domingo, 31 de janeiro de 2010

ENVIAMOS MÉDICOS E NÃO SOLDADOS


...
Na reflexão do 14 de Janeiro, dois dias depois da catástrofe no Haiti que destruiu esse irmão e vizinho país, escrevi: “Cuba, apesar de ser um país pobre e bloqueado, desde há anos vem cooperando com o povo haitiano. Por volta de 400 médicos e especialistas de saúde prestam cooperação gratuita ao povo haitiano. Em 127 das 137 comunas do país trabalham todos os dias os nossos médicos. Por outro lado, não menos de 400 jovens haitianos foram formados como médicos na nossa Pátria. Trabalharão agora com o esforço dos nossos médicos que viajaram ontem para salvarem vidas nesta crítica situação. Podem mobilizar-se, portanto, sem especial esforço, até mil médicos e especialistas de saúde que já estão quase todos ali e dispostos a cooperar com qualquer outro Estado que desejar salvar vidas haitianas e reabilitar feridos”.

“A situação é difícil ― comunicou-nos a Chefe da Brigada Médica Cubana― porém começámos já a salvar vidas.”

A cada hora, de dia e de noite, nas poucas instalações que não foram destruídas, em casas de campanha ou em parques e lugares abertos, por medo da população a novos tremores, os profissionais cubanos de saúde começaram a trabalhar sem descanso.

A situação era mais grave que o imaginado inicialmente. Dezenas de milhares de feridos imploravam por ajuda nas ruas de Porto Príncipe, e um número incalculável de pessoas jaziam, vivas ou mortas, sob as ruínas de argila ou adobe com que tinham sido construídas as casas da imensa maioria da população. Prédios, inclusive mais sólidos, ruiram. Foi necessário além disso localizar, nos bairros destruídos os médicos haitianos formados na Escola Latino-americana de Medicina (ELAM), muitos dos quais foram afectados directa ou indirectamente pela tragédia.

Funcionários das Nações Unidas ficaram presos em várias hospedagens e perderam-se dezenas de vidas, incluíndo vários chefes da MINUSTAH, uma força das Nações Unidas, desconhecendo-se o destino de centenas de outros membros do seu pessoal.

O Palácio Presidencial do Haiti ruiu. Muitas instalações públicas, inclusive várias de carácter hospitalar, ficaram em ruínas.

A catástrofe comoveu o mundo, que pôde presenciar o que estava acontecendo através das imagens dos principais canais internacionais de televisão. De todas as partes, os governos anunciaram o envio de peritos em resgate, alimentos, medicamentos, equipamentos e outros recursos.

Em conformidade com a posição pública formulada por Cuba, o pessoal médico de outras nacionalidades, nomeadamente, espanhóis, mexicanos, colombianos e de outros países, trabalhou arduamente junto dos nossos médicos em instalações que tínhamos improvisado. Organizações como a OPS e países amigos como a Venezuela e de outras nações forneceram medicamentos e variados recursos. Uma ausência total de protagonismo e chauvinismo caracterizou a conduta impecável dos profissionais cubanos.

Cuba, do mesmo jeito que já o fez em situações semelhantes, como quando o Furacao Katrina causou grandes estragos na cidade de Nova Orleans e pôs em perigo a vida de milhares de norte-americanos, ofereceu o envio de uma brigada médica completa para cooperar com o povo dos Estados Unidos da América, um país que, como se conhece, possui imensos recursos, mas o que se precisava nesse instante eram médicos adestrados e equipados para salvarem as vidas. Pela sua localização geográfica, mais de mil médicos da Brigada “Henry Reeve” estavam organizados e prontos com os medicamentos e equipamentos pertinentes para partirem a qualquer hora do dia ou da noite para essa cidade norte-americana. Pela nossa mente nem sequer passou a idéia de que o Presidente dessa nação rejeitasse a oferta e permitisse que um número de norte-americanos que podiam salvar-se perdessem a vida. O erro desse Governo se calhar consistiu na sua incapacidade para compreender que o povo de Cuba não vê no povo norte-americano um inimigo, nem como culpado das agressões que tem sofrido a nossa Pátria.

Aquele Governo também não foi capaz de compreender que o nosso país não precisava mendigar favores ou perdões daqueles que durante meio século têm tentado inutilmente pôr-nos de joelhos.

O nosso país, igualmente no caso do Haiti, aceitou imediatamente o pedido de sobrevoo na região oriental de Cuba e outras facilidades que precisavam as autoridades norte-americanas para prestarem assistência o mais rapidamente possível aos cidadãos norte-americanos e haitianos afectados pelo terramoto.

Estas normas têm caracterizado a conduta ética do nosso povo que, unido à sua equanimidade e firmeza, têm sido as características permanentes da nossa política externa. Isso é bem conhecido por todos os nossos adversários no contexto internacional.

Cuba defenderá firmemente o critério de que a tragédia que teve lugar no Haiti, a nação mais pobre do hemisfério ocidental, constitui um desafio aos países mais ricos e poderosos da comunidade internacional.

Haiti é um produto absoluto do sistema colonial, capitalista imperialista imposto ao mundo. Tanto a escravatura no Haiti quanto a sua ulterior pobreza foram impostas desde o exterior. O terrível sismo produz-se depois da Cimeira de Copenhague, onde foram pisados os direitos mais elementares de 192 Estados que fazem parte da Organização das Nações Unidas.

Após a tragédia, desatou-se no Haiti uma concorrência pela adopção imediata e ilegal de crianças, o que obrigou a que a UNICEF tomasse medidas preventivas contra o tráfico de muitas crianças, que tiraria aos familiares próximos deles tais direitos.

O número de vítimas mortais ultrapassa já as cem mil pessoas. Uma elevada cifra de cidadãos perdeu braços e pernas, ou sofreu fracturas que precisam de reabilitação para o trabalho ou o desenvolvimento das suas vidas.

Cerca de 80% do país deve ser reconstruído e criar uma economia suficientemente desenvolvida para satisfazer as necessidades na medida das suas capacidades productivas. A reconstrução da Europa e do Japão, a partir da capacidade productiva e o nível técnico da população, era uma tarefa relativamente simples em comparação com o esforço a fazer no Haiti. Ali, como em grande parte da África e em outras áreas do Terceiro Mundo, é indispensável criar as condições para um desenvolvimento sustentável. Em apenas 40 anos a humanidade terá mais de 9 bilhões de habitantes, e encara o desafio de uma mudança climática que os cientistas aceitam como uma realidade inevitável.

No meio da tragedia haitiana, sem que ninguém saiba como e porquê, milhares de soldados das unidades de infantaria da marinha dos Estados Unidos, tropas aerotransportadas da 82ª Divisão e outras forças militares tem ocupado o território do Haiti. Pior ainda, nem a Organização das Nações Unidas, nem o Governo dos Estados Unidos da América tem oferecido uma explicação à opinião pública mundial destes movimentos de forças.

Vários Governos queixam-se de que os seus meios aéreos não puderam aterrar e transportar os recursos humanos e técnicos enviados para o Haiti.

Diversos países anunciam, por sua vez, o envio adicional de soldados e equipamentos militares. Tais factos, a meu ver, contribuiriam para criar o caos e complicar a cooperação internacional, já por si complexa. É preciso discutir seriamente sobre o tema e exigir à Organização das Nações Unidas que assuma o papel que lhe corresponde neste delicado assunto.

O nosso país cumpre uma tarefa estritamente humanitária. Na medida das suas possibilidades contribuirá com os recursos humanos e materiais que estejam ao seu alcance. A vontade do nosso povo, orgulhoso dos seus médicos e cooperantes em actividades vitais é grande e estará à altura das circunstâncias.

Qualquer cooperação importante que se ofereça ao nosso país não será rejeitada, mas a sua aceitação estará subordinada totalmente à importância e transcendência da ajuda que se precisar dos recursos humanos da nossa Pátria.

É justo consignar que, até este instante, os nossos modestos meios aéreos e os importantes recursos humanos que Cuba tem colocado à disposição do povo haitiano não têm tido dificuldade nenhuma para chegarem ao seu destino.

Enviamos médicos e não soldados!

(Fidel Castro Ruz)

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O XADREZ DA NACIONAL-VIGARICE

Quem divulgou as escutas feitas ao senhor Pinto da Costa no âmbito do processo Apito Dourado, prestou ao país um serviço inestimável: o de demonstrar, sem margens para mais dúvidas ou discussões, que, em Portugal, a administração da justiça não é uma coisa fiável, seja por culpa de alguns dos seus principais agentes, seja por culpa de uma legislação feita à medida de certos interesses de casta, que preferem salvaguardar as próprias barbas a permitir que a lei, a ordem e a decência sejam as margens sagradas da nossa convivência colectiva. Seja pelas duas coisas juntas.

Quem se deu ao cuidado de, como eu, ouvir todas aquelas gravações, se for pessoa séria e minimamente lúcida, sem dúvida que concluirá que, para o senhor Pinto da Costa e outras figurinhas, figuras e figurões da arbitragem e do mundo do futebol terem sido absolvidos dos crimes de que estavam indiciados, é porque esta coisa a que chamamos país não só bateu no fundo, como se desfez num monte dos mais indizíveis detritos.

Oscilo entre o espanto, a indignação, a revolta, o merecido escárnio e uma angustiante dúvida sobre o que, enquanto povo, ainda nos reservará o futuro, caso se mantenha o ambiente social e político que sustentou, absolveu e tentou abafar este escabroso processo. E pergunto-me, por isso, quem se terá sentido mais incomodado com a divulgação das escutas. Pinto da Costa? Certamente que não, pois está provado que os seus padrões morais não lhe permitem ter complexos de qualquer natureza. É o que se diz um descarado compulsivo, alguém para quem a vergonha e o bom-senso são coisas absolutamente desconhecidas. Vai continuar a destilar a sua ironia rançosa, a percorrer a sua senda de conspirações e vilezas, a promover ódios incendiários e, no fundo, a alimentar-se dessa amálgama de sordidez e perversão. É esta a sua natureza, dela não pode sair.

Mas se Pinto da Costa não perde o sono com estes sucedimentos, já muitos responsáveis judiciários e políticos, que têm mais massa encefálica que o dirigente tripeiro – ou, pelo menos, têm-na em melhor estado – perceberam que a divulgação das escutas representa um duro golpe para a sua credibilidade e para o seu estatuto. Perceberam que, a partir de agora, é justo concluir que se as coisas são assim com a corrupção no futebol, então é porque são assim – ou pior – em todos os outros casos sabidos ou a saber, incluindo, principalmente, os pesadíssimos processos que envolvem gente graúda do nosso país. Já se sabia – e agora provou-se – que há gente intocável, e que o poder legislativo e certos sectores da justiça – do arremedo dela – sabem como se fazem as coisas para proteger quem deve ser protegido.

Já não se trata de um caso absurdo, relacionado com o mundo do pontapé na bola, que, apesar de movimentar milhões, não deixa de ser uma actividade lateral do nosso quotidiano. Trata-se de ver provado – e à prova de bala – que tudo se trafica neste país, e o que aconteceu ao Apito Dourado, aconteceu – ou vai acontecer – em muitos outros processos, da Casa Pia ao Freeport, dos sobreiros da Portucale ao Face Oculta, da Operação Furacão aos escândalos com facturas falsas que, apesar de envolverem grandes empresas e terem lesado o estado em muitos milhões, não levaram ninguém à prisão.

Estupefactos, ouvimos figuras gradas da nossa sociedade erguerem a voz contra esse crime hediondo de se divulgarem gravações de forma ilegal, quando não ergueram a voz por verem ficar impunes aqueles que, indubitavelmente, corromperam ou foram corrompidos, adulterando, durante anos, resultados desportivos, e lucrando com essa adulteração de forma tão substantiva e continuada, que a prática de mover influências para alcançar objectivos desportivos, de tanto contumaz e persistente, já se transformara num modo de vida, numa coisa absolutamente normal, um atributo de quem sabe desenrascar-se na vida. Ou seja: a sordidez no seu máximo esplendor.

É claro para a opinião pública, das suas franjas mais esclarecidas até às menos iluminadas – e ninguém em seu perfeito juízo pode negá-lo, seja juiz, advogado, político, jornalista ou comentador encartado – que Pinto da Costa foi o núcleo de um antro corruptor, destinado a garantir sucessos desportivos ao clube que dirige e, por arrastamento, a outros clubes dirigidos por gente das suas relações, ou a quem prestava – ou de quem recebia – favores. É também claro que o poder político, cuja mão pesa sobre todo o aparelho do estado, incluindo outros órgãos de soberania, como o poder judicial, não se podia dar ao luxo de permitir desagradar a quem sempre soube lambuzá-lo, tanto mais que daí adviriam sérias consequência eleitorais, como muito menos interessava abrir precedentes que pudessem virar-se, mais dia, menos dia, contra ele próprio. Se juntarmos a isto solidariedades partidárias e clubistas, facilmente perceberemos toda a trama, sem esquecer o oportuno aviso a Pinto da Costa da sua eminente detenção, o que lhe permitiu fugir para a Galiza no dia em que a polícia se preparava para o deter.

Pinto da Costa é, feitas as contas, uma figura menor, um simples peão, no xadrez da nacional-vigarice. Mas é intocável porque, no dia em que um peãozinho destes cair, caem torres, cavalos, bispos, rainhas e reis.

Perceberam?



(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 27/01/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A PROPÓSITO DE INSULTOS E OUTRAS GENTILEZAS


O senhor ouvinte, de nome aristocrático e apelido não menos distinto, advoga que as coisas estão muito bem assim. Que só pessoas fora da realidade, ultrapassadas, pouco conhecedoras das realidades políticas e sociais deste mundo global (forma elegante de lhes chamar ignorantes a tender para o estúpido) é que dizem que a sociedade, tal como está organizada, não presta, e que pode ser melhor.

A senhora ouvinte, com nome e discurso de mulher do povo, por se sentir vítima do modelo de sociedade que o senhor ouvinte defende – e, consequentemente, por não concordar com esse modelo, que produz a miséria que por aí vai – manda-o para o raio que o parta e, para acabar, chama-lhe nojento.

Uma conclusão possível: o ouvinte estava a debater em termos ideológicos; a ouvinte limitou-se a insultar. Ele usou argumentos; ela utilizou o insulto.

Outra conclusão possível: ambos defenderam pontos de vista opostos, cada um com as suas palavras. Mais elaboradas as do ouvinte, senhor de muitos saberes e cabedais; mais curtas e grossas as da ouvinte, pessoa das classes baixas. Da chamada ralé.

Ainda outra conclusão plausível: o ouvinte é um rematado sabichão de conversa apurada, e defende, porque lhe é conveniente, uma estrutura social e económica da qual beneficia. E, por saber que isso se manterá enquanto as minorias não reagirem e conseguirem os seus direitos, tenta, ardilosamente, convencer as vítimas do sistema de que não têm saída. Que este é o melhor dos mundos possível. Que aquilo em que acreditam, por mera credulidade ou sectarismo (forma elegante de voltar a insultá-los), não é possível. A ouvinte, porque topa à légua as galgas do finório, não está com papas na língua e vai de descasca pessegueiro.

