quarta-feira, 29 de junho de 2011

A LARANJADA

O povo laranja parece um comprimido efervescente acabado de cair num copo de água. E o povo cor-de-rosa, ainda a lamber as feridas, é um resto de vinho azedo no fundo de um copo rachado. O povo laranja passou a adorar as políticas de austeridade de Sócrates, e até acha que é pouco. E o povo cor-de-rosa, porque está tudo muito fresco, ainda não tem coragem, nem lata, para criticar agora o que antes aplaudia.

Se o PS pôs os portugueses a pagar uma crise que os portugueses não fizeram – porque não foram os portugueses comuns que governaram o país nem controlaram a economia –, o PSD vai, como já se viu, continuar a cobrar aos portugueses o preço dessa crise.

Mas há, nesta aparente similitude, uma diferença substancial. Enquanto o PS atirava para a crise internacional a culpa da situação, o PSD, de forma mais subterrânea e perversa, atira para os ombros dos trabalhadores – para os seus «direitos adquiridos» – a culpa pela situação vivida. De vários lados vêm esses sinais.

Um escriba igual aos que passavam os recados de Salazar e Caetano, esclarece, num assomo de lucidez genial, que a culpa da crise grega se deve aos direitos adquiridos pelos gregos, que atingiram as raias – diz ele – da demência. E dá cinco exemplos lapidares:

- Um lago seco desde 1930 tem, ainda hoje, um instituto para a sua protecção, com dezenas de funcionários ao serviço;

- Num hospital público, existe um jardim com 4 arbustos, sendo que foram contratados, para cuidar desses arbustos, 45 jardineiros;

- As filhas solteiras dos funcionários públicos têm direito a uma pensão vitalícia, após a morte do familiar:

- Os hospitais gregos compram pace-makers 400 vezes mais caros do que aqueles que são adquiridos pelo SNS britânico;

- Existem 600 profissões que podem pedir a reforma aos 50 (mulheres) e aos 55 (homens), porque são profissões de alto desgaste. Entre elas, e a par dos mineiros, estão cabeleireiras e apresentadores de TV.

Estão detectadas – e à vista desarmada – as razões da crise: os «direitos adquiridos» dos trabalhadores. Foram os trabalhadores gregos que exigiram cuidar de lagos defuntos e que, para cada arbusto grego, existam 11,25 jardineiros. Os trabalhadores gregos têm o direito adquirido de exigir aos administradores hospitalares que esbanjem os dinheiros públicos com a compra de pace-makers, com as luvas e as comissões já incluídas no preço. Foram as filhas solteiras dos funcionários públicos que obrigaram o governo a sustentá-las, caso não casassem. E, claro, como na Grécia só há mineiros, cabeleireiras de madames finas e apresentadoras de TV que, aliás, passam o tempo a entoar loas aos governos de direita que, há décadas, estão no poder, eis as razões da falência grega: os «direitos adquiridos» dos trabalhadores, esses malandros.

Para a laranjada nunca existiu o regabofe da alta finança, a crise do subprime, os Madoffs, os BPNs, sucateiros, Varas, Loureiros e demais quadrilhas. Aliás, os direitos da banqueirada, dos administradores, dos boys e das girls – na Grécia ou cá – não são adquiridos.

São divinos.

Oh! se são…




(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 29/06/2011.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

DEMOCRACIA E PAI NATAL

Em democracia plena, ou seja, numa sociedade amplamente democrática, como a nossa, é normal haver quem perca o seu trabalho – e, consequentemente, a sua fonte de subsistência – por incompetência ou dolo da entidade patronal, por decisão administrativa do governo ou, apenas, por vontade soberana do senhor empresário. Nada mais normal, nada mais democrático.

Nesta mesma sociedade, há, no entanto, quem acumule empregos muito bem remunerados – até principescamente remunerados – quer a nível da administração das empresas públicas, quer a nível do sector privado, mesmo que essas empresas acumulem prejuízos, paguem mal aos seus trabalhadores e até os despeçam aos magotes, bastando, para isso, não lhes renovar os contratos, coisa cada vez mais comum. Nada mais normal, nada mais democrático. E peço o favor de não confundir estes casos com os daqueles homens e mulheres que se desdobram em mais de que uma ocupação para fugir da fome e doutras virtudes amplamente democráticas, ou com os reformados que se vêem obrigados a procurar trabalho pelas mesmíssimas razões.

