Acabem com o resto. Rapidamente e em força, como dizia o outro. Aproveitem agora, que o povo já mostrou que está disposto a deixar-se cavalgar como besta acéfala e inofensiva. Espetem as esporas até ao osso. Até ao tutano, se for possível. Bem fundo. Sem dó nem piedade. Aproveitem, que os tempos correm de feição.
Não precisam, sequer, de dar explicações, de inventar pretextos, de engendrar desculpas. O défice? As contas públicas? O petróleo? A crise económica? A conjuntura? Tudo junto? Não! Não precisam de mentir mais, de lançar mais poeira para o ar, de fantasiar mais imposturas. A ralé aceita tudo sem pensar, sem um gemido, sem um coice. Já está domada, amorfa, conformada. Basta-lhe um telemóvel para dedilhar mensagens vãs, uma televisão que debite futebol e programas imbecilizantes, macacadas sonoras e coloridas. Mantenham, apenas, a farsa das discussões parlamentares, para que paire nas nossas mentes a vaga e ilusória ideia de haver alguém preocupado connosco. Que a democracia existe e funciona. E, por consequência, que tudo é democrático. Que tudo é legítimo. Que tudo é, logicamente, incontestável.
Aproveitem já, que o povo está sereno, é compreensivo e, principalmente, passivo. Levem o resto. Reforma? Só aos setenta. Ou mais! Férias pagas? Subsídios de férias e de Natal? Nem pensar! São luxos incomportáveis com a saúde da economia. Ordenados? Salários? Retribuições? Só o indispensável para se aplicar a carga fiscal conveniente e, claro, permitir os gastos necessários à manutenção da energia suficiente para continuar a trabalhar. Horários? À hora que as entidades patronais quiserem, quantas horas quiserem, nos dias que quiserem. De dia ou de noite, sem distinção.
Avancem já com todas as medidas destinadas a salvar a Pátria. Risquem do léxico a expressão «direitos dos trabalhadores». Isso não existe. O que existe são regalias imorais – e foram elas que levaram o país à bancarrota. Os trabalhadores só têm um direito – e mesmo assim condicionado à oferta existente no mercado: o direito de trabalhar. Que é, apenas, a patriótica obrigação de produzir riqueza. E por aí devem ficar. O resto, especialmente a repartição dessa riqueza, é com as elites competentes, os cérebros cintilantes que conduzem a economia e a política. Democraticamente, ressalve-se.
E, democraticamente, taxem tudo o que for possível taxar. Fixem portagens em todas as vias públicas – estradas, caminhos, azinhagas, becos e vielas. Taxem os jardins, tendo o cuidado de, no Verão, agravar os preços nas zonas de sombra, pois não é justo que os que estão ao sol paguem o mesmo que os que se protegem das inclemências estivais. No Inverno, contudo, agravem os espaços banhados pelo sol, pois quem se quer aquecer não deve fazê-lo gratuitamente. Universalizem, a bem da nação, o sagrado princípio do utilizador, pagador, para que a moralidade impere e a justiça não seja palavra vã.
E, principalmente, privatizem tudo. O resto. Privatizem todo o chão, incluindo o chão dos cemitérios, toda a água doce, todo o ar respirável. Privatizem o vento, as nuvens, os mares e a luz do luar e das estrelas. Não deixem nada de fora da furiosa maré privatizadora, pois só quando todo Portugal for uma imensa sanzala é que, finalmente, a paz reinará sobre este canteiro à beira-mar plantado.
Vá lá, «engenheiro» Sócrates. Vá lá, doutor Passos Coelho, Vá lá professor Cavaco Silva. Deixem-se de pruridos, de hesitações, de manobras calculistas. Acabem depressa com o que resta. Digam que o 25 de Abril foi um equívoco trágico. Digam, sem papas na língua, que a Constituição da República é um entrave à salvação do país. Reneguem-na, revoguem-na, rasguem-na. Digam, sem rodeios, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um texto lírico e obsoleto.
Vá lá, ilustres democratas, digam aos portugueses que eles só existem para sustentar a magnífica opulência dos donos da sanzala.
Vá lá. Falem verdade uma vez na vida.
Não precisam, sequer, de dar explicações, de inventar pretextos, de engendrar desculpas. O défice? As contas públicas? O petróleo? A crise económica? A conjuntura? Tudo junto? Não! Não precisam de mentir mais, de lançar mais poeira para o ar, de fantasiar mais imposturas. A ralé aceita tudo sem pensar, sem um gemido, sem um coice. Já está domada, amorfa, conformada. Basta-lhe um telemóvel para dedilhar mensagens vãs, uma televisão que debite futebol e programas imbecilizantes, macacadas sonoras e coloridas. Mantenham, apenas, a farsa das discussões parlamentares, para que paire nas nossas mentes a vaga e ilusória ideia de haver alguém preocupado connosco. Que a democracia existe e funciona. E, por consequência, que tudo é democrático. Que tudo é legítimo. Que tudo é, logicamente, incontestável.
