quarta-feira, 30 de junho de 2010

SÓCRATES E A MORTE LENTA

...
Afirmei, aqui há tempos, que Sócrates estava a ser cozinhado em fogo lento, e que apenas se aguentava no poder devido à conjuntura partidária. Num país civilizado, onde a Lei e a decência primassem sobre tudo o mais, Sócrates já teria sido demitido, caso não tivesse – como não teve – a dignidade de pedir a demissão, o que é vulgar fazer-se lá por fora quando alguma dúvida surge sob o comportamento ou o carácter de um político. Por muito menos do que as várias e sebentas trapalhadas do senhor engenheiro, demitiram-se, há meses, altos responsáveis políticos na Holanda e na Inglaterra, onde os valores básicos da decência e da dignidade não são, como aqui, totalmente letra morta.

Por cá, país de brandos e – vê-se agora – degenerados costumes, coloca-se o interesse da seita ou da capela acima dos interesses nacionais e, bem pior do que isso, chega-se ao cúmulo de ter a Justiça refém de quem, na altura, detiver o poder político. A recente farsa da comissão que pretendeu avaliar se Sócrates tinha – ou não – mentido à Assembleia da República sobre o caso TVI, é um bom exemplo disso. De posse das escutas que provam, de forma inabalável, que Sócrates mentiu e – bem pior – que esteve desde o início envolvido no processo de afastamento do Moura Guedes e na extinção do seu célebre Jornal de Sexta, a comissão viu-se impedida, pelo seu presidente, Mota Amaral, de as considerar para efeitos de conclusão final. Concluo eu, como concluirá quem ler as transcrições dessas escutas, que Sócrates não só mentiu, como – o que é mais grave – inspirou a golpada e dela sempre esteve a par. Não se provou, mas apenas porque se quis ignorar as provas que ali estavam. Sócrates atentou, como denunciaram os magistrados de Aveiro, contra o estado de direito. A esta abjecção chegámos. Uma vergonha que faz de nós o escárnio do mundo civilizado.

Perguntei certa vez, em carta dirigida ao senhor Presidente da República, porque insondável razão não tomava ele as medidas que a salvaguarda do bom-nome do país exigiam face aos escândalos que, de forma continuada, envolviam o primeiro-ministro. Talvez porque o bom-nome do país já não valesse um cêntimo furado, talvez porque, como sugeri, o PSD ainda estivesse envolvido na sua luta de barões e baronesas, talvez pelas duas coisas ao mesmo tempo, a verdade é que Belém, para além de alfinetar frequentemente Sócrates e o PS, deixou que o vírus do licenciosidade continuasse a infectar o país.

Hoje, à política e à Justiça ninguém dá crédito, somos uma sociedade desmoralizada e descrente, intimamente convencida que o crime compensa e que os criminosos, se forem de colarinho branco, têm as costas quentes. Por isso, os apelos à mobilização e empenhamento das energias dos cidadãos não passam de tiradas idiotas de quem não percebe – ou finge não perceber – que, a nível do poder, ninguém tem moral nem autoridade para pedir seja o que for aos portugueses.

Desacreditado, sem força política e moral, Sócrates, que já tinha há muito desistido de governar, agachou-se, depois, perante os ditames da senhora Merkel, não sendo agora mais do que uma patética marioneta nas mãos de Passos Coelho, a quem – como disse, e bem, Jerónimo de Sousa – faz o trabalho sujo, antes de, como bom estafeta, lhe passar o testemunho.

Entretanto, a política de saque às classes trabalhadoras continua a sua sinistra tarefa. Se os portugueses comuns (os que têm trabalho) já ganhavam, apenas, cerca de metade (55%) do que se ganha na zona Euro, muito pior vão ficar com o PEC e o seu cego e desvairado ataque aos salários e às pensões – ao nosso já fraco poder de compra. Mas curioso é verificar-se que a classe dirigente, onde se concubinam políticos e gestores num bacanal que, nos tempos bíblicos, poderia levar a um banho de enxofre lançado pela implacável divindade, não se faz rogada no que respeita a mordomias salariais. Desta orgia – designação melhor não me ocorre – resulta que os nossos brilhantes gestores recebem, em média, mais 32% do que os americanos, mais 22,5% do que os franceses, mais 55% do que os finlandeses e mais 56,5% do que os suecos. Um fartote.

