quarta-feira, 2 de junho de 2010

DOUTORES (E ENGENHEIROS) HÁ MUITOS

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Os doutores, em Portugal, são como os chapéus do Vasco Santana: há muitos. De alguns, costumo dizer que não me espanta que se tenham licenciado, mas sim que tenham conseguido fazer o ensino básico. Aliás, com universidades como a UNI, a passar diplomas ao domingo e a aceitar provas de exame por fax, só não se tornou doutor – ou engenheiro – quem não quis. Ou não teve 400 contos, na moeda antiga, para comprar o canudinho…

Há por aí um doutor – que se diz jurista – que tirou certa manhã para ficar em casa a ver ténis pela televisão. Alertado pela prestimosa serviçal, lembrou-se que poderia debitar os seus preciosos conceitos económicos e políticos para uma rádio local, onde as bondades das decisões do governo e do sistema económico em vigor não são devidamente compreendidas. Deixou o match point para depois, entrou em linha e, do alto da sua sapiência, decretou que aos portugueses resta aceitar, de cara alegre, as imposições de Bruxelas e, se calhar, do FMI. Fiquei com a impressão que, mais do que ter como bom o que nos vai cair em cima, considera que ainda é pouco. E disse algo muito certo: Sócrates já não governa o país.

Dias depois, cerca de 300 mil portugueses (mais os muitos milhares que, por isto ou por aquilo, não puderam estar presentes) disseram ao senhor doutor que as coisas não serão bem assim. E veio-me à ideia esta preciosa quadra de António Aleixo:

Uma mosca sem valor
poisa co’a mesma alegria,
na careca dum doutor
como em qualquer porcaria.

Tendo o poeta respondido ao doutor melhor do que eu alguma vez faria, volto-me para as coisas realmente sérias da nossa vida. Entregue a economistas, advogados e engenheiros (um deles de faz-de-conta, mas deixemos isso…) Portugal tem vindo a definhar década após década. Começou com Soares, passou por gente como Cavaco, Guterres, Durão e Santana, para, desgraçadamente, chegar a um tal José Sousa, mais conhecido por Sócrates, seguramente o sujeito mais desqualificado que alguma vez se sentou no cadeirão de S. Bento, chefes do fascismo incluídos. Basta atentar no descalabro económico, político, social e moral que por aí vai.

Todos eles, sem excepção, apostaram no modelo económico neoliberal, vendendo ao desbarato a interesses privados, tanto nacionais como estrangeiros, as alavancas essenciais ao nosso desenvolvimento. Como resultado, enquanto o país empobrecia e ficava refém dos grandes mercadores e dos especuladores da alta finança, a dívida pública e a dependência do estrangeiro asfixiavam a economia. Atidos à imensa gula dos grandes grupos económicos e do capital financeiro, que tratam o país como se uma coutada sua fosse, os governos do PS e do PSD, à vez, provocaram o empobrecimento acelerado das classes trabalhadoras, alargando o fosso entre ricos e pobres. Nunca, nem nos tempos amargos da ditadura fascismo, a repartição da riqueza produzida (entre o Capital e o Trabalho) foi tão desproporcionada como agora o é.

Sem poder de compra, devido aos baixos salários e ao desemprego – e afogados em dívidas que, na maior parte dos casos, foram aliciados a contrair para atenuar a penúria que a desvalorização dos salários provocava – aos portugueses resta o apertar ainda mais do cinto e, simplesmente, vegetar. Como consequência, o consumo vai cair para níveis insustentáveis, o que provocará mais falências e, inevitavelmente, mais desemprego, mais fome, mais miséria. E se os economistas, doutores e engenheiros que nos têm governado nos levaram, décadas a fio, a um crescimento económico residual, ou mesmo nulo – como aconteceu nos primeiros dez anos deste século – o que aí vem só não será mais do mesmo por uma simples razão: vai ser muito pior.

Com as actuais políticas, o dia de amanhã será pior que o dia de hoje, e cada geração será mais pobre que a geração anterior. Entretanto, no topo da pirâmide social, os agiotas da alta finança esfregam as mãos. Nunca a vida lhes correu tanto de feição. Por isso, enquanto se esgotam automóveis e condomínios de luxo, o Banco Alimentar Contra a Fome não tem mãos a medir.

E doutor que não vir isto, das duas, uma: ou é parvo, ou faz parte da pandilha.

Ou as duas coisas ao mesmo tempo, sei lá…




(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 02/06/2010.
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