Ponhamos de fora o supérfluo – ou seja: a forma de cada um deles se exprimir, o respectivo vocabulário e a capacidade argumentativa – e dissequemos o conteúdo do que disseram, isto é, o que cada um defende.

Para ele, a sociedade capitalista é boa. Não há, mesmo, outra melhor. E governos, só o mais à direita possível. Por isso, até bate palmas a Sócrates. Então, teremos os opulentos na sua opulência, os ricos na sua riqueza, os pobres na sua pobreza, os desempregados no seu desemprego, os velhos na sua solidão. O poder económico é sagrado, a política existe para servi-lo. Para uns poucos, é o venha a nós o vosso reino; para outros, é o aguenta, Pacheco! É assim mesmo que o mundo é, ponto final.

Para ela, que desde sempre tem sofrido na pele a aplicação prática destas concepções ideológicas – e porque, para além dela, se preocupa com os outros – esta política é criminosa e imoral. Provoca miséria e fome, provoca guerras, esmaga milhões de pessoas em proveito de uns quantos. Ela acredita que outra política é possível. E necessária.

A ouvinte não compreende que uma pessoa honesta e inteligente possa defender aquilo que, comprovadamente, é mau para a sociedade, pois, como já dizia Almeida Garrett, são precisos muitos milhares de pobres para produzir apenas um rico. Ela não sabe dizer desta maneira, porque as políticas de direita, que sempre sofreu, não lhe deram acesso a estudos e à possibilidade de saber aprimorar as palavras – e burilar os insultos – como o ouvinte, requintadamente, faz. Ela sabe apenas que se enoja ao ouvir alguém defender, sem ser por mera estupidez, o que é indefensável. Conclui que o seu opositor é cínico, é malandro, é egoísta, é uma pessoa que defende, apenas, o que lhe interessa, e que lhe é absolutamente indiferente o sofrimento de milhões de compatriotas, e de outros milhões de seres humanos.

Já uma vez aqui o disse, e sinto-me obrigado a repeti-lo: quem defende uma sociedade como esta, com todas as malfeitorias, chagas e crimes que lhe estão nos genes, só pode ser uma de duas coisas: estúpido, ou crápula. Também estarei a insultar alguém? Paciência. Mas muito mais do que me insultar – porque também me insulta – este sistema político e económico agride-me. Agride milhões de seres humanos. Retira-lhes o direito sagrado ao trabalho, ao ordenado justo, à saúde, à educação, à habitação. Condena crianças e idosos a não terem acesso àquilo que a Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra como direitos seus. Condena à morte milhões de pessoas em todo o mundo, seja por fome, seja por doenças curáveis, seja por via das guerras de rapina, seja porque as leva ao desespero.

Perante esta realidade, alguém se pode escandalizar com palavras como nojento, ou crápula? Então, e as balas e as bombas? Então, e o Código do Trabalho? Então, e os chefes de família sem pão para os filhos? Então, e os jovens licenciados sem emprego? Então, e a fome e a miséria? Então, e os doentes que morrem sem conseguirem chegar à mesa de operações? Então, e os idosos a morrerem de abandono e solidão? Então, e os salários a saírem dos nossos bolsos para os bolsos dos accionistas das grandes empresas?

Tudo isto não é pior que um insulto? Não é pior a violência real, física, do que a violência verbal? A política que sofremos não é um crime contra a humanidade? E defender este sistema político e económico não é ser, conscientemente, cúmplice de todos estes crimes? Não será isso, realmente, nojento? Não me repugnam as palavras – nenhuma delas – já que elas nasceram para ser ditas. Será, por isso, incorrecto chamar nojento a quem nos enoja? Ou já estarei condenado a censurar-me em nome do politicamente correcto? E a quem interessa o politicamente correcto?

Depois, meus amigos, o debate ideológico não é uma coisa isolada da vida, uma discussão inócua sobre quem é o melhor jogador de futebol do mundo. Se assim fosse, o que antes nos distinguia de Salazar – e, agora, de Sócrates – seriam, apenas, meras diferenças ideológicas. Defende-se, então, que «cada um pensa como pensa, e siga o baile», mesmo que seja por cima dos corpos espezinhados dos oprimidos e explorados? Porque os há, aos milhões. Não! Mais uma vez esclareço que não vou por aí.

O ouvinte de nome aristocrata – e apelido não menos distinto – diz exactamente o que diria Salazar, se cá estivesse. E diz o que diz Sócrates, cujas políticas, de resto, aplaude. Ele faria o que fez o economista de Santa Comba (que era economista e tudo), tal como faria o que faz o mais célebre «engenheiro» que a UNI licenciou num certo e famoso domingo. O que lhe devo chamar, nesse caso? Um impoluto democrata? Não me parece. Porque se ele o é, Salazar e Sócrates, então, também merecem o rótulo.

Sou um homem livre. Falo e escrevo pela minha cabeça. Defendo os meus ideais, os meus valores, luto por aquilo em que acredito. Ninguém me obriga a dizer o que não quero, ninguém me impede de dizer o que desejo. E estou de bem – muito bem – comigo.