E se é verdade que a nossa decadência – económica, social, política e moral – resulta das políticas de direita levadas a cabo durante décadas, não é menos verdade que, com Sócrates e o PS, o país se transformou num esgoto a céu aberto.

E agora, com a febre patrioteira arrefecida pela tristonha eliminação frente aos espanhóis, sem Fátima para adormecer os indígenas e com o fado sem voz que o cante, resta-nos assistir, resignados como sempre, à morte lenta do nosso próprio país. Por agora, às mãos de Sócrates. Depois, às mãos de outro qualquer carrasco.


(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 30/06/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

domingo, 27 de junho de 2010

DISCURSO DE UM SOLDADO AMERICANO

Vi e ouvi este vídeo com um arrepio. Nada tenho a acrescentar - ou a retirar - a estas palavras. Creio que elas têm mais valor por serem ditas por um soldado norte-americano. Por um herói norte-americano. Sim, porque é preciso ter muita coragem para as proferir. Será que ainda está em liberdade? Ou vivo? Fichado está, com certeza.

(João Carlos Pereira)


Tenhamos esperança que a consciência deste soldado se possa multiplicar por toda uma América do Norte insensível que faz da guerra o seu principal negócio, sacrificando inocentes em todo o mundo.

(Celino Cunha Vieira)

quarta-feira, 23 de junho de 2010

O HOMEM E OS MONSTROS

...

O presidente da República alheou-se das homenagens fúnebres a José Saramago. Fez bem. Foi coerente. Agiu de acordo com a sua pequenez cívica e cultural. Não apreciava Saramago, nem como homem, nem como escritor. Por razões ideológicas, necessariamente; por insuficiências culturais, com toda a certeza. No homem, não admitia que um José qualquer, vindo de família pobre, um maltrapilho que abriu os olhos para a vida como simples operário (o seu primeiro emprego foi serralheiro mecânico) acabasse por ser mundialmente reconhecido como um dos mais brilhantes faróis da literatura e, contudo, cometesse o desaforo de manter intacta a sua consciência de classe. Que não se aquietasse, que não se rendesse à maravilhosa sociedade de consumo e aos seus mecanismo de exploração e saque. Não suportava que esse Zé-Ninguém insistisse, com lucidez e coragem, em apontar o dedo à ordem económica e social desta sacrossanta sociedade que ele, Cavaco, defende e considera inquestionável.

...

No escritor – e supondo que alguma vez tenha lido uma linha de Saramago – foi incapaz de vislumbrar-lhe o brilho, entender-lhe a ironia, compreender-lhe a estética, reconhecer-lhe a coragem de inovar e a ousadia de ter escolhido, entre a gente comum e anónima, os grandes heróis da sua obra. Cavaco riscou com o lápis azul da sua estreiteza cultural aquilo que não foi capaz de compreender ou que, preconceituosamente, tem como contrário à sua visão da sociedade. Cavaco não esteve lá, nem para ali era chamado, mesmo sendo a principal figura do Estado. Fez bem.

...

Outros estiveram, e melhor fora que não tivessem estado, pois só o fizeram levados na onda de uma hipocrisia sem pudor, guiados pelo oportunismo mais abjecto: aquele que até dos mortos não hesita em se alimentar. Não foram homenagear: foram mostrar-se. Deixemo-los na sua sombria efemeridade, pois o que legarão à posteridade – se alguma coisa legarem – mais não será que um rol de malfeitorias contra o povo de que se nutrem.

...

