quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

OS INGRATOS


Os democratas andam indignadíssimos. Segundo parece, muitos milhares de pessoas já subscreveram um documento que pretende mobilizar um milhão de portugueses para, um dia destes, na Av. da Liberdade, se exigir a demissão da toda a classe política. Que desaforo! Que irresponsabilidade! Que falta de respeito pela democracia representativa e aquilo que ela tem de mais ilustrativo e válido: os partidos políticos.

Então, cabe na cabeça de alguém que o povo se manifeste assim ou assado, sem ser pela trela de um partido qualquer? Afinal, para que é que servem os partidos e os políticos? Quem é que percebe de política? Quem é que percebe de economia? Quem é que percebe de questões sociais? Quem é que diz como – e quando – é que se protesta ou apoia? Quem é que decide se o povo está satisfeito ou revoltado? E como se esta indisciplina desrespeitosa não bastasse, ainda se atrevem a exigir a «demissão de toda a classe política»?! Isto já não é só indisciplina, irresponsabilidade e ingratidão. Isto é uma autêntica blasfémia!

Ai, estão fartos da classe política? Estão fartos dos homens e mulheres que, desinteressadamente – e com prejuízo da sua vida privada – se têm dedicado a servir o país. Estão fartos dos democratas que, especialmente após o 25 de Novembro, puseram o país dos eixos e o tornaram respeitado na Europa e no mundo. Mas, afinal, acusam os políticos de quê? Da montanha de desempregados? Dos baixos salários e pensões? Do trabalho precário? Das contas públicas de pantanas? De uma agricultura raquítica? Das pescas à deriva? De uma indústria paraplégica? Da economia em estado de coma? Da virose da corrupção? Do compadrio, do amiguismo e da multidão de chupistas que infestam o aparelho do Estado? De uma Justiça que retira a venda antes de baixar a espada, não vá justiçar um engenheiro qualquer? De políticas de Saúde, que parecem saídas de manuais de exterminação selectiva? Da fome de milhões e da opulência de uns tantos?

Ai, povo estúpido, que não percebes nada de política, nem de democracia e democratas. A classe política está farta de te explicar que não tem culpa nenhuma no estado a que o país chegou. Garantiram-no já, várias vezes – e sem se rir – os mais prestigiados democratas. Garantiram-no o doutor Soares, o professor Cavaco, o engenheiro Guterres, o doutor Durão mais o doutor Santana e, principalmente, está a garanti-lo o engenheiro Sócrates. Que mais é preciso? Eles são a nata da nossa vida social e política. Gente mais séria e competente não há, nem há-de haver! Ponto final.

Sabes, povinho bruto, o que é o Parlamento? Nunca viste e ouviste como a classe política ali sua a estopinhas, há mais de trinta anos, para te dar uma vida regalada e resolver os teus problemas? É claro que não se consegue resolver tudo num dia, nem em dois, nem num ano, nem em dez, nem em vinte, mas é preciso dar tempo ao tempo.

Por isso, tem calma, povo. Amocha, que é o que tu sabes fazer melhor. É contigo a amochar que o país se desenvolve, como todos estamos a ver e a sentir. Aliás, já era assim no tempo da ditadura. E se a aguentaste 48 anos com os teus brandos costumes, era agora, ao fim de apenas trinta e tal, que ias perder as maneiras?

E tu, minha querida classe política, não te preocupes. Continua a engordar à conta do Orçamento. Serve-te à vontade. Mas, pelo sim, pelo não – e não vá a coisa dar para o torto – vai pondo as barbas de molho.

Que é como quem diz: umas massas na Suíça…




(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 23/02/2011.
Não deixe de ouvir em 98.7 Mhz e participar pelos telefones 212277046 ou 212277047 todas as quartas-feiras entre as 09H00 e as 10H00.

Sem comentários: