quarta-feira, 28 de julho de 2010

OS EUNUCOS


O doutor Passos Coelho deslumbrou-se. Cheio de si, e após um período inicial em que obrigou Sócrates e vir comer-lhe à mão, julgou que tudo eram favas contadas. As sondagens ajudaram ao deslumbramento. Deleitado com os louros – e enquanto Sócrates não cai de podre – passou-lhe pela cabeça que já podia deixar-se de cuidados. Julgando ter o país na mão, atirou-se à Constituição, ao Serviço Nacional de Saúde, à Educação, às já de si precárias relações de trabalho, enfim, a tudo o que ainda resta do sentido social da lei fundamental nascida do 25 Abril de 1974 – e mesmo de algumas coisas que já eram garantidas pelo regime fascista. Se até agora Sócrates tinha dito mata, Coelho pensou que já podia dizer esfola. Foi um tiro na canela e, ao mesmo tempo, o entregar do ouro ao bandido da concorrência. Sócrates e o PS respiraram um pouco melhor.

Assustada com a infantilidade, a rapaziada social-democrata voltou a agitar-se e a pensar que esta laranja, afinal, parece ter secado muito depressa. Que era, como sempre me pareceu, mais casca do que sumo. Não que as medidas propostas sejam coisas que desagradem aos barões das setinhas, mas porque o momento para esfolar não é propriamente este, em que a vítima ainda dá sinais de vida. A falta de maturidade, se desculpável num dirigente da JSD, não pode deixar de afligir aqueles que confiavam no rapaz para voos mais altos. Ou seja: Passos Coelho, como político fiável, esgotou-se à velocidade da luz. O Síndroma de Peter explica estas coisas.

Entretanto, um Sócrates desacreditado e um PS sem saber que mais pode fazer sem pôr em causa a sua maioria relativa, tentam encontrar no PSD a tábua de salvação que lhe permita partilhar o desgaste provocado pelas medidas de sangria que, em nome do grande capital, querem acrescentar ao PEC. E se PS e PSD estão de acordo nesse sangrar, divide-os a necessidade de o fazerem sem se chamuscarem excessivamente, tentando que seja sempre o outro a ficar com o ónus do crime. Na verdade, o que os divide é saberem que as gamelas do poder só podem sustentar um deles de cada vez. Como sempre, não é o país que está em causa – nunca foi – mas o assalto ao poleiro. E o que o poleiro traz consigo.

Entretanto, o desemprego cresce. A economia asfixia, porque a procura diminui com a crescente falta de poder de compra da imensa maioria da população. O comércio cambaleia, e multiplica os saldos e as promoções a que ninguém adere, porque nem para isso há dinheiro. O sector produtivo baixa a produção, ou produz para as prateleiras. O défice não pára de subir. O endividamento do Estado e das famílias atinge níveis insustentáveis. Aquilo que, aqui há uns anos, se adquiria sem se pensar, como um jornal ou uma bica, deixou de fazer parte dos hábitos da maioria dos portugueses. Os cafés, outrora bem compostos de clientela em qualquer época do ano, e a qualquer hora do dia, estão agora às moscas.

PS e PSD, que têm governado o país nos últimos 34 anos, a isto nos conduziram. Reconhecem a crise, porque são pais dela. Todos os dias a alimentam, todos os dias ela lhes serve de pretexto para saquear um pouco mais. No entanto, numa tresloucada fuga para a frente, defendem as cabeças bem pensantes que serão PS e PSD a salvar o país. E garantem outros, apenas porque não pensam nada, que as escolhas do povo são sempre acertadas. A vida prova o contrário, mas a imbecilidade não tem a noção do ridículo.

Neste contexto depressivo, uma nota grotesca: querem abrir as grandes superfícies ao domingo. Todo o dia. Que vão ser criados mais postos de trabalho, que se deve respeitar o consumidor, as necessidades das famílias. Seria de rir às gargalhadas, se a situação não fosse trágica. Então, haverá alguém que passe a comprar, ao domingo à tarde, aquilo que não comprou durante a semana? Se sim, como viveu até agora? Vai comprar-se mais? Com que dinheiro? Só se ao domingo à tarde os produtos forem mais baratos...

Na verdade – e mais uma vez – esta é uma decisão que só interessa aos grandes grupos económicos (SONAE e Jerónimo Martins, por exemplo) que, insatisfeitos com a louca acumulação de lucros dos últimos anos, querem esmagar o que resta do comércio tradicional, forçar os trabalhadores a cargas horárias insuportáveis (é para isso que encomendaram o Código do Trabalho) e sem mais encargos com o pessoal.

Mas a vilanagem está nas suas sete quintas. Por enquanto – e pelo que se vê e ouve – não passamos de um país de eunucos.

(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 28/07/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.
Também pode comentar para o
Jornal Comércio do Seixal e Sesimbra.

6 comentários:

Luis Fernandes disse...

E enquanto isto, o BES anunciou que no 1.º semestre deste ano teve um lucro mensal de um milhão e meio de euros, o que representa um aumento de 14% em relação ao mesmo período do ano passado.
E como neste país parece que em termos económicos só a banca está de saúde, qual terá sido o resultado das outras instituições que nada produzem a não ser agiotagem e especulação?
Não importa que eles explorem quem mais necessita e o governo fecha os olhos e concede-lhes benefícios fiscais para que possam pagar menos impostos que as demais empresas, porque qualquer politicozeco aspira chegar à administração de um deles. Assim vai a nossa “democracia”.

António Carlos disse...

Hoje estou muito satisfeito.
Finalmente fez-se negócio com a Telefónica e a PT, mesmo depois de comprar uma parte da “OI”, ainda lhe sobra 3.850 mil milhões de euros. Por isso e se as contas não me falham, dá qualquer coisa como quase 80.000 contos (na moeda antiga) a cada português.
Crise, qual crise? Foi o euromilhões que nos saiu e agora é preciso é que digam como havemos de receber a maquia.

Monte Cristo disse...

A floresta está aí, à nossa frente, mas só conseguimos ver pequenas árvores e ervas. A política e a alta finança - ou vice-versa - são uma coisa, e o país e a população comum são outra. São dois mundos diferentes.
Aceitamos isto como os indianos (muitos, indianos) aceitam as vacas sagradas. Rimo-nos deles, criticamos a sua incapacidade para abrirem a mente, mas agimos de igual maneira em relação ao poder político e ao poder económico.

Enquanto assim for, não passaremos de humanóides. E era tão simples sermos humanos...

J.S. Teixeira disse...

Os partidos da direita (PS, PSD e CDS) utilizam o dinheiro do PEC para pagarem submarinos enquanto os portugueses têm cada vez mais dificuldades em sobreviver.

Saibam mais acerca deste assunto no blogue O Flamingo.

Tenho dito.

J.S. Teixeira disse...

Vejam como se desmascara facilmente a hipocrisia do Partido Socialista e dos seus mais "destacados" militantes no blogue O Flamingo.

Tenho dito.

OFLAMINGO disse...

Passarona passarona ainda estamos á espera que desmascares a HIPOCRISIA dos teus patrões ??