Ainda no âmbito desta largueza de valores democráticos, há quem tenha o poder de determinar para si múltiplas e repolhudas reformas, ao mesmo tempo que pode reduzir ou congelar – ou exigir ao governo que o faça – as já de si paupérrimas reformas dos pensionistas em geral. Um precioso exemplo: um ex-ministro, democrata de fibra e genial gestor, que além dos proveitos adquiridos por anos de esforçada e fértil acção governativa, usufrui de alguns outros, fruto de douradas ocupações, conseguiu, dentro da lei, uma farfalhuda reforma de 18.000 euros, (3.600 contos) mensais, bem suada durante 18 mesitos nos agrestes gabinetes da administração da CGD. Chama-se Mira Amaral, e costuma aparecer na televisão a exigir mais austeridade para os trabalhadores a sério e para pensionistas em geral, que não a ele, obviamente. E este figurão é apenas um chupista no meio de um bando de democratas que sugam o OGE e as mais-valias que o mundo do trabalho vai gerando. Mas tudo isto é normal e, principalmente, amplamente democrático.

Há milhares de entidades que albergam milhares de miras amarais. Há leis que foram feitas, exclusivamente, para favorecer quem as cria e aprova. Há uma imensa chusma de criaturas, todas elas ligadas aos topos dos aparelhos partidários e ao mundo da gestão empresarial do mais alto nível (nível de lucros, que não moral) que entre si partem e repartem a pouca riqueza que se produz. Vivem bem à conta de forçarem, em nome da pátria, os seus compatriotas a viver mal.

Há quem diga que tudo isto é amplamente democrático. Uns, porque pensam que as dores dos outros nunca lhes baterão à porta. Outros, porque não pensam absolutamente nada.

E também há quem acredite que o novo governo vai resolver estas coisas. São os que também acreditam no Pai Natal.



(João Carlos Pereira)

quarta-feira, 15 de junho de 2011

PORQUE É QUE VÃO CHATEAR O CAMÕES?

Um bando luzidio de figurões, a quem as agruras da vida nunca tocam, e que, pelo contrário, são responsáveis, por acção, ou omissão – mais por aquela do que por esta –, pelas agruras da vida de milhões de portugueses, reúne-se anualmente para discorrer – e ouvir discorrer – sobre o Portugal que somos. Pelo meio, distribuem-se umas latas com fitinhas, a pretexto de pretensos méritos e serviços prestados por outros figurões, raro sendo o caso em que se pode dizer: benza-te deus, desta vez acertaste!

O chefe de estado de serviço na ocasião, em ofuscante discurso, dá sempre pistas e sugestões para retirar o país da apagada e vil tristeza, onde ele e muitos dos presentes o mantêm. A expressão, por si só, não bastaria para meter Camões ao barulho, mesmo que se dê carácter premonitório às conhecidas estrofes – erros meus, má fortuna, amor ardente, em minha perdição se esconjuraram – pois não é líquido que Camões conseguisse antecipar os erros que os lusitanos actuais cometam quando se entregam a vis sebosos, ser a má fortuna uma alusão ao facto de se ter nascido neste quase cume da cabeça da Europa toda, ou que o amor ardente signifique a fidelidade canina ao partido que se ama, mesmo que este o sodomize sem parar. Basta aliás, pensar-se que, a ser vivo, Camões poderia escrever, se Portugal quisesse definir, não Eis aqui quase cume da cabeça da Europa toda, o Reino Lusitano, mas Eis-nos aqui na cauda da Europa, a mendigar tostões, de mão estendida, ou coisa do género. Aproveitar Camões para, ano após ano, dizer vulgaridades e distribuir caricas, não é só ridículo: é obsceno.

