Um bando luzidio de figurões, a quem as agruras da vida nunca tocam, e que, pelo contrário, são responsáveis, por acção, ou omissão – mais por aquela do que por esta –, pelas agruras da vida de milhões de portugueses, reúne-se anualmente para discorrer – e ouvir discorrer – sobre o Portugal que somos. Pelo meio, distribuem-se umas latas com fitinhas, a pretexto de pretensos méritos e serviços prestados por outros figurões, raro sendo o caso em que se pode dizer: benza-te deus, desta vez acertaste!
O chefe de estado de serviço na ocasião, em ofuscante discurso, dá sempre pistas e sugestões para retirar o país da apagada e vil tristeza, onde ele e muitos dos presentes o mantêm. A expressão, por si só, não bastaria para meter Camões ao barulho, mesmo que se dê carácter premonitório às conhecidas estrofes – erros meus, má fortuna, amor ardente, em minha perdição se esconjuraram – pois não é líquido que Camões conseguisse antecipar os erros que os lusitanos actuais cometam quando se entregam a vis sebosos, ser a má fortuna uma alusão ao facto de se ter nascido neste quase cume da cabeça da Europa toda, ou que o amor ardente signifique a fidelidade canina ao partido que se ama, mesmo que este o sodomize sem parar. Basta aliás, pensar-se que, a ser vivo, Camões poderia escrever, se Portugal quisesse definir, não Eis aqui quase cume da cabeça da Europa toda, o Reino Lusitano, mas Eis-nos aqui na cauda da Europa, a mendigar tostões, de mão estendida, ou coisa do género. Aproveitar Camões para, ano após ano, dizer vulgaridades e distribuir caricas, não é só ridículo: é obsceno.
Este ano, o senhor Silva descobriu que devemos voltar à agricultura e ao interior despovoado. Olha quem fala! Quem é que, como primeiro-ministro, cascou na agricultura e se fartou de despovoar? Meritória acção, aliás, da qual os seus antecessores e sucessores no cargo devem compartilhar as honras. Ao senhor Silva – que até há bem pouco tempo não sabia (já saberá?) em quantos cantos se dividem Os Lusíadas – não ocorreu, na circunstância, explicar-nos como é compatível o desenvolvimento da agricultura e da agro-pecuária, tal como das pescas, se aceitamos a imposição de quotas que nos impedem de produzir o que podíamos – e devíamos. O senhor Silva também podia ter decifrado o mistério dos fundos europeus, que serviram para tudo – principalmente para arrancarmos oliveiras, abater navios de pesca, deixarmos de apertar as tetas às vacas e construirmos milhares de quilómetros de estradas e auto-estradas, pelas quais o interior se esvaiu a caminho de um litoral de pelintras e de pedintes – menos para aumentar a nossa capacidade produtiva, que era disso que precisávamos – e precisamos. Mas é precisamente isso que os nossos parceiros europeus não querem.
O dez de Junho é, todo ele, um retrato de um país pindérico e condenado. Pindérico nos discursos, nas ideias e nas vaidades balofas. Condenado à subserviência ao estrangeiro e aos interesses dos grandes mercadores do dinheiro – os investidores, no linguajar do senhor Silva – e porque continua a creditar naqueles que, década após década, o conduziram ao mais aterrador estado vegetativo.
Camões cantou:
Não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
duma austera, apagada e vil tristeza.
Pois está.
O chefe de estado de serviço na ocasião, em ofuscante discurso, dá sempre pistas e sugestões para retirar o país da apagada e vil tristeza, onde ele e muitos dos presentes o mantêm. A expressão, por si só, não bastaria para meter Camões ao barulho, mesmo que se dê carácter premonitório às conhecidas estrofes – erros meus, má fortuna, amor ardente, em minha perdição se esconjuraram – pois não é líquido que Camões conseguisse antecipar os erros que os lusitanos actuais cometam quando se entregam a vis sebosos, ser a má fortuna uma alusão ao facto de se ter nascido neste quase cume da cabeça da Europa toda, ou que o amor ardente signifique a fidelidade canina ao partido que se ama, mesmo que este o sodomize sem parar. Basta aliás, pensar-se que, a ser vivo, Camões poderia escrever, se Portugal quisesse definir, não Eis aqui quase cume da cabeça da Europa toda, o Reino Lusitano, mas Eis-nos aqui na cauda da Europa, a mendigar tostões, de mão estendida, ou coisa do género. Aproveitar Camões para, ano após ano, dizer vulgaridades e distribuir caricas, não é só ridículo: é obsceno.
Este ano, o senhor Silva descobriu que devemos voltar à agricultura e ao interior despovoado. Olha quem fala! Quem é que, como primeiro-ministro, cascou na agricultura e se fartou de despovoar? Meritória acção, aliás, da qual os seus antecessores e sucessores no cargo devem compartilhar as honras. Ao senhor Silva – que até há bem pouco tempo não sabia (já saberá?) em quantos cantos se dividem Os Lusíadas – não ocorreu, na circunstância, explicar-nos como é compatível o desenvolvimento da agricultura e da agro-pecuária, tal como das pescas, se aceitamos a imposição de quotas que nos impedem de produzir o que podíamos – e devíamos. O senhor Silva também podia ter decifrado o mistério dos fundos europeus, que serviram para tudo – principalmente para arrancarmos oliveiras, abater navios de pesca, deixarmos de apertar as tetas às vacas e construirmos milhares de quilómetros de estradas e auto-estradas, pelas quais o interior se esvaiu a caminho de um litoral de pelintras e de pedintes – menos para aumentar a nossa capacidade produtiva, que era disso que precisávamos – e precisamos. Mas é precisamente isso que os nossos parceiros europeus não querem.
O dez de Junho é, todo ele, um retrato de um país pindérico e condenado. Pindérico nos discursos, nas ideias e nas vaidades balofas. Condenado à subserviência ao estrangeiro e aos interesses dos grandes mercadores do dinheiro – os investidores, no linguajar do senhor Silva – e porque continua a creditar naqueles que, década após década, o conduziram ao mais aterrador estado vegetativo.
Camões cantou:
Não no dá a pátria, não, que está metida
no gosto da cobiça e na rudeza
duma austera, apagada e vil tristeza.
Pois está.
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