Aproveitem já, que o povo está sereno, é compreensivo e, principalmente, passivo. Levem o resto. Reforma? Só aos setenta. Ou mais! Férias pagas? Subsídios de férias e de Natal? Nem pensar! São luxos incomportáveis com a saúde da economia. Ordenados? Salários? Retribuições? Só o indispensável para se aplicar a carga fiscal conveniente e, claro, permitir os gastos necessários à manutenção da energia suficiente para continuar a trabalhar. Horários? À hora que as entidades patronais quiserem, quantas horas quiserem, nos dias que quiserem. De dia ou de noite, sem distinção.
Avancem já com todas as medidas destinadas a salvar a Pátria. Risquem do léxico a expressão «direitos dos trabalhadores». Isso não existe. O que existe são regalias imorais – e foram elas que levaram o país à bancarrota. Os trabalhadores só têm um direito – e mesmo assim condicionado à oferta existente no mercado: o direito de trabalhar. Que é, apenas, a patriótica obrigação de produzir riqueza. E por aí devem ficar. O resto, especialmente a repartição dessa riqueza, é com as elites competentes, os cérebros cintilantes que conduzem a economia e a política. Democraticamente, ressalve-se.
E, democraticamente, taxem tudo o que for possível taxar. Fixem portagens em todas as vias públicas – estradas, caminhos, azinhagas, becos e vielas. Taxem os jardins, tendo o cuidado de, no Verão, agravar os preços nas zonas de sombra, pois não é justo que os que estão ao sol paguem o mesmo que os que se protegem das inclemências estivais. No Inverno, contudo, agravem os espaços banhados pelo sol, pois quem se quer aquecer não deve fazê-lo gratuitamente. Universalizem, a bem da nação, o sagrado princípio do utilizador, pagador, para que a moralidade impere e a justiça não seja palavra vã.
E, principalmente, privatizem tudo. O resto. Privatizem todo o chão, incluindo o chão dos cemitérios, toda a água doce, todo o ar respirável. Privatizem o vento, as nuvens, os mares e a luz do luar e das estrelas. Não deixem nada de fora da furiosa maré privatizadora, pois só quando todo Portugal for uma imensa sanzala é que, finalmente, a paz reinará sobre este canteiro à beira-mar plantado.
Vá lá, «engenheiro» Sócrates. Vá lá, doutor Passos Coelho, Vá lá professor Cavaco Silva. Deixem-se de pruridos, de hesitações, de manobras calculistas. Acabem depressa com o que resta. Digam que o 25 de Abril foi um equívoco trágico. Digam, sem papas na língua, que a Constituição da República é um entrave à salvação do país. Reneguem-na, revoguem-na, rasguem-na. Digam, sem rodeios, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um texto lírico e obsoleto.
Vá lá, ilustres democratas, digam aos portugueses que eles só existem para sustentar a magnífica opulência dos donos da sanzala.
Vá lá. Falem verdade uma vez na vida.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 14/07/2010.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.
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3 comentários:
Este texto é muito perigoso, principalmente porque está a dar ideias aos iluminados que se calhar ainda as não tiveram.
Por isso desde já responsabilizo o seu autor caso estas medidas venham a ser aplicadas.
É que de um governo como aquele que temos, tudo se pode esperar.
Não culpem só o Governo pelo que pagamos. A Câmara Municipal do Seixal cobra-nos no recibo da água mais taxas do que aquilo que consumimos do precioso líquido.
Neste caso concreto, nem o princípio do utilizador-pagador prevalece, já que podemos gastar pouca água, mas os impostos mascarados de taxas são enormes. E até hoje ninguém sabe explicar aquelas contas que nunca batem certo. Os funcionários dizem que aquilo é feito pelo “sistema informático” e isso é uma coisa medonha, sem rosto, que serve de desculpa para sacar mais dinheiro aos munícipes que têm de comer(beber) e calar.
Também por isto me apetece gritar.
O que se põe em causa nesta crónica não é (só) o governo. É o poder político, no seu todo. Sócrates, Passos Coelho e Cavaco são os símbolos actuais desse poder. Mas se dermos uma volta pelas autarquias veremos como eles se parecem todos uns com os outros. Chegados ao poleiro, esquecem os princípios, os valores e tornam-se (no mínimo) uns tecnocratas de primeira água. Olham distanciadamente para o povo, defendem, sem pudor, o princípio do «consumidor, pagador», tratam da sua vidinha antes do mais, passeiam a gravata, o fatinho e o BMW, exigem ser tratados por «senhor presidente», e «por aqui me sirvo».
É o que eu digo: a Democracia é a maior - e melhor - entidade empregadora e de Segurança Social. É só ver como eles se reformam cedo - e bem. E, claro, como eles apresentam a factura ao povo. Sim, sim; também através da factura da água
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