Saramago esteve sempre nos antípodas desta gente toda. O homem e o escritor não destoam, não conflituam, não se contradizem. Ele é o homem levantado do chão, que se afirma pela coragem de contestar a ordem estabelecida e as verdades – os dogmas – oficiais. Não pelo prazer fácil de contestar, mas pela necessidade vital de pôr tudo em causa, para que aqueles sobre quem elas pesam possam perceber – ou descobrir – se essa ordem e essas verdades não passarão, afinal, de pérfidos sofismas destinados a manter a maioria da humanidade deitada no chão, enquanto as elites financeiras, políticas e religiosas se regalam num banquete que já vem da penumbra dos tempos.

...

Cada livro de Saramago é uma lição de humanidade. E, ao mesmo tempo, um desmontar de mitos, de falácias, de grandes e pequenas intrujices. Mas todos os livros de Saramago destilam, como mel saído dos favos de abelhas selvagens, um amor incondicional pelos espoliados desta vida, sejam eles os incógnitos construtores dos palácios e conventos da realeza e do clero, sejam os operários agrícolas sujeitos à mais infame exploração, sejam os obscuros mangas-de-alpaca das conservatórias poeirentas, sejam as vítimas de uma cegueira colectiva que as encarcera na mais inconcebível das trevas. Foi a nós todos, afinal, que Saramago escolheu para sermos os actores da sua admirável obra. E assim nos disse quanto nos amava e, principalmente, quanto ele era apenas mais um no meio de nós todos. Na mesma trincheira. Na mesma luta. E foi assim até morrer – tanto quanto podem morrer aqueles que, como disse Camões, por obras valorosas, se vão da lei da morte libertando.

...

E que melhor do que as palavras de José Saramago para nos explicar, ao seu estilo, aquilo que tentei dizer?

...

«No fundo, não invento nada, sou apenas alguém que se limita a levantar uma pedra e a pôr à vista o que está por baixo. Não é minha culpa se, de vez em quando, me saem monstros»


(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/06/2010.

Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

A FAMÍLIA

...
Há quem diga, com o ar mais sério deste mundo, que a crise não tem culpados. Que não tem autores. Que é uma coisa que acontece, assim como um sismo… e pronto. Se apertarmos com eles, dizendo que os culpados da crise só podem ser aqueles que têm nas mãos os cordéis da economia e, por isso, cozinham e impõem as políticas económicas, recusam a acusação e, sem saída, balbuciam que a culpa da crise é – vejam lá bem – da conjuntura. O que é isso da conjuntura, como apareceu – porquê e para quê – aí falta-lhes a resposta. Gaguejam, metem os pés pelas mãos e não saem dali. Como só podem estar a reinar com a malta – ou a tomá-la por estúpida – deixem-me também reinar um pouco. Ou não…

Então, lá vai: a Conjuntura é irmã gémea da Crise, e são filhas do senhor Capital Financeiro e da D. Exploração Desenfreada. Vivem no solar da Pura Especulação e têm escritório aberto no Palácio da Bolsa, sito na Alameda da Economia de Mercado. O planeta Terra, na sua quase totalidade, é uma coutada desta distinta família, que tem a seu mando, para gerir tão imenso património, um vasto séquito de serviçais, constituídos por vários presidentes da república, primeiros-ministros, ministros, secretários de estado e senhores deputados – a classe política, enfim – recrutados nos vários centros de emprego da social-democracia mais ou menos liberal, centros estes vulgarmente designados por partidos políticos.

Esta ilustre família (ou, simplesmente, a Família) – cujos interesses, em Portugal, são defendidos, neste momento, pelo Partido Socialista, do notável engenheiro José Sócrates, coadjuvado pelo PSD, do novel doutor Passos Coelho – considerou que era chegado o momento de sangrar um pouco mais o rebanho humano de que se nutre. Mais impostos, menos poder de compra, mais trabalho, menos Saúde, mais desemprego, menos Educação. Mais fome, menos – e pior – vida. Atentos e obsequiosos, os carrascos de serviço não se fizeram rogados, que é para isso mesmo que eles cá estão. Alforge na mão esquerda, garrote na mão direita, o beleguim Teixeira dos Santos lançou-se ao trabalho, tributando a torto e a direito, e ameaçando ir mais longe na sua fúria predatória, caso a Família assim o exija. E, claro, os fustigados se encolham, em vez de espernear.

Vem de longe – de muito longe, mesmo – este gosto da Família em viver sem trabalhar, já que nunca se lhe viu gesto ou traje que do labor tivesse o cheiro. Sabe-se que, outrora, encheu baús de ouro mercadejando escravos ou exaurindo servos da gleba, para depois, já em tempos mais chegados, forçar multidões de camponeses e operários a mourejar de sol a sol, isto sem esquecer que, sempre que tal lhe conveio, de toda esta turba fez soldados, os enfileirou em exércitos para, entre hinos e bandeiras, os lançar no caldeirão da guerra, como verdadeira carne para canhão.

Diz-se, aliás, que é em tempo de guerra que a Família mais aumenta o seu pecúlio, e nisso não é difícil crer, se atentarmos no que sucedeu na Alemanha nazi, onde todos os grandes grupos económicos sobreviveram à guerra sem um arranhão, florescendo entre as ruínas de um país destruído e ceifado de milhões de vidas. Atente-se, também no que aconteceu recentemente no Iraque, onde a Família engordou com o saque e, na mesma remada, a reconstruir o que tinha acabado de mandar destruir.

Mudando de tom: como as coisas estão montadas, a nossa vida será sempre uma sequência de crises, guerras, devastação, saque, recuperação, e outra vez a crise. Enfim, um eterno baralhar e dar de novo. No fim de cada crise, de cada guerra – de cada jogada – os donos do capital financeiro estarão mais ricos e as classes trabalhadoras – os que tudo produzem, afinal – estarão mais pobres. Neste complexo sistema controlado por funâmbulos e ilusionistas, artistas bem pagos de uma comunicação social especializada em lavar o cérebro ao rebanho, apenas uma coisa se torna claramente óbvia: só quando aqueles que produzem toda a riqueza tiverem nas mãos a capacidade de reparti-la, o mundo será mais justo e, naturalmente, as crises serão coisas do passado. Só quando o sistema financeiro for controlado por um poder político que esteja ao serviço das forças produtivas – e só nessa altura – é que viveremos numa sociedade realmente justa e equilibrada.

Foi certamente a pensar nisto que o Partido Comunista Grego colocou uma enorme faixa na Acrópole, dizendo:

POVOS DA EUROPA: UNI-VOS!


(João Carlos Pereira)

Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 16/06/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

COISAS SÉRIAS E UMA ANEDOTA

...
Falemos hoje da receita de Lula da Silva, que salvou o Brasil dos efeitos da crise económica e – mais do que isso – fez o país crescer enquanto os outros definhavam. Falando dessa receita, Lula da Silva até enviou um recado a Durão Barroso, dizendo que se ela fosse aplicada na Europa não estaríamos nós, os europeus, a sofrer o que hoje sofremos. Disse Lula que o que se fez no Brasil foi combater a pobreza, aumentando o poder de compra das classes mais desfavorecidas, invertendo a tendência que se regista nos países do capitalismo puro e duro (como por cá), onde há cada vez mais gente pobre – e a pobreza dos pobres é cada vez maior.

No Brasil, fruto dessa receita, a economia cresceu com o aumento da procura, a produtividade aumentou, a confiança foi-se instalando e, de uma maneira geral, os brasileiros começaram a perceber que vale a pena o esforço quando o sentido da governação aponta para uma sociedade que quer distribuir a riqueza criada de forma menos injusta e desequilibrada. É verdade que o Brasil está longe de ser um modelo de virtudes económicas, políticas e sociais, mas também é verdade que Portugal estaria muito melhor se fosse governado como, nos últimos anos, o Brasil o tem sido. E que a sorte que o Brasil tem é não lhe ter saído nenhum Sócrates e nenhum PS na rifa. Estaria, como nós estamos, completamente atolado.

