou que sem os apoios sociais e os diversos subsídios, a pobreza em Portugal não estaria nos 18% oficiais, mas nos 40%, o que significa que dois em cada cinco portugueses estão em risco de pobreza. Assim, todos os dias, em Portugal, o sistema económico e a governação que o serve produzem novos pobres, entre os quais estão os jovens com menos de 30 anos, milhares com curso superior, mas que, apesar disso, são as principais vítimas do desemprego ou do emprego precário mal remunerado. E muitos milhares de portugueses são obrigados a emigrar para fugirem à miséria, à insegurança e a uma vida sem esperança.
Fernando Nobre não disse, mas digo eu, que se isto está péssimo para dois em cada cinco portugueses, é porque eles não são, claro está, do grupo para o qual isto está muito bom, ou seja, o grupo do senhor governador do Banco de Portugal, ministros, deputados, autarcas, administradores disto e daquilo, presidentes, vice-presidentes e correspondentes assessores (e respectivos e respeitáveis séquitos) todos bem instalados nos vários organismos do Estado ou nas empresas públicas e privadas, apenas sujeitos às alternâncias provocadas pelas mexidas eleitorais, mas logo compensadas com opulentas reformas previamente legisladas.
Fernando Nobre afirmou, em conclusão: «Não aceito esta vergonha no nosso país». Não estive no Funchal, mas sei que todos o aplaudiram, como se aquilo não fosse nada com eles, principalmente com os antigos e actuais ministros lá presentes. Aliás, como sabemos, a pobreza é uma coisa que acontece, assim como uma tarde de chuva, ninguém tem culpa, ninguém pode impedir. É a vida. Só os alucinados ou os revolucionários idealistas mais ou menos líricos é que pensam o contrário: que a pobreza tem autores humanos, a começar por aqueles que detêm as rédeas da economia, os principais meios de produção, o capital financeiro e, para compor o ramalhete, o poder de fazer as leis pelas quais todos se regem.
Por isso, volto a fazer aquela pergunta simples e básica:
- Então, se a situação do país é péssima para a maioria – e óptima para uma minoria – e é essa minoria que tem governado, mandado, pondo, dispondo e impondo, nem assim é possível saber-se de quem é a culpa pela situação que se vive, continuando a fingir-se que estamos a sofrer, apenas, a fúria dos deuses?
Saramago não acredita em Deus. E eu, francamente, não acredito em deuses. Mas, pelos resultados eleitorais, parece que alguém acredita…
A segunda coisa diz respeito aos Gatos Fedorentos, de quem sou um admirador inabalável. As várias entrevistas que esmiuçaram os políticos e outras figuras, tiveram o mérito de colocar questões importantes e actuais, através de um registo de humor inteligente e relativamente cáustico. Mas o que escapou aos Gatos foi que, nas contas finais, se concluiu que tudo está bem quando acaba bem, ou seja, no meio de umas boas gargalhadas e palmadinhas nas costas. Todos saíram risonhos e com os egos em alta, fossem os esmiuçados, fossem os esmiuçadores.
Gente altamente responsável pela miséria que por aí alastra, impostores de alto gabarito, fazedores e aprovadores de leis que transformaram a vida de milhões de portugueses num inferno, indivíduos ao pé dos quais não devemos deixar estar os nossos filhos ou netos, figuras sinistras e imorais da governação passada e actual, todos eles por ali desfilaram com ar de gente normal, simples, impoluta e virgem de qualquer crime.
Compreendo os Gatos. Eles é que não compreenderam que o resultado final seria o branqueamento e a humanização da malandragem que quiseram esmiuçar. Ou compreenderam e não se importaram. Fizeram-nos rir, é certo, mas transformaram os crimes e os criminosos numa anedota bem contada.
Cá fora, no entanto, o desemprego, a fome e a insegurança continuavam a alastrar.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 28/10/2009.
(Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00).