Posso pagar por isso? Pois posso. Então, como cantava o Zeca, que venham mais cinco, de uma assentada, que eu pago já. Mas que não trato um fascistóide de falas mansas como um mero opositor ideológico, só porque se diz por aí que vivemos em democracia, ai, meus amigos, isso não trato. Nem que venha o mais pintado.
...
(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas "Provocações" da Rádio Baía em 20/01/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

NÃO VOU POR AÍ!

...
Todo o menino ou cavalheiro que quiser casar com outro menino ou cavalheiro, vai, finalmente, poder dar o nó. Um deles, provavelmente, de véu e grinalda, o outro, vestido à homem. E com beijinho na boca, no fim da cerimónia. As meninas e as damas que decidirem dar o nó dentro do mesmo género, também vão poder fazê-lo. Uma delas, de fato e gravata, a outra, de lindo vestido de noiva, como convém. Beijo na boca, línguas activas, sorriso radiante para as câmaras, juras de amor eterno… e siga a fantochada. Que sejam felizes e tenham muitos meninos.

O que disse eu? Ter muitos meninos!? Mas como, se não conseguem, não sabem ou não querem fazê-los, pois são alérgicos ao sexo oposto? Bem, talvez por adopção, lá mais para diante, quando formos um país verdadeiramente todo prafrentex, moderno e desenvolvido.

Já aqui há uns tempos, todas as donzelas que engravidaram por obra e graça do espírito santo – ou seja: sem saberem como, nem porquê – passaram a poder desenvencilhar-se do feto às custas do Estado. Coisa igualmente moderna, reveladora dos mais altos padrões civilizacionais. E deste então, como todos sabemos, o país deu o primeiro grande passo a caminho da mais entusiasmante liberdade e, principalmente, do desenvolvimento absoluto. Bem… só faltava o casamento entre pessoas do mesmo sexo, desiderato agora em vias de satisfação plena. Finalmente, somos um país de vanguarda. Um abraço de parabéns ao senhor «engenheiro» e a todos quantos o apoiaram nestas exaltantes causas.

Nestes dois sucessos, estiveram sempre presentes os espectros dos lóbis. Das minorias organizadas. Chegado aqui, pus-me a pensar porque razões são sempre satisfeitas as mais absurdas e antinaturais exigências, quando as que são justas, naturais, urgentes e necessárias nunca são atendidas?

As pessoas exigem uma consulta médica no momento em que adoecem? Não há nada para ninguém.

As pessoas reclamam exames médicos (radiografias, tacs, ecografias, análises e outros meios de diagnóstico) quando fazem falta? Não há nada para ninguém.

As pessoas reclamam a operação necessária antes que seja tarde? Não há nada para ninguém.

As grávidas não querem ir parir a cascos de rolha? Não há nada para ninguém.

As pessoas reclamam escolas seguras e, para os mais novitos, que sejam a poucos minutos de casa? Não há nada para ninguém.

As pessoas exigem poder aceder à Justiça sempre que necessário, sem ser preciso ser-se rico? Não há nada para ninguém.

As pessoas exigem transportes decentes, água, electricidade, gás e outros serviços públicos a preços acessíveis? Não há nada para ninguém.

As pessoas exigem segurança? Não há nada para ninguém.

As pessoas – milhões de pessoas – exigem ordenados e pensões decentes? Não há nada para ninguém.

Mas se quiseres matar o filho que estás a gerar, o Estado diz: mata, que eu pago.

Mas se quiseres casar com outra pessoa do mesmo género, o Estado diz: casa, que eu abençoo.

Como já perceberam – embora alguns finjam que não – este programa não é uma amena cavaqueira onde se debatem coisas abstractas, híbridas ou inócuas. Não é um espaço de salamaleques politicamente correctos.

Este programa não é uma amigável tertúlia de senhoras e senhores simpáticos, que discutem aspectos teóricos e ideológicos da nossa vida em sociedade, confrontando-se num elegante – mas anestesiante e improfícuo – diálogo.

Este programa não é uma pausa civilizada e florida num tempo e num espaço social onde primam o peculato, a sordidez, a violência e a injustiça, e onde o bom-senso e a honra parecem ser um vício ou uma estupidez.

Este programa não serve para trocar galhardetes entre gente bem pensante – e bem-falante – tornando-se, desse modo, cúmplice dos crimes sociais, políticos e económicos que levam a miséria e o desespero a milhões de portugueses. E, em muitos casos, os conduzem à morte.

Este programa é um espaço de liberdade plena, onde se pensa pela cabeça própria, e também se diz o que nos vai na alma. Por isso, chama às coisas feias e más da nossa vida os nomes que elas têm, sabendo bem que só aos responsáveis por tanta nojeira é que interessam os punhos de renda e as palavrinhas mansas.

Este programa é um tempo de luta contra o sono, o obscurantismo, o imobilismo, a distracção, a estupidez, a cobardia e a canalhice que, na sua nefasta amálgama, nos transformaram no país mais atrasado da Europa – e assim nos mantêm.

Este programa é um espaço de denúncia, mas é, principalmente, um espaço de verdade, porque ninguém alguma vez me conseguiu apontar a mínima falsidade ou imprecisão. Nunca me disseram: mentiste!