«… quando Guterres chegou ao Governo, a dívida
rondava os 10% do PIB e, 15 anos depois, com todas
as trafulhices e embrulhadas que sabemos (fora as que
ainda não sabemos) já se deve 120% do PIB. Esta é,
sem espaço para desmentidos, a grande obra
do PS e do PSD»
...
Dito isto, pus-me a pensar se haveria mais alguma coisa para dizer sobre a receita brasileira. Concluí que não. E concluí, para minha surpresa – e com alguma satisfação – que não tenho feito outra coisa, ao longo dos últimos anos, que não seja reclamar, para o meu país, uma política diferente, que, tal como Lula recomenda, ponha a economia ao serviço das pessoas, e não as pessoas ao serviço da economia. Mas isso, digam o que disserem, não será possível com gente como a que nos tem governado, que está ao serviço do capital financeiro – ou dele se deixou fazer refém. E se alguém tem dúvida que as receitas de recuperação económica não passam de meros instrumentos para impor sacrifícios aos que trabalham e produzem, afinal, tudo o que se consome e exporta, basta lembrar que quando Guterres chegou ao Governo, a dívida rondava os 10% do PIB e, 15 anos depois, com todas as trafulhices e embrulhadas que sabemos (fora as que ainda não sabemos) já se deve 120% do PIB. Esta é, sem espaço para desmentidos, a grande obra do PS e do PSD.

Em Portugal, Sócrates e o PS – e, pelos vistos, Passos Coelho e o PSD – dizem que é castigando os salários, aumentando os impostos, mesmo sobre os bens de primeira necessidade, oferecendo o que resta do aparelho produtivo e das empresas estratégicas às mãos gulosas dos interesses privados, ou fechando escolas, urgências hospitalares e centros de saúde que a crise se resolve. Eles sabem, porque burros não são, que foram essas medidas políticas que conduziram, precisamente, ao estado a que a economia chegou, ao alastrar da miséria que por aí vemos, enquanto, no topo da pirâmide social, as fortunas se acumulam de forma nunca vista.

Não acredito que Sócrates e Passos Coelho ignorem que das medidas que impõem só possam resultar mais estagnação económica, maior asfixia do mercado interno, menos actividade produtiva e mais falências. Eles sabem que Lula tem razão, pois PS e PSD estão fartinhos de saber, para lá do discurso aldrabão sobre o «interesse nacional», que estas medidas só convêm aos interesses do grande capital e dos mercados especulativos que, sob o ponto de vista ideológico defendem e, objectivamente, pelas práticas políticas, representam. Eles sabem que a receita de Lula seria melhor para o povo e o país, mas seria pior para o grande capital e para os sectores especulativos da economia que lhe estão associados. No fundo, não passam de miseráveis vende pátrias.

Entretanto, e para a malta se divertir, Sócrates vai inventando medidas políticas autenticamente anedóticas. Desta vez, quer pôr os cábulas do 8.º ano a puderem aceder ao 10.º sem terem de frequentar o 9.º, coisa que, incrivelmente, está vedada aos bons alunos. No fundo, a governo pensa que um cábula de 15 anos, que não dá uma para a caixa, de repente se mete em brios e passa a saber, sem ir às aulas, aquilo que os outros, os bons alunos, são obrigados a gastar um ano para aprender. Estranho que a distinta ministra da Educação, doutora Alçada (que é mesmo doutora a sério) defenda a coisa, que me parece um verdadeiro aborto educativo. Afinal, senhora ministra, para que servem as aulas, a assiduidade, a avaliação contínua e periódica? No fundo, para que servirá o 9.º ano? Ou outro qualquer?

Ou será que se prepara, em nome da redução do défice, algo de verdadeiramente revolucionário? O quê? Fechar as escolas todas, dispensar a maioria dos professores, e pôr a malta a enviar os seus exames por fax.

Perfeitamente normal. Não foi assim que o outro conseguiu ser engenheiro?


(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 09/06/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

DOUTORES (E ENGENHEIROS) HÁ MUITOS

...
Os doutores, em Portugal, são como os chapéus do Vasco Santana: há muitos. De alguns, costumo dizer que não me espanta que se tenham licenciado, mas sim que tenham conseguido fazer o ensino básico. Aliás, com universidades como a UNI, a passar diplomas ao domingo e a aceitar provas de exame por fax, só não se tornou doutor – ou engenheiro – quem não quis. Ou não teve 400 contos, na moeda antiga, para comprar o canudinho…

Há por aí um doutor – que se diz jurista – que tirou certa manhã para ficar em casa a ver ténis pela televisão. Alertado pela prestimosa serviçal, lembrou-se que poderia debitar os seus preciosos conceitos económicos e políticos para uma rádio local, onde as bondades das decisões do governo e do sistema económico em vigor não são devidamente compreendidas. Deixou o match point para depois, entrou em linha e, do alto da sua sapiência, decretou que aos portugueses resta aceitar, de cara alegre, as imposições de Bruxelas e, se calhar, do FMI. Fiquei com a impressão que, mais do que ter como bom o que nos vai cair em cima, considera que ainda é pouco. E disse algo muito certo: Sócrates já não governa o país.

Dias depois, cerca de 300 mil portugueses (mais os muitos milhares que, por isto ou por aquilo, não puderam estar presentes) disseram ao senhor doutor que as coisas não serão bem assim. E veio-me à ideia esta preciosa quadra de António Aleixo:

Uma mosca sem valor
poisa co’a mesma alegria,
na careca dum doutor
como em qualquer porcaria.

Tendo o poeta respondido ao doutor melhor do que eu alguma vez faria, volto-me para as coisas realmente sérias da nossa vida. Entregue a economistas, advogados e engenheiros (um deles de faz-de-conta, mas deixemos isso…) Portugal tem vindo a definhar década após década. Começou com Soares, passou por gente como Cavaco, Guterres, Durão e Santana, para, desgraçadamente, chegar a um tal José Sousa, mais conhecido por Sócrates, seguramente o sujeito mais desqualificado que alguma vez se sentou no cadeirão de S. Bento, chefes do fascismo incluídos. Basta atentar no descalabro económico, político, social e moral que por aí vai.

Todos eles, sem excepção, apostaram no modelo económico neoliberal, vendendo ao desbarato a interesses privados, tanto nacionais como estrangeiros, as alavancas essenciais ao nosso desenvolvimento. Como resultado, enquanto o país empobrecia e ficava refém dos grandes mercadores e dos especuladores da alta finança, a dívida pública e a dependência do estrangeiro asfixiavam a economia. Atidos à imensa gula dos grandes grupos económicos e do capital financeiro, que tratam o país como se uma coutada sua fosse, os governos do PS e do PSD, à vez, provocaram o empobrecimento acelerado das classes trabalhadoras, alargando o fosso entre ricos e pobres. Nunca, nem nos tempos amargos da ditadura fascismo, a repartição da riqueza produzida (entre o Capital e o Trabalho) foi tão desproporcionada como agora o é.

Sem poder de compra, devido aos baixos salários e ao desemprego – e afogados em dívidas que, na maior parte dos casos, foram aliciados a contrair para atenuar a penúria que a desvalorização dos salários provocava – aos portugueses resta o apertar ainda mais do cinto e, simplesmente, vegetar. Como consequência, o consumo vai cair para níveis insustentáveis, o que provocará mais falências e, inevitavelmente, mais desemprego, mais fome, mais miséria. E se os economistas, doutores e engenheiros que nos têm governado nos levaram, décadas a fio, a um crescimento económico residual, ou mesmo nulo – como aconteceu nos primeiros dez anos deste século – o que aí vem só não será mais do mesmo por uma simples razão: vai ser muito pior.

Com as actuais políticas, o dia de amanhã será pior que o dia de hoje, e cada geração será mais pobre que a geração anterior. Entretanto, no topo da pirâmide social, os agiotas da alta finança esfregam as mãos. Nunca a vida lhes correu tanto de feição. Por isso, enquanto se esgotam automóveis e condomínios de luxo, o Banco Alimentar Contra a Fome não tem mãos a medir.

E doutor que não vir isto, das duas, uma: ou é parvo, ou faz parte da pandilha.

Ou as duas coisas ao mesmo tempo, sei lá…




(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 02/06/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.