Este ano, o senhor Silva descobriu que devemos voltar à agricultura e ao interior despovoado. Olha quem fala! Quem é que, como primeiro-ministro, cascou na agricultura e se fartou de despovoar? Meritória acção, aliás, da qual os seus antecessores e sucessores no cargo devem compartilhar as honras. Ao senhor Silva – que até há bem pouco tempo não sabia (já saberá?) em quantos cantos se dividem Os Lusíadas – não ocorreu, na circunstância, explicar-nos como é compatível o desenvolvimento da agricultura e da agro-pecuária, tal como das pescas, se aceitamos a imposição de quotas que nos impedem de produzir o que podíamos – e devíamos. O senhor Silva também podia ter decifrado o mistério dos fundos europeus, que serviram para tudo – principalmente para arrancarmos oliveiras, abater navios de pesca, deixarmos de apertar as tetas às vacas e construirmos milhares de quilómetros de estradas e auto-estradas, pelas quais o interior se esvaiu a caminho de um litoral de pelintras e de pedintes – menos para aumentar a nossa capacidade produtiva, que era disso que precisávamos – e precisamos. Mas é precisamente isso que os nossos parceiros europeus não querem.

O dez de Junho é, todo ele, um retrato de um país pindérico e condenado. Pindérico nos discursos, nas ideias e nas vaidades balofas. Condenado à subserviência ao estrangeiro e aos interesses dos grandes mercadores do dinheiro – os investidores, no linguajar do senhor Silva – e porque continua a creditar naqueles que, década após década, o conduziram ao mais aterrador estado vegetativo.

Camões cantou:

Não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
duma austera, apagada e vil tristeza.

Pois está.





(João Carlos Pereira)



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 15/06/2011.


quarta-feira, 8 de junho de 2011

NOTÍCIAS DA RATOLÂNDIA



Num país chamado Ratolândia, onde, como o nome indica, viviam ratos, a rotina era alterada de quatro em quatro anos, por via da realização de eleições. Era uma festa. Nessa altura, os ratos eram chamados a votar, tendo em vista eleger o seu parlamento e, consequentemente, o seu governo.

Curiosamente, quem concorria e ganhava as eleições eram os gatos, sendo que os gatos pretos estavam no poder há muito tempo. Uma vez eleitos, fizeram e aplicaram
as leis com extrema competência, pelo menos do ponto de vista dos gatos, que outra coisa não eram. Uma das leis, dizia que a casa dos ratos deveria ter uma entrada em arco, destinada a permitir que os gatos pudessem lá meter as patas. Outra das leis determinava que os ratos respeitassem um certo limite de velocidade, de forma a permitir que os gatos pudessem obter as suas refeições sem terem que correr muito.

Fartos disto, os ratos começaram a protestar, tendo, então, aparecido os gatos brancos, que convenceram os ratos a votar neles, caso quisessem acabar com as suas desgraças. E ganharam as eleições. Logo os gatos brancos resolveram mudar o formato da entrada da casa dos ratos, que passou a ser rectangular, o que permitia que lá entrassem as duas patas dos gatos, em vez de uma. Também reduziram o limite de
velocidade. Quatro anos depois, desiludidos, os ratos resolveram castigar os gatos brancos, voltando a votar nos gatos pretos. E, quatro anos mais tarde, já estavam a votar nos gatos brancos, para castigar os gatos pretos. Até chegaram a votar em gatos meio brancos e meio pretos, a que chamaram coligação, mas os resultados não mudaram, porque é desígnio dos gatos viveram de comer ratos, e isso nunca vai mudar. Não é que sejam maus, é que a vida é mesmo assim...

Foi então que apareceu um rato que disse que as coisas tinham que mudar, mas que só mudariam quando os ratos elegessem outros ratos para governar. Foi o fim do mundo. Logo alguns ratos lhe chamaram comunista e o meteram na prisão.

Nas eleições que se seguiram, voltaram a votar nos gatos pretos.