Este programa fala dos nossos mais de dois milhões de pobres, dos cerca de 700 mil desempregados, dos milhares de trabalhadores com salários em atraso, do trabalho precário, das falências e das deslocalizações, da dívida externa monstruosa, da dívida pública idem, idem, aspas, aspas, da economia de rastos, em suma.

Este programa fala de um sistema público de saúde criminosamente mutilado, com doentes oncológicos desprezados e a morrerem sem que a operação necessária se faça, grávidas a ser encaminhadas para o estrangeiro ou a parir em ambulâncias, de uma justiça que protege os criminosos de colarinho branco e é implacável para o cidadão comum, e cada vez mais inacessível aos humildes e remediados.

Este programa fala dos lucros imoralmente fabulosos dos grandes grupos financeiros e económicos, alcançados através da espoliação dos recursos nacionais e dos bolsos dos portugueses que vivem do seu trabalho e das suas pensões, (veja-se o exemplo da EDP e dos aumentos da electricidade, aqui focado há oito dias) e que, totalmente ao contrário do que dizem os papagaios de direita, só contribuem para o descalabro económico em curso.

Neste programa, por isso, chama-se trafulha e malandro a quem diz que é necessário que o grande capital aumente e consolide os seus já enormes e imorais lucros, pois é esse grande capital que investe e gera emprego, quando a realidade nos mostra o inverso, ou seja, que à subida constante e meteórica dos lucros, correspondem o aumento do desemprego, a perda do poder de compra dos salários e das pensões de reforma e a diminuição da procura. Em consequência, a economia sufoca e o país, em vez de se desenvolver, definha a olhos vistos. Se a receita fosse a que esses safados dizem, não estávamos, como estamos, de tanga. Ao inverso, e, como disse José Niza, «Quantos mais desempregados na rua, mais Porches na estrada!». E – acrescento eu – mais condomínios de luxo esgotados.

Este programa fala, então, de uma política económica que, ao invés de promover o nosso desenvolvimento, nos tem sacudido cada vez mais para a cauda da Europa, prova insofismável da sua falência e desadequação.

Este programa denuncia as tramas das privatizações, que outra coisa não fazem que não seja retirar ao país e à generalidade da população os recursos comuns, enchendo os bolsos dos accionistas nacionais e – sobretudo – estrangeiros, que consomem, assim, a riqueza nacional e obstam ao nosso desenvolvimento.

Este programa fala das políticas de esquerda e de direita, provando, com factos e com números, que as de direita enriquecem as minorias opulentas, e as de esquerda favoreceriam a população, no seu geral.

Este programa recusa-se a aceitar as políticas em curso como factos consumados, porque as políticas não resultam de fenómenos naturais ou fatalidades do destino, mas da vontade de alguns homens, sabendo nós que esses homens são aqueles para quem as coisas assim é que estão bem. Que querem que assim continuem. E que – espertalhaços – não querem que chamemos os bois pelos nomes, desmascarando-os.

Este programa destapa as vergonhosas teias de interesses espúrios e corrupção, que são a moeda corrente entre a alta finança e a máfia política instalada, eivadas de labregos licenciados em três tempos, sucateiros e finórios traficantes de influências e cabedais.

Este programa denuncia a imoralidade reinante, esta sociedade cada vez mais sem valores e sem sentido, onde nem da lei da selva se pode falar, porque as selvas, como tudo o que é natural, têm leis ajustadas às suas necessidades, desenvolvimento e sobrevivência.

Este programa, por fim, precisa que os que não estão na mesma barricada, também aqui deixem a sua opinião, na certeza de uma coisa: eles, com a sua lorpice natural, ou com a sua enfática velhacaria, com a sua falta de argumentos e notória ausência de valores morais e sociais, acabam por ser a melhor prova de que estamos do lado certo da vida.

E precisam de saber que nós, como parte dos que sofrem a violência e as malfeitorias das políticas que eles defendem, não entramos no jogo perverso do «debate de cavalheiros», pois o que aqui se joga são verdadeiras questões de vida e morte.

Por isso, aos que me querem embalar, iludir e desviar com cínicos arrulhos de falsas pombas, e aos que, perdido o tino, me querem levar pela reata, atiro, como uma pedra, o último verso do famoso poema de José Régio, Cântico Negro.

– Sei que não vou por aí!

E aqui está, como bónus, o Cântico Negro, do Régio (um grito de Liberdade, um rasgar das convenções, um desmascarar do cinismo, um cuspir na ordem natural das coisas, que só convém aos capatazes da humanidade, enfim, um arrepiante manifesto contra o ser-se carneiro, mesmo que isso compense…). Poema que eu gostaria de saber dizer como o dizia João Villaret.







“CÂNTICO NEGRO” de José Régio

...
«Vem por aqui» – dizem-me alguns com os olhos doces,

estendendo-me os braços, e seguros

de que seria bom que eu os ouvisse

quando me dizem: «vem por aqui!».

Eu olho-os com olhos lassos,

(há, nos olhos meus ironias e cansaços)

e cruzo os braços,

e nunca vou por ali...

A minha glória é esta:


criar desumanidade!

Não acompanhar ninguém.

- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade

com que rasguei o ventre a minha mãe.

Não, não vou por aí! Só vou por onde


me levam os meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde,


porque me repetis: «vem por aqui!»?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,


redemoinhar aos ventos,

como farrapos, arrastar os pés sangrentos,

a ir por aí...

Se vim ao mundo, foi


só para desflorar florestas virgens

e desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!

O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós


que me dareis impulsos, ferramentas e coragem

para eu derrubar os meus obstáculos?

Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,

e vós amais o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,

amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,


tendes jardins, tendes canteiros,

tendes pátria, tendes tectos

e tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...

Eu tenho a minha Loucura!

Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,

e sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios!

Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém!

Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;


mas eu, que nunca principio nem acabo,

nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah!, que ninguém me dê piedosas intenções!


Ninguém me peça definições!

Ninguém me diga: «vem por aqui!».

A minha vida é um vendaval que se soltou.

É uma onda que se alevantou.

É um átomo a mais que se animou...
..
Não sei por onde vou,

não sei para onde vou

– Sei que não vou por aí!



(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 13/01/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

O ASSALTO SOCIALISTA CONTINUA

...
- ou as políticas de direita no seu esplendor
...
Prometi, há oito dias, que falaria, nas minhas Provocações de hoje, dos aumentos já anunciados do preço da electricidade. E vou cumprir, contando – sempre que o negócio trata de números – com a ajuda indispensável do economista Eugénio Rosa. Ele é um economista dos pobres, daqueles que pensa, como eu penso, que a Economia deve estar ao serviço das pessoas, contrariamente ao que defendem os senhores economistas ao serviço do regime, que advogam que elas, as pessoas, é que devem estar ao serviço da Economia. No fundo, o que querem dizer, lá na deles, é que as pessoas devem estar ao serviço dos grandes mercadores. Ou, para usar uma linguagem mais vulgar, ao serviço dos tipos da massa, que são quem lhes paga.

Ora, diz Eugénio Rosa que

«a entidade que controla os preços da electricidade no mercado regulado, a ERSE – Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos, cujo presidente foi nomeado pelo primeiro governo de Sócrates, anunciou que o preço da electricidade para as famílias, em 2010, iria aumentar em +2,9%. Esta subida do preço da electricidade é superior a mais do dobro da previsão para 2010 do aumento dos preços em Portugal, feita por várias entidades (OCDE, FMI, BdP), e os trabalhadores não têm garantido idêntico aumento salarial em 2010».

Segundo as contas feitas por Eugénio Rosa, cujo diploma de economista não foi passado em nenhum domingo – ou seja: é economista a sério – «se o preço da electricidade for aumentado em 2,9%, isso significará que os portugueses terão de pagar, pela mesma quantidade de kWh, mais 251,5 milhões de euros».

E garante ele que

«tal aumento de custos é inaceitável não só pelas razões referidas anteriormente, mas também porque:

Primeiro – O preço da electricidade em Portugal é já superior ao preço médio da União Europeia;

Segundo – O poder de compra das famílias portuguesas está muito abaixo do poder de compra médio da União Europeia;

E terceiro – A EDP, só nos primeiros nove meses de 2009, já arrecadou mais de 800 milhões euros de lucros líquidos».

Sócrates, atarefado a tratar dos casamentos entre homossexuais e a adjudicar obras públicas faraónicas, que são aquelas que deixam fortunas em comissões e luvas, para além de repolhudos fundos para os partidos que mexem os cordelinhos para a coisa ir em frente, não tem tempo para reparar nessas minudências. Ele, se calhar, nem sabe que, segundo o Eurostat, o preço médio da electricidade na União Europeia (a 27 países), é inferior ao preço médio em Portugal em -2,2%, mas o poder de compra médio na União Europeia (também a 27 países), medido pelo PIB por habitante, é superior ao poder de compra médio em Portugal em +31,6%.

E explica Eugénio Rosa:


«O poder de compra da população, em Portugal, corresponde apenas a 76% do poder de compra médio da União Europeia, mas o preço da electricidade no nosso País é superior ao preço médio da electricidade na União Europeia em +2,26% (se o preço da electricidade em Portugal fosse igual ao preço médio da U.E., os portugueses pagariam pela electricidade que consomem menos 190,8 milhões de euros por ano)».

E explica o economista que

«nos países onde o preço da electricidade é superior ao de Portugal, essa diferença de preço é mais do que compensada pela diferença, para mais, no poder de compra da população desses países, relativamente à portuguesa. Na Alemanha, o preço da electricidade é superior em +10,8% ao preço em Portugal, mas o poder de compra médio na Alemanha é superior ao português em +52,6%; no Luxemburgo, a electricidade custa mais 28,1% do que em Portugal, mas o poder de compra médio no Luxemburgo é superior ao de Portugal em +263,2%. Na Finlândia, Dinamarca e Noruega, o preço da electricidade é mais baixo do que em Portugal (entre -10,5% e -22,9%), mas o poder de compra médio das famílias nesses países é muito superior ao das famílias portuguesas (entre +53,9% e +151,3%).

Estas coisas não são explicadas aos portugueses – e bem podiam ser – bastando, para isso, que os grandes órgãos de comunicação social não estivessem nas mãos de quem ganha muitíssimo dinheiro devido às coisas serem assim. Mas se eles não explicam, explico eu – ou seja: explica Eugénio Rosa, a quem continuo a dar, gostosamente, a palavra:

«Devido aos elevados preços que pratica, a EDP tem arrecadado lucros muito elevados, nomeadamente após a entrada em funções do primeiro governo de Sócrates. Em 2005, que foi o 1º ano deste governo, os lucros líquidos da EDP foram superiores em +143,3% aos de 2004; em 2006 em +113,7%; em 2007 em +131,7%; em 2008 em mais 148%; e, em 2009, só nos primeiros 9 meses, os lucros foram superiores aos de 2004 em +89,7%. Se somarmos os lucros líquidos da EDP nos últimos 5 anos e 9 meses, eles totalizam já 5.399,1 milhões de euros a preços correntes (a preços actuais é um valor muito superior). Tudo isto mostra, por um lado, que o Estado perdeu uma fonte importante de receitas com a privatização da EDP; por outro lado, que a EDP privatizada se transformou num instrumento importante de exploração dos consumidores e de acumulação de elevados lucros para o capital privado que já a domina; e, finalmente, a EDP devido aos elevadíssimos lucros que já tem, pode absorver, sem grandes dificuldades, o chamado défice tarifário que está a ser utilizado para "justificar" o aumento do preço que se pretende impor à população. E isto continuando a obter lucros e sem aumentar os preços. Só teria de reduzir um pouco os elevadíssimos lucros que vem arrecadando, o que seria justificável face às dificuldades graves das famílias. Mas será isso que vai suceder? A resposta só poderá ser dada pelo governo, opondo-se ou vergando-se às exigências da EDP e de outras empresas, feitas através da ERSE, que se encontra totalmente refém da EDP».

E para percebermos a marosca toda:

«Para ficar claro os interesses que a ERSE está a defender, interessa referir que no fim de 2008, segundo o Relatório e Contas da EDP (pág.156), 49% do capital desta empresa estratégica já estava nas mãos de accionistas no estrangeiro (Espanha: 15%; Inglaterra:13%; Resto da Europa: 12%; EUA 9%). E, internamente, alguns dos principais accionistas são grandes grupos económicos (BCP com 3,39% do capital; BES: 3,05%; José de Mello com 4,82%). E segundo o art. 67º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, que o governo de Sócrates se tem recusado continuamente a alterar, 50% dos dividendos distribuídos aos seus accionistas por empresas que foram privatizadas (e a EDP é uma delas) estão isentos do pagamento de IRS e de IRC, enquanto os rendimentos do trabalho estão sujeitos a impostos elevados. Os comentários parecem ser desnecessários».

Isto é: a privatização de EDP (e note-se que todas as privatizações são o bolo e a cereja oferecidos pelo poder político aos senhores capitalistas, e uma das imagens de marca indissociáveis das políticas de direita) teve três resultados imediatos – e verdadeiramente dramáticos para a nossa economia e, consequentemente, para a população portuguesa no seu conjunto:

Não contente com isto, Sócrates e o PS ainda mantêm isentos de IRC e IRS 50% dos lucros arrecadas por estes accionistas todos. Mas você e eu, que trabalhamos – ou trabalhámos – no duro, pagamos com língua de palmo sobre tudo aquilo que ganhamos, sejam os nossos miseráveis ordenados, sejam as nossas míseras reformas. Nós não temos estas generosas isenções. No fundo, o assalto resume-se assim: os lucros deles são conseguidos à custa do que nos tiram dos bolsos e, na volta, só pagam impostos sobre metade do que ganharam. Lindo! Maravilhoso «socialismo»!

Depois disto, ainda andará por aí alguém a dizer que o senhor «engenheiro» e o PS são de esquerda? Só se forem – para disfarçar – os Espírito Santo e os Mellos.

Resumindo. Se a EDP fosse uma empresa nacionalizada, teríamos a electricidade muito mais barata e, ainda por cima, os seus lucros – que, mesmo assim, seriam opulentos – serviriam para melhorar, por exemplo, os orçamentos da Saúde e da Educação.

Mas isso seria com políticas de esquerda. Com políticas de direita, é o que se vê. O assalto permanente aos nossos bolsos.

(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 06/01/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

UM CHOQUE DE INDIGNAÇÃO

...
Substitua apenas "povo brasileiro" por "povo português"... Quanto ao resto, assenta que nem uma luva!...


Já vi este video, revi e voltarei a rever vezes sem conta, porque era precisamente isto que eu diria, se soubesse dizer assim. É isto que, dentro das minhas fracas capacidades, ando a (tentar) dizer há anos. É isto que eu não me cansarei de continuar a (tentar) dizer, hoje, amanhã e enquanto me restarem forças.

É para isto que eu chamo a atenção daqueles todos que são honestos mas estão, momentaneamente, reféns de afectos acéfalos e lealdades espúrias e injustificáveis. E só quando a maioria de nós pensar assim - e agir em conformidade - é que o nosso país e o nosso povo poderão aspirar à felicidade.

Eu sei que, como as coisas estão, é mais fácil ser crápula. Mas a escolha é sempre nossa. Que cada um de nós escolha o que desejar ser. Mas que não se irrite se ouvir, depois, o que não lhe agrada. O que não gosta.

(João Carlos Pereira)