Assustada com a infantilidade, a rapaziada social-democrata voltou a agitar-se e a pensar que esta laranja, afinal, parece ter secado muito depressa. Que era, como sempre me pareceu, mais casca do que sumo. Não que as medidas propostas sejam coisas que desagradem aos barões das setinhas, mas porque o momento para esfolar não é propriamente este, em que a vítima ainda dá sinais de vida. A falta de maturidade, se desculpável num dirigente da JSD, não pode deixar de afligir aqueles que confiavam no rapaz para voos mais altos. Ou seja: Passos Coelho, como político fiável, esgotou-se à velocidade da luz. O Síndroma de Peter explica estas coisas.
Entretanto, um Sócrates desacreditado e um PS sem saber que mais pode fazer sem pôr em causa a sua maioria relativa, tentam encontrar no PSD a tábua de salvação que lhe permita partilhar o desgaste provocado pelas medidas de sangria que, em nome do grande capital, querem acrescentar ao PEC. E se PS e PSD estão de acordo nesse sangrar, divide-os a necessidade de o fazerem sem se chamuscarem excessivamente, tentando que seja sempre o outro a ficar com o ónus do crime. Na verdade, o que os divide é saberem que as gamelas do poder só podem sustentar um deles de cada vez. Como sempre, não é o país que está em causa – nunca foi – mas o assalto ao poleiro. E o que o poleiro traz consigo.
Entretanto, o desemprego cresce. A economia asfixia, porque a procura diminui com a crescente falta de poder de compra da imensa maioria da população. O comércio cambaleia, e multiplica os saldos e as promoções a que ninguém adere, porque nem para isso há dinheiro. O sector produtivo baixa a produção, ou produz para as prateleiras. O défice não pára de subir. O endividamento do Estado e das famílias atinge níveis insustentáveis. Aquilo que, aqui há uns anos, se adquiria sem se pensar, como um jornal ou uma bica, deixou de fazer parte dos hábitos da maioria dos portugueses. Os cafés, outrora bem compostos de clientela em qualquer época do ano, e a qualquer hora do dia, estão agora às moscas.
PS e PSD, que têm governado o país nos últimos 34 anos, a isto nos conduziram. Reconhecem a crise, porque são pais dela. Todos os dias a alimentam, todos os dias ela lhes serve de pretexto para saquear um pouco mais. No entanto, numa tresloucada fuga para a frente, defendem as cabeças bem pensantes que serão PS e PSD a salvar o país. E garantem outros, apenas porque não pensam nada, que as escolhas do povo são sempre acertadas. A vida prova o contrário, mas a imbecilidade não tem a noção do ridículo.
Neste contexto depressivo, uma nota grotesca: querem abrir as grandes superfícies ao domingo. Todo o dia. Que vão ser criados mais postos de trabalho, que se deve respeitar o consumidor, as necessidades das famílias. Seria de rir às gargalhadas, se a situação não fosse trágica. Então, haverá alguém que passe a comprar, ao domingo à tarde, aquilo que não comprou durante a semana? Se sim, como viveu até agora? Vai comprar-se mais? Com que dinheiro? Só se ao domingo à tarde os produtos forem mais baratos...
Na verdade – e mais uma vez – esta é uma decisão que só interessa aos grandes grupos económicos (SONAE e Jerónimo Martins, por exemplo) que, insatisfeitos com a louca acumulação de lucros dos últimos anos, querem esmagar o que resta do comércio tradicional, forçar os trabalhadores a cargas horárias insuportáveis (é para isso que encomendaram o Código do Trabalho) e sem mais encargos com o pessoal.
Mas a vilanagem está nas suas sete quintas. Por enquanto – e pelo que se vê e ouve – não passamos de um país de eunucos.
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 28/07/2010.
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