Agora, na minha condição de rato, venho informar a querida rataria que nas eleições cá da Ratolândia voltaram a ganhar os gatos. Como era previsível, desta vez coube a vitória ao gato branco. Daqui a quatro anos, será a vez de a vitória sorrir ao gato preto. E assim sucessivamente, como mandam os bons costumes e os princípios da alternância democrática. E como, aliás, tem sucedido até agora, com excelentes resultados. Para os gatos, claro.

Uma saudação especial para os ratos que não votaram nos gatos e, principalmente, para a grande maioria dos ratos inscritos, que não se deu sequer ao trabalho de votar. Se calhar, é mesmo esse o caminho. Os gatos que votem uns nos outros. E, já agora, que comecem a trabalhar, porque se os ratos tivessem juízo, cruzavam as patas - e quem quisesse bolota, que trepasse.

Ah! Já me esquecia: o gato negro pôs-se a milhas. Se calhar vai aos robalos, com o gato Vara. Ou - quem sabe? - vender Magalhães.




(João Carlos Pereira)


Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 08/06/2011.

quarta-feira, 1 de junho de 2011

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Durante 35 anos bem contados, PS, PSD e CDS deram com o país de pantanas. Se alguém disser que isto é mentira – e sem querer ofender – ficarei a pensar coisas muito feias a seu respeito. A mais lisonjeira, é que se trata de uma pessoa com sérios problemas neurológicos, eventualmente o mal de Alzheimer.

Destes três partidos, e de todos os políticos que governaram, não há dúvida nenhuma que foram o PS e Sócrates quem mais contribuiu para o descalabro económico, social, político, cultural e ético em que vivemos. Se alguém disser que isto é mentira – e sem querer ofender – ficarei a pensar que se trata de uma pessoa totalmente desprovida de neurónios, caso não padeça de mitomania, mal que afecta os vulgarmente chamados mentirosos obssessivos-compulsivos, exactamente o mal que aflige o senhor Sócrates.

Apesar disso, verificamos que as sondagens colocam os três partidos responsáveis pela nossa ruína como os mais aptos a dela retirar-nos. PS e PSD arrebanham – e nunca o termo teve tanta propriedade – cerca de 70% dos que se espera que votem. Isto faz-me lembrar aquelas pobres mulheres que passam o tempo a enfardar murro, pontapé e insultos do querido companheiro, mas que nada fazem, convencidas que ele há-de entrar, um dia, no bom caminho. O que lhes acontece, se não se libertam da canga, é enfardar até ao dia em que morram de morte natural, caso a coisa não se resolva antes, seja na ponta de uma navalha, à bala ou a golpes de machado.

Que enigma é este que leva alguns milhões de pessoas a comportarem-se como estúpidas mulheres submissas face às diatribes de maridos inclementes, brutais e mentecaptos? Porque será que milhões de pessoas com idades superiores a quarenta anos, parece nada terem aprendido com o que fizeram Soares, Cavacos, Guterres, Durões e Sócrates?

Que bloqueios mentais, que misteriosa hipnose faz milhões de pessoas acreditar que cada campanha eleitoral é a purificação das mentes dos malfeitores que, paulatinamente, deram cabo das pescas, da agricultura, da indústria, esbanjaram os dinheiros públicos, colocaram-nos à beira da bancarrota, transformaram Portugal num dos países mais desqualificados do mundo, uma anedota vergonhosa da Europa a 27, o único país em recessão, com as maiores desigualdades sociais e cujos índices de desenvolvimento humano se aproximam, escandalosamente, do chamado Terceiro Mundo?

Que bebedeira colectiva é esta que leva milhares e milhares de vítimas das políticas desenvolvidas pelo PS e pelo PSD – os desempregados, os pensionistas dos oito euros por dia, os trabalhadores dos 500 euros, os que nem salário recebem, os que perderam casa e o fruto de anos de trabalho – a entregar o seu futuro a quem, precisamente, destruiu o seu presente e o seu passado?

Não sei responder.

A única coisa que sei é que eu não como e calo.

Eu não faço parte deste rebanho acéfalo.



(João Carlos Pereira)



Crónica lida nas “Provocações” da Rádio Baía em 01/06/2011.