Olho para Sócrates e Passos Coelho, e sinto uma náusea profunda. É a isto – a estes dois fedelhos – que estamos entregues? São estes dois palradores encartados, meros chupistas de uma democracia viciada, que vão decidir o nosso futuro? São estes dois funâmbulos da política que vão determinar a minha vida – a vida de todos nós? São estes dois produtos do sistema capitalista, sistema devasso e em permanente estertor – e que só sobrevive à custa do nosso sangue, do nosso suor e das nossas lágrimas – que têm as receitas para devolver aos portugueses o que lhes andam a roubar há anos? São os dois partidos a que pertencem – e que há décadas estão, em alternância, no poder – que podem agora, sozinhos ou de braço dado, salvar a Pátria que, pelo que se vê, têm vindo a destruir? Não me façam rir!
Olho para Sócrates e pergunto em que país este fulano podia ser primeiro-ministro ou, sequer, presidente da mais insignificante junta de freguesia? Concluo que em nenhum país digno desse nome, salvo nesta espécie de roça, ou favela, onde os brandos costumes dos indígenas, a par da sua proverbial falta de exigência e de coluna vertebral, tudo admitem. Só aqui pode governar um pinoca aperaltado, que trepou na vida política à conta do parlapié e de habilidades várias, engenheiro feito à pressa, sempre aos pontapés na verdade e na decência, um político que representa o que a política pode ter de mais sórdido e de perverso. Depois de quatro anos de maioria absoluta, e um ano depois de voltar a ganhar as eleições, o que Sócrates tem para oferecer aos portugueses é um país com a maior dívida pública de sempre, o maior endividamento externo de sempre, taxas de juro sufocantes, a maior carga fiscal de sempre, o maior desemprego de sempre.
Olho para Passos Coelho e começo a vê-lo como um Sócrates a quem falta a tarimba, seguidor dos mesmos credos neoliberais, talvez menos disposto à aldrabice rasteira do seu émulo, mas também todo ele discurso e prosápia. Mas – diga-se a verdade – com um diploma de habilitações académicas sobre o qual não recaem quaisquer suspeitas. Um diploma a sério. Verdadeiro.
Olho para estes dois garotos e vejo um deles – Sócrates – à espera que o outro lhe dê a mão que precisa para poder sangrar melhor a vítima do costume. Para ter alguém com quem repartir as culpas. E vejo o outro – Passos Coelho – danadinho por que seja Sócrates a dar o golpe, mas não querendo ser tido nem achado na matança que aí vem.
Como pano de fundo, a crise; o desequilíbrio das contas públicas; a insolvência; a bancarrota; o FMI. Enfim, os papões do costume. Segundo eles, tudo se vai resolver com o próximo orçamento. O PS quer aumentar ainda mais os impostos. O PSD diz que não é preciso: que se corte apenas na despesa. Nenhum deles, no entanto, põe o dedo na ferida. Se o país está tão mal, quem o pôs assim? Não foram as políticas que, há muitos anos, o PS, o PSD e o prestimoso CDS/PP levaram a efeito – ora agora governo eu, ora agora governas tu – e não se cansam de apregoar como as melhores do mundo e as únicas possíveis? É, então, com as mesmas políticas – e com as mesmas receitas para resolver as eternas crises – que a coisa agora vai lá?
Nenhum deles diz, porque as respectivas seitas vivem disso mesmo, que o aparelho do estado está cheio de parasitas – de chulos, como lhes chamam os mais soltos de língua – de clientelas partidárias, a sorver milhões através dos institutos para isto e para aquilo, das fundações para os mais inacreditáveis objectivos, ou para objectivos que, no âmbito dos ministérios, se resolveriam ao nível de direcção-geral ou secretaria de estado, o que até seria uma excelente ideia, já que apregoam que há funcionários públicos a mais. É através deste nauseabundo esquema de compadrio e concessão de mordomias que o Bloco Central (PS, PSD e, em menos quantidade, o CDS/PP) dão tacho aos seus rapazes e raparigas, já para não falarmos na chusma de assessores, adjuntos, secretários, motoristas e quejandos, que pululam em tudo o que é entidade pública, consumindo o que falta para investir na Saúde, no Ensino ou na Segurança Social. Congelam-se os salários de quem trabalha, ameaça-se saquear o subsídio de Natal, corta-se nos subsídios sociais de quem mais precisa, aumenta-se o preço dos medicamentos, não respeitando, sequer, aos idosos e carenciados, mas abrem-se os cofres públicos para sustentar milhares de calaceiros, cujo único mérito é terem o cartão partidário apropriado.
Fala-se, então, em aumentar os impostos e cortar nas prestações sociais. E em congelar – ou baixar – os salários. Mas não se fala em acabar com a imoralidade que é, à sombra dos partidos, enxamear o Estado com organismos que apenas servem para dar tacho a um enorme bando de inúteis. E menos se fala em produzir mais cereais, mais carne, mais leite, em incrementar as pescas, em desenvolver a actividade industrial, nomeadamente as indústrias extractiva, siderúrgica e metalomecânica. Mas aí já sabemos porquê: Bruxelas – a nossa querida Europa – não deixa.
É por isso que olho para Sócrates e Passos Coelho e sinto nojo. Nojo e vergonha por pertencer a um povo que se deixa filar por gente deste calibre. São dois garotos, é certo. Mas são dois garotos perigosos.
Muito perigosos.
(João Carlos Pereira)
Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 29/